O Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) pediu que a Justiça Federal julgue improcedentes os pedidos formulados pelos municípios de Martinho Campos e Pompéu de anulação do processo administrativo de demarcação da terra indígena Kaxixó.
O pedido foi feito em uma ação movida pelos dois municípios contra a Fundação Nacional do Índio(Funai) e a União. Atualmente a demarcação está suspensa por uma decisão liminar do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Nesse caso, como não é o autor da ação, o MPF atua como custos legis (fiscal da lei).
Para embasarem o pedido de anulação da demarcação, os municípios de Pompéu e de Martinho Campos, localizados na região central de Minas Gerais, alegam a suspeição do antropólogo que elaborou o laudo que definiu o reconhecimento da etnia, além de alegarem a ausência de participação dos municípios e do próprio estado no respectivo processo demarcatório.
Demarcação válida – O MPF defende que o processo administrativo de demarcação é perfeitamente válido, pois os autores da ação judicial chegaram a oferecer três contestações administrativas, de maneira que não houve violação ao princípio do contraditório.
Com relação à impugnação do laudo antropológico pelos autores da ação, o MPF afirma que foram na realidade produzidos três laudos, sendo que dois deles foram conclusivos. O laudo produzido pela antropóloga Ana Flávia Moreira dos Santos atesta que “os Kaxixó apresentam as características socioculturais para sua classificação como comunidade indígena”.
No mesmo sentido foi o laudo antropológico elaborado pelo antropólogo João Pacheco de Oliveira Filho, autor de numerosas obras de Antropologia e atualmente Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Em informação técnica que instrui o processo, a Funai concluiu que, “na condição de empregados nas fazendas tituladas sobre as suas terras, os Caxixó sofreram esbulho territorial renitente, agravado, mais recentemente, pela intensificação da ocupação na região”.
O relatório circunstanciado de identificação e demarcação (RCID) da terra indígena Kaxixó concluiu tratar-se de área de ocupação tradicional.
Para o procurador da República Edmundo Antonio Dias, “em razão da suspensão da demarcação, o povo Kaxixó tem sido confinado em uma área muito diminuta, o que lhes tem trazido enorme sofrimento, como foi constatado em laudo antropológico realizado recentemente pela perícia. É necessário atuar em duas frentes, a primeira delas – atualmente no âmbito judicial – sendo destravar o processo demarcatório. A segunda, de competência dos poderes executivos, é a promoção de políticas públicas de que os Kaxixó se encontram carentes.”
Prejuízos – O laudo antropológico elaborado pelo setor pericial do MPF constatou um grande número de indígenas em situação de sofrimento mental/adoecimento psíquico. O laudo apontou uma relação entre o agravamento dos quadros de adoecimento psíquico e a situação de confinamento vivenciada pelos Kaxixó, de falta de espaços de lazer e da discriminação que enfrentam.
“Os Kaxixó, atualmente, vivem em um contexto em que veem paulatinamente seu território tradicional ser tomado por empreendimentos ligados ao cultivo do eucalipto e à pecuária e por loteamentos ilegais nas margens do rio Pará. O cerrado e os lugares de referência para os indígenas – como a Taóca, a Pedreira do Roçado, as casas subterrâneas – estão sendo impactados por essas formas de invasão da Terra Indígena que prosseguem avançando na medida em que não é dada continuidade ao processo de demarcação da terra”, afirma o laudo.
Assim, até mesmo a segurança alimentar dos Kaxixó é gravemente comprometida pelo avanço indiscriminado da agropecuária sobre a terra indígena já identificada pela Funai. O resultado é a degradação do solo, a escassez de peixes, nascentes que secaram e falta de água.
Outros pedidos – Por esses motivos, o MPF pediu que a Justiça Federal, mediante tutela provisória incidental, obrigue os municípios de Martinho Campos e Pompéu a implementar política pública de promoção e prevenção de saúde mental junto aos Kaxixó, devendo, inclusive, prestar atendimento psicológico e de assistência social permanente aos membros da etnia, que ora enfrentam situação de sofrimento e adoecimento psíquico.
O MPF também pede que o município de Martinho Campos finalize as obras do sistema de abastecimento que foram iniciadas na Aldeia Capão do Zezinho, já que foi constatada a insuficiência do poço artesiano implementado no local.
Histórico – Em 2014, os dois municípios ajuizaram uma ação anulatória na Justiça Federal no Distrito Federal para suspender o processo de demarcação em curso pela Funai e contra uma eventual portaria do Ministério da Justiça que reconhecesse o direito da etnia sobre as terras. Os entes municipais pediram também que fossem preservados a posse e o domínio dos atuais proprietários da terra indígena identificada e delimitada pela Funai, até uma decisão ulterior ao processo.
Na ocasião, o Juízo da 1ª Vara Federal do Distrito Federal indeferiu todos os pedidos liminares formulados pelos municípios.
O estado de Minas Gerais, ao argumento de que a demarcação da terra indígena acarretaria a “remoção das atividades agropastoris” e a interrupção da “circulabilidade do patrimônio imobiliário”, alegou ter interesse de natureza econômica na causa e requereu sua admissão no processo, ao lado dos mencionados municípios mineiros, na ação ajuizada pelos mesmos.
Como a União e a Funai apresentaram contestações, o processo chegou a ser enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), para que decidisse se o ingresso do estado de Minas Gerais na ação, em polo oposto ao da União, configuraria ou não a existência de conflito federativo, o que o STF entendeu não estar caracterizado.
Atualmente, o processo se encontra sob a responsabilidade da 13ª Vara Federal de Belo Horizonte.
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Foto: Reprodução/ Facebook Funai – Fundação Nacional do Índio.