02/09/2017
Expedição mapeia impacto do fechamento de 60 mil escolas de ensino básico rurais no país
As notícias que começaram a pipocar há três anos sobre o fechamento de 60 mil escolas de ensino básico rurais no Brasil nas últimas duas décadas, o equivalente a oito instituições por dia, segundo o Censo Escolar vinculado ao MEC, colocou a pulga atrás da orelha de um grupo de artistas e pesquisadores sobre o tema.
Como as comunidades rurais que perderam escolas no quintal de casa reagiram e reagem às mudanças? O que foi feito com as escolas fechadas? E a quem interessa, afinal, a diminuição drástica de instituições de ensino básico no campo?
A “Expedição Catástrofe: por uma arqueologia da ignorância” percorreu durante um ano centenas de cidades dos estados de Goiás, Bahia e Minas Gerais — três estados com alta concentração de escolas rurais fechadas. Só em Minas, foram 8.531, enquanto Goiás e Bahia perderam, respectivamente, 583 e 9.495 escolas rurais. O projeto foi contemplado no financiamento do Rumos Itaú Cultural, de 2015/2016, e será concluído neste ano, por 10 profissionais de múltiplas linguagens, como designers, escritores, arquitetos e artistas visuais.
Foto: Pablo Lobato
A primeira ação pública da expedição será a leitura ininterrupta, nesta sexta-feira (01/09), durante 24 horas, dos 60 mil nomes de escolas rurais fechadas em 20 anos. A transmissão será feita em uma torre instalada na Universidade Federal de Goiás (UFG), em Goiânia, e compartilhada ao vivo pelo Facebook — você pode acompanhar na página do projeto neste link: https://goo.gl/jqfg5c.
“Nossa intenção é atingir o máximo de pessoas possível e tornar essa situação minimamente visível num primeiro momento, porque os dados são alarmantes demais. E não foi algo debatido, aprofundado”, diz Tande Campos, integrante da expedição.
O resultado mais completo da expedição estará em um livro a ser publicado em dezembro pelo Itaú Cultural, no qual o grupo cataloga as escolas fechadas visitadas e revela a afetação direta na vida de dezenas de comunidades do campo.
Em Minas Gerais, o grupo optou pelas cidades que sofreram mais perdas. Caso de Povoado de Capão, no município Presidente Juscelino, onde Tande Campos encontrou uma estudante de 15 anos que tinha aulas numa escola bem próxima ao encontro do Rio das Velhas com o Paraúnas. E teve a rotina completamente alterada no período de um ano.
“Como ela estava para ir para o ensino médio, mudou de escola. Voltei em Capão no ano seguinte e a situação era muito diferente. Essa aluna tinha que acordar às 6h para chegar à escola nova, na cidade, e só voltava para casa no meio da tarde. Tem ônibus para ela ir, mas se não tiver para voltar ela fica ilhada, porque não tem como chegar a pé. E o mais chocante é a mudança: ela deixou uma escola inserida na natureza para estudar em outra, completamente diferente, dentro de uma cidade urbanizada. É uma ruptura drástica que muitos alunos passaram, não só os que mudaram para o ensino médio”, diz Tande.
Foto: Pablo Lobato
A situação se relaciona, ironicamente, com o programa Caminho da Escola, implementado a partir de 2007, na gestão Lula, e propagandeado como o maior investimento em mobilidade escolar, por meio de ônibus escolares gratuitos para comunidades rurais, já realizado no país. Teoricamente, a compra de milhares de ônibus deveria facilitar o acesso às escolas rurais, e só naquele ano, o programa repassou aos municípios R$ 900 milhões. Mas o efeito foi o contrário. A maior parte das prefeituras aproveitou o incentivo para concentrar a educação nas sedes dos municípios, aglutinando diferentes comunidades em uma só escola, fechando as escolas rurais e reduzindo os dispêndios com a educação.
Foto: Pablo Lobato
Na zona rural de Nova Lima, onde pelo menos quatro escolas rurais deixaram de existir, Tande e Pablo encontraram uma escola que ainda parecia escola por fora. Mas ao tentar entrar na casa de duas salas grandes e uma ampla cozinha, a surpresa. “De repente, uma mulher abriu a porta. Descobrimos que a escola estava fechada há exatos 20 anos e a mulher morava lá há 15 anos. E a escola não havia sido descaracterizada. Tinha quadro negro e tudo ainda, vestígios de desenhos de alunos, cadeiras, mais a mobília da moradora e objetos pessoais, cama, roupas no varal. Uma coisa inacreditável. Essa moradora achou que a gente era do governo e estava lá para mandar ela sair. Ficou muito assustada. São escolas claramente abandonadas”, relata Tande.
Em Jaboticatubas, na região metropolitana, divisa com a Serra do Cipó, aproximadamente 20 escolas em diferentes povoados foram fechadas. Em uma delas, Pablo Lobato encontrou uma cena icônica. “Era uma casinha rodeada por novas árvores. Mas, logo na porta, na dobradiça da porta da escola, nasceu uma árvore que impedia a porta de fechar. Mesmo fechada, a escola mantinha a porta aberta. Isso me marcou muito, me fez refletir sobre uma educação possível. Parece mais saudável uma criança brincando e aprendendo no quintal de casa, podendo ter acesso ao rio que ela vê desde pequenininha, do que se locomovendo dezenas de quilômetros para estudar numa cidade estranha, com carteiras enfileiradas, aquele sistema rígido. Essa expedição fez a gente pensar muito sobre essa educação possível, que deveria ser incentivada e analisada, e não simplesmente interrompida”, diz Pablo.