15/03/2011
“Queremos um sistema gerador de vida, não de coisas descartáveis”
Na tarde de hoje, 14 de março, teve início o 2° Simpósio Nacional de Mudanças Climáticas e Justiça Social, organizado pelo Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social. Cerca de 90 pessoas, em sua maioria de entidades que compõem o Fórum, participam do evento, que tem como tema “Com a Mãe Terra, recriar o ambiente da vida”. O encontro acontece no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), até a próxima quarta-feira, dia 16.
Após a acolhida e apresentação dos participantes, Éden Magalhães, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entidade que compõe o Fórum, falou sobre a importância do encontro e a relação dos povos indígenas com o meio ambiente, que é sempre fonte de vida e esperança. Ele apresentou também um breve panorama do trabalho realizado pelo organismo e a importância deste para o empoderamento e mobilização dos indígenas.
O secretário lembrou ainda a relação existente entre as discussões presentes no simpósio e o tema da Semana dos Povos Indígenas deste ano – “Vida para todos e para sempre: A Mãe Terra clama pelo Bem Viver”, apresentado pelo Cimi. Que por sua vez, está em consonância com o proposto pela Campanha da Fraternidade 2011, “Fraternidade e a vida no planeta – A criação geme em dores de parto”.
Como ânimo aos participantes e lembrando a labuta de diversos guerreiros na luta pela causa dos pobres, Éden lembrou dom Pedro Calsaldáliga, que afirma que “a sensibilidade evangélica que nos faz reconhecer a causa indígena nos faz um serviço de despojamento de abertura ecumênica, que nos ajuda a encontrar Jesus”. Pode-se relacionar a afirmação ao reconhecimento da causa dos menos favorecidos, marginalizados e excluídos, por meio da qual, podemos diariamente estar com Jesus.
Dando abertura ao vento, dom Luiz Demétrio Valentini, representante da CNBB, Malt Reshöeft, da Misereor e Raul Krauser, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e do FMCJS, falaram sobre momento de apresentações e abertura do evento,
Dom Demétrio fez um apanhado sobre a criação do mundo e do homem, bem como a relação entre ambos. De acordo com ele é preciso buscar informações, saber como é a terra que vivemos, como ela chegou até nós e como devemos cuidar dela para entendermos essa relação, que deve ser de respeito, cuidado e preservação. “A terra nos ultrapassa, ela carrega a história de milhões de anos, enquanto nós de apenas alguns”, afirmou.
Malt Reshöeft trouxe a própria experiência, ao afirmar que momentos de dificuldade e dor levam o homem á mudanças. “A humanidade, de certa forma, tem encontrado uma situação dolorosa, o que muitas vezes nos leva a mudar. Essa dor nos faz pensar sobre nossa relação com a Mãe Natureza. Essas situações são sim, como afirma a CF 2011, dores de parto, mas creio que trarão um novo conceito, novas discussões para a humanidade”, disse.
Em todas as falas, a lembrança das dificuldades vividas no Japão, vitima de um terremoto, que ocasionou um tsunami, na última sexta-feira, dia 11, vitimando milhares de pessoas. Raul Krauser lembrou ainda de situações de desastre ocorridas em diversas cidades do nordeste recentemente, no Rio de Janeiro e em Angras dos Reis, no ano passado. De acordo com ele, isso assusta muito e lembra que é preciso urgentemente mudar a forma de se relacionar com meio ambiente.
“Tudo isso faz parte da assustadora conjuntura política e social do país, onde o agronegócio da Kátia Abreu vai para a passarela do samba cantar a parábola do Bom Semeador, enquanto o Brasil figura na lista dos países que mais poluem por meio da utilização dos agrotóxicos e abraça cada vez mais um sistema de morte, de desenvolvimento a qualquer custo e sobre todo e qualquer direito”, declarou.
Mesas temáticas
Marijane Lisboa, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, e Ivo Lesbaupin, da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), deram início aos primeiros trabalhos do simpósio falando justamente sobre a utilização dos recursos naturais do planeta. Na discussão, a geração de energia elétrica por meio de grandes centrais hidrelétricas, fontes de poluição, destruição da vida animal e vegetal e da expulsão de diversas famílias de suas terras tradicionais.
Caso emblemático dessa questão foi citado durante todo o encontro, a hidrelétrica de Belo Monte, que o governo federal pretende construir na região da Volta Grande, no rio Xingu, em Altamira (PA). A obra, articulada pela primeira vez há mais de 20 anos, voltou à tona no governo passado e tem mobilizado parte da população da região, comunidades indígenas, ribeirinhos, pescadores e movimentos sociais que são a favor da vida e contra o projeto de desenvolvimento a qualquer custo apregoado pelo Estado.
“Não basta só haver coleta seletiva, a troca de carros à gasolina por carros movidos a eletricidade, economia de água, entre outros. É preciso algo mais profundo, é preciso mudar nosso sistema econômico e de desenvolvimento. É preciso se opor veementemente ao agronegócio, ao uso de agrotóxicos, aos transgênicos e dizer sim à reforma agrária, como propõe a Via Campesina. É preciso, urgentemente, mudar nosso sistema de energia utilizando outras formas potencialmente possíveis no país, como a eólica e a solar”, afirmou Ivo Lesbaupin.
Ainda de acordo com ele, em relatório lançado recentemente, Greempace ou WF expõem que nos próximos 30/40 anos será possível utilizar bem menos energia que se utiliza atualmente, cerca de 25% a menos, porque as casas terão sistemas para poupar energia. “Então para que tantas hidrelétricas sob o signo de que necessitamos mais e mais energia elétrica? Por que temos mais direitos que os indígenas, pescadores, ribeirinhos, quilombolas e tantos outros povos tradicionais que sequer têm acesso a ela?”, indagou. “Queremos um sistema que gere vida, não um sistema que crie coisas descartáveis”, completou.
Para abrir espaço para os debates, Marijane Lisboa falou sobre a garantia dos direitos e a relação deste com o uso consciente e harmônico dos recursos naturais. De acordo com ela, a história da humanidade é uma história de injustiças ambientais e garantia de direitos de uns em detrimento dos direitos de muitos.
Ela fez um apanhado da questão do direito desde a Grécia Antiga, passando pela conquista de direitos das mulheres e crianças, até hoje, com a aprovação da Constituição do Equador, dos sujeitos de direitos, onde homem, mulher, criança, natureza, todos têm direitos, inclusive em suas diferenças de gênero e culturais.
Amanhã
Amanhã, acontecerão três mesas temáticas, com participação de diversos pesquisadores e especialistas. No início dos trabalhos, a discussão girará em torno das “Mudanças Climáticas no Brasil – Políticas, Legislação, Impactos e Papel do Estado”, quando falarão Maria José Pacheco, do Conselho Pastoral dos Pescadores; Ivo Poletto, do FMCJS; e Luiz Zarref, representante do Movimento dos Sem Terra (MST) e Via Campesina.
Após o almoço, o tema será “Impactos socioambientais das mudanças climáticas e das soluções propostas (REED, mercado de carbono, hidrelétricas, agrocombustíveis) e alternativas”. A mesa será coordenada por Raul Krauser, do MPA, e composta pelos assessores Lucia Ortiz, da ONG Amigos da Terra, e Roberto Malvezzi, membro do Fórum.
Na volta do intervalo, “Perspectivas da produção de alimentos, integração com o bioma local, adaptação e resiliência”, darão o ritmo do trabalho, que será assessorado por Irene Maria Cardoso, da Universidade Federal de Viçosa/MG e da Articulação Nacional de Agroecologia; e por Andrea Young, do Núcleo de Estudos de População (Nepo/Unicamp).
ATO PÚBLICO
O Simpósio será encerrado com a realização de um ato público, na próxima quarta-feira, 16 de março, a partir das 14 horas. Na ocasião, estarão presentes, a ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário Nunes, o ministro da secretaria geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, um representante do Ministério do Meio Ambiente e o presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Caridade, Justiça e Paz, da CNBB, dom Pedro Luiz Stringhini.