Na decisão, Celso explicou que o procedimento administrativo de demarcação de terras é o que dá legitimidade jurídica ao decreto presidencial que dele resulta. O mandado de segurança havia sido impetrado por um espólio que tinha interesse nas terras. Mas, segundo o ministro, as terras reconhecidas como indígenas na data da promulgação da Constituição Federal não podem ter a propriedade transferida.
Na decisão, Celso afirmou que a centralidade da relação com a terra para os povos indígenas é “inquestionável”. “As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, embora pertencentes ao patrimônio da União (CF, artigo 20, XI), acham-se afetadas, por efeito de sua destinação constitucional, a fins específicos, voltados, essencialmente, à proteção jurídica, social, antropológica, econômica e cultural dos índios”, explicou.
O ministro citou, também, que a Constituição Federal criou, no artigo 231, parágrafo 1º, uma propriedade vinculada ou reservada, destinada, “de um lado, a assegurar, aos índios, o exercício dos direitos que lhes foram outorgados constitucionalmente (CF, art. 231, §§ 2º, 3º e 7º) e, de outro, a proporcionar, às comunidades indígenas, bem-estar e condições necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.
“No texto constitucional, a questão da terra representa o aspecto fundamental dos direitos e das prerrogativas constitucionais assegurados ao índio, pois este, sem a garantia de permanência nas terras por ele já tradicionalmente ocupadas, expõe-se ao risco gravíssimo da desintegração cultural, da perda de sua identidade étnica, da dissolução de seus vínculos históricos, sociais e antropológicos e da erosão de sua própria consciência e percepção como integrante de um povo e de uma nação que reverencia os locais místicos de sua adoração espiritual e que celebra, neles, os mistérios insondáveis do universo em que vive”, afirmou o ministro, na decisão.
Questionamentos
O mandado de segurança afirma que participação dos entes federativos na execução do decreto é obrigatória, mas, no caso concreto, não houve essa participação do estado de São Paulo, o qual não foi nem mesmo intimado, e nem do município de Peruíbe.
“Quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que a participação dos entes federativos era obrigatória, cravou a necessidade de participação efetiva nas diversas fases do processo, e não em uma participação formal, vazia de conteúdo”, diz o ministro, na liminar.
Ainda de acordo com a ação, percebeu-se que a participação dos estados e municípios afetados é condição de validade do processo administrativo, principalmente por serem eles os entes mais afetados com a demarcação, uma vez que após demarcada, a terra considerada indígena pertencerá à União Federal.”
De acordo com o ministro Celso de Mello, o estado de São Paulo formulou pedido para ingressar no processo de demarcação, o que foi negado.
A Fundação Nacional do Índio (Funai), afirmou, na ação, que o STF já decidiu pela inadequação do mandado de segurança para análise de questões relacionadas ao acerto ou desacerto de demarcação administrativa de terra indígena. “Assim, a Constituição Federal assegura aos índios o direito originário às suas terras de ocupação tradicional e compete à União o dever de demarcá-las administrativamente.”, explicou a Funai.
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Foto: Carlos Penteado / Comissão Pró-Índio de São Paulo