Entrada do quilombo de Luízes – Fonte: RTID
Há cerca de nove anos, em 2008, o Núcleo de Estudos de Populações Tradicionais e Quilombolas da Universidade Federal de Minas Gerais (NUQ/UFMG) finalizou o relatório antropológico que identificou a área do território que deveria ser delimitado e regularizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O NUQ/UFMG foi contratado pelo próprio Incra para realizar os estudos, que fazem parte do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTDI) da comunidade.
Segundo o relatório antropológico, os casais fundadores da comunidade dos Luízes instalaram-se às margens do córrego Piteiras, em 1895, em glebas de terras doadas ou adquiridas, correspondentes hoje a um território de 2,87 hectares. No entanto, de forma inusitada, a superintendência regional do Incra reduziu o território original, excluindo do perímetro dez imóveis, sob o argumento de que as respectivas desapropriações “onerariam sobremaneira o erário”.
Em 17 de agosto de 2012, o Ministério Público Federal (MPF), em conjunto com a Defensoria Pública da União (DPU), ajuizou ação civil pública para impedir a redução do território quilombola.
Passados exatos cinco anos, em 17 de agosto, o Juízo da 8ª Vara Federal de Belo Horizonte proferiu sentença reconhecendo a procedência do pedido feito pelos autores e condenando o Incra a rever sua decisão anterior no prazo máximo de 10 dias, sob pena de pagamento de multa diária de dois mil reais.
Para o magistrado, a redução do perímetro original do território quilombola foi irregular, “diante da ausência de vício técnico ou jurídico em seu conteúdo”, e ilegal, porque não observou as normas que regem esse tipo de procedimento. “Da mesma forma que a finalidade, os requisitos formais do procedimento são amplamente regrados: não dão margem à discrição e muito menos ao arbítrio da Administração Pública. Não havia, pois, espaço legal para que o Incra, por seu Comitê de Decisão Regional, de ofício, excluísse do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, sem fundamento jurídico relevante, determinada área considerada como quilombola nos precedentes levantamentos técnicos”, registra a sentença.
“Reserva do possível” – A justificativa financeira apresentada pelo Incra também foi rechaçada pelo Juízo, para quem, “tal motivo não é previsto no plano constitucional ou infraconstitucional para que determinado imóvel seja excluído, no início mesmo do procedimento demarcatório. A indenização, quando e se cabível, é questão a ser apreciada apenas após o reconhecimento e demarcação do território quilombola”.
Além disso, o magistrado lembrou que o argumento fundado na “reserva do possível” é abusivo, porque “exime o Estado de cumprir suas obrigações sociais com as parcelas mais carentes da população, como indígenas, quilombolas, favelados e trabalhadores sem terra. Isso, ao tempo em que se multiplicam favores, anistias, subvenções e empréstimos a juros favorecidos, à parte da população mais privilegiada, que alguns analistas denominam do ”andar de cima”. Curioso que, quando o Estado concede parcelamentos a perder de vista a sonegadores, quando não age com rigor para haver destes o crédito que lhe é devido, quando com finalidades políticas imediatistas se aprovam recursos bilionários a fim de se atenderem a emendas parlamentares, nenhuma voz se levante afirmando que tais ações ou omissões estariam violando a“reserva do possível”.
Segundo a sentença, o Incra “não comprovou – e seria de fato muito difícil tal comprovação – a impossibilidade absoluta de arcar com eventuais indenizações aos não quilombolas, possuidores de imóveis na área afetada”.
Por fim, o Juízo Federal determinou que o Incra prossiga com o procedimento de regularização fundiária do território, “com a possível brevidade, observados os prazos e formalidades legais e regulamentares pertinentes, e assegurado o direito de defesa na esfera administrativa”.
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(ACP nº 41869-04.2012.4.01.3800).
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