30% das candidatas indígenas à Câmara não receberam recursos para campanha

30/09/2022

Fonte:https://www.jota.info/eleicoes/30-das-candidatas-indigenas-a-camara-nao-receberam-recursos-para-campanha-30092022

Siga o Dinheiro: Recorde de candidaturas não se refletiu no Fundo Eleitoral. Negros também receberam menos do que brancos

Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília, em 2019 | Foto: Tiago Miotto/ Cimi

As mulheres indígenas são as que mais ficaram sem qualquer financiamento para fazer campanha com recursos do Fundo Eleitoral. O dinheiro precisa ser distribuído pelos partidos às candidaturas, mas 29,6% das indígenas que concorrem à deputada federal não receberam nada.

A informação se baseia nas prestações de contas enviadas à Justiça Eleitoral até esta quarta-feira (28/9), disponíveis no painel Siga o Dinheiro, parceria do JOTA com a organização Base dos Dados.

Neste ano, houve recorde no número de candidaturas indígenas – são 186, somando todos os cargos, sendo 85 mulheres. O número encolhe se é observado o apoio para fazer campanha. Para a Câmara dos Deputados, há apenas 27 delas, mas as chances de eleição são reduzidas para as oito que não tiveram participação no Fundo Eleitoral.

A situação não é diferente para os homens indígenas: 28,1% dos que buscam uma vaga na Câmara dos Deputados também não receberam nem R$ 1 de seus partidos para a campanha. Também são poucos candidatos nesse grupo, 32 de um universo de quase 7 mil homens concorrendo.

Hoje, a Câmara tem apenas uma parlamentar autodeclarada indígena. Nas eleições de 2018, foi eleita a primeira deputada indígena da história do país, Joênia Wapichana (Rede-RR). Além dela, há ainda Paulo Guedes (PT-MG), mas no pleito passado ele constava como pardo.

Antes deste mandato, a última vez que essa população tivera um representante foi com o cacique xavante Mário Juruna, que deixou o Congresso em 1987.

Nestas eleições, concorrendo à reeleição, a candidata Wapichana foi a que mais recebeu recursos do Fundo entre os indígenas, cerca de R$ 2 milhões – ela figura no 337º entre os candidatos a deputado que mais tiveram dinheiro para campanha.

No topo da lista dentre indígenas, aparecem o também deputado Paulo Guedes; Juliana Cardoso (PT-SP), vereadora em São Paulo; as ativistas Célia Xakriabá (PSOL-MG) e Sônia Guajajara (PSOL-SP); e Vanda Witoto (Rede-AM), técnica de enfermagem que se tornou conhecida durante a pandemia da Covid-19. 

Desigualdades na distribuição do Fundo Eleitoral

Evidentemente, não são apenas candidaturas indígenas que se veem sem repasse de verbas pelos partidos, evidentemente. O esperado é que as apostas dos partidos para acumular votos recebam mais dinheiro do Fundo Eleitoral – também chamado de Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

A falta de condições para fazer campanha é um dos motivos para os lentos avanços na representatividade de minorias na política brasileira. Essa percepção justificou a adoção da obrigatoriedade de investir volume proporcional de recursos nas candidaturas de mulheres e negros, a partir das eleições de 2020.

“Geralmente, se atribui aos eleitores a responsabilidade de aumentar a participação dos grupos em minoria, mas, antes do voto, há uma série de processos atuando que dificultam a mudança”, diz Roberta Eugenio, diretora do Instituto Alziras, que acompanha gestão pública e mulheres na política.

A mera existência de mais mulheres candidatas pode ser pouco para ampliar a participação efetiva. “A política da presença, embora seja suficiente para gerar uma tensão que leva a mudanças, é insuficiente se não vier acompanhada de outras, mais transversais e que levem o combate à desigualdade para diferentes áreas”, afirma Eugênio.

Um estudo da organização, divulgado em julho, mostrou que há uma disparidade na capacidade de candidatos de arrecadar recursos próprios, mais destacada na comparação entre mulheres negras e homens brancos. Na comparação entre 2016 e 2020, isso foi atenuado, o que se deveu às novas regras do Fundo Eleitoral.

Para se ter ideia, em 2016, as mulheres eram 32,5% das candidatas a vereadoras, com acesso a 21% da receita total; elas passaram a ser 35% dos postulantes ao cargo e obtiveram 32% da receita total quatro anos depois.

Ainda é preciso aguardar o fim da prestação de contas pelos partidos para que reflexos dessa nova política nas eleições gerais possam ser medidos com exatidão. Contudo, os dados atualizados nesta quinta-feira (29/9) pelo Siga o Dinheiro mostram que, quando se observam os grupos como um todo, a proporcionalidade ainda não é estritamente seguida.

Entre candidaturas à Câmara dos Deputados, há 35% de mulheres, e elas receberam 30% dos recursos por enquanto. Pretos e pardos são 48% dos candidatos, mas receberam 36% do dinheiro já declarado. Indígenas têm 0,5% da receita, o que é proporcional às candidaturas. Observando a soma de todos os cargos, os desvios seguem padrão semelhante.

Desde que a proporcionalidade geral seja seguida, não há regra que determine uma repartição equilibrada dentro desses grupos. Dessa forma, formalmente, alguns candidatos podem ganhar muito mais do que outros – formalmente, os partidos devem dar transparência sobre os critérios aplicados para a distribuição do Fundo.

“Precisamos que a lei seja regulamentada para evitar que os recursos sejam direcionados massivamente para as disputas majoritárias e para que haja mais igualdade na distribuição nos grupos. As mulheres não são uma população uniforme”, diz Hannah Maruci, pesquisadora em ciência política e criadora do projeto A Tenda das Candidatas, que capacita lideranças para inserção na política.

Nesse sentido, por se tratar de recursos públicos, a exigência de critérios para comprovar gastos e repasses deveria ser rígida. “Além disso, os partidos precisam ser cobrados pelas candidaturas e pela sociedade sobre seus critérios financeiros”, pontua a cientista política.

O projeto liderado por ela disponibilizou para as candidatas um guia sobre como agir quando são preteridas no compartilhamento do Fundo – a pressão, em muitos casos, funcionou e elas obtiveram mais dinheiro.

Recorde em número de candidaturas neste ano, as mulheres excluídas da repartição do Fundo representam um quinto do total de postulantes a deputadas. A medida é semelhante considerando mulheres pretas, pardas e brancas.

“Não ter recebido nada indica que os partidos convenceram candidatas a concorrer para preencher a cota mínima de candidatas, mas as abandonaram com o início da campanha”, diz Maruci.

Os efeitos da exclusão entre elas podem ter efeitos danosos na busca por aumentar a representatividade feminina na política. Embora exista a regra eleitoral de haver mínimo de 30% de candidatas mulheres em todos os partidos, na prática, um quinto das que se lançaram não têm apoio partidário – o que prejudica a capacidade de concorrer em pé de igualdade.

Entre os homens, a proporção de negros que brigam por uma vaga de deputado federal e não receberam dinheiro para campanha é maior do que a de seus pares brancos. Mais de um quarto dos pretos não teve qualquer recurso repassado pelo partido e 30% dos pardos estão na mesma situação.

Além dos zerados, há ainda candidatos que, na prestação de contas, aparecem valores inferiores a R$ 1 mil, geralmente referentes a serviços, como a arte com foto e número deles na urna.

Os homens brancos, que representam a maior fatia de candidatos, têm proporção menor de esquecidos na repartição do Fundo: são 23,5%. Assim, há ainda 2,8 mil pessoas nesse perfil com alguma condição financeira oferecida pelo partido para disputar a eleição.

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