31/10/2018
Medida seria votada nesta quarta-feira em comissão especial da Câmara, mas sessão foi adiada após impasse provocado por manifestantes
Foto: O presidente da comissão especial que analisa o projeto de lei da chamada Escola sem Partido (PL 7180/14), deputado Marcos Rogério (DEM-RO), anunciou o cancelamento da reunião em que estava prevista a votação da proposta, devido ao início da Ordem do Dia do Plenário da Câmara. Na foto, apoiadores e críticos do projeto batem boca Foto: Jorge William / Agência O Globo
O Brasil não poderá participar das decisões da 14ª Convenção da Diversidade Biológica (COP 14), que acontece no Egito entre os dias 17 e 29 de novembro. O motivo é que o Congresso Nacional não ratificou a adesão do país ao Protocolo de Nagoia, em vigor há quatro anos. A informação é do jornalista Murilo Ramos, da revista Época.
O Protocolo de Nagoya entrou em vigor em outubro de 2014, quando o texto foi ratificado por 51 países. Atualmente o Protocolo tem 82 ratificações. O Brasil assinou o Protocolo em 2 de fevereiro de 2011, mas até agora o Congresso não ratificou o documento.
O objetivo do Protocolo de Nagoya é a repartição justa e equitativa de benefícios advindos da utilização de recursos genéticos, contribuindo para a conservação e uso sustentável da biodiversidade. As comunidades detentoras de conhecimento tradicionais também são beneficiadas, pois deverão ser remuneradas por empresas que usufruírem desses conhecimentos.
A não ratificação do protocolo pelo Brasil prejudica enormemente as comunidades indígenas e quilombolas e só não foi alcançada em função das resistências da bancada ruralista no Congresso Nacional.
Para Salomão Ximenes, professor de Direito e Políticas Públicas da UFABC, que se posiciona contra o projeto, a mudança no texto vem como uma ameaça ao que considera uma medida inconstitucional por natureza. Ele afirma que as alterações que miram os planos educacionais e se fundamentam, segundo o texto, na restrição de propaganda político-partidária dentro de sala de aula, na verdade, se baseiam em precedentes morais e religiosos que promovem uma espécie de “censura prévia”.
— Essas mudanças de última hora representam uma outra estratégia: agora desejam ir mais fundo na concepção de educação. Este projeto mantém o cartaz (que deverá ser fixado nas salas de aula com os “deveres dos professores”) e insere um princípio de precedentes familiares e religiosos calcados principalmente no catolicismo. Assim, o projeto confronta o conceito de laicidade do ensino público e estabelece uma censura prévia ao proibir alguns assuntos, como sexualidade e gênero, além da possibilidade de o professor poder se posicionar politicamente, o que deve ser feito expondo os dois lados. A aprovação seria um retrocesso de 130 anos — afirma Ximenes.
Segundo o professor, na prática, o projeto de lei permite que a conduta de professores em sala seja questionada com maior frequência quando o assunto é posicionamento político. O problema, no entanto, é que a proibição prévia dessa atitude ataca o preceito constitucional da liberdade de cátedra, segundo o qual os docentes têm o direito de ensinar livremente, ainda de acordo com Ximenes.
Além disso, alunos, pais e outros professores estariam livres para questionar condutas com base em preceitos religiosos e morais que não representam a pluralidade de pensamentos que a Constituição garante, critica o professor.
— O artigo 206 da Constituição de 1988 deixa muito clara a liberdade que os professores têm em sala de aula, garantindo a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, além do “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”. Este projeto, proibindo que os professores possam expor sua posição política, está sendo inconstitucional, por isso acredito que a longo prazo essa proposta não passará — afirma.
Afirmando que o texto que iria para a votação ainda “não atendia a todas as expectativas” do grupo, ele classificou as recentes mudanças no projeto feitas pelo relator Flavinho (PSC-SP) como positivas, no entanto, e reafirmou o caráter constitucional da medida.
— Acho que seria conveniente colocar no texto os princípios constitucionais que são usados para basear a proposta. Na verdade, o projeto do Escola Sem Partido jamais precisaria existir, porque já está na Constituição sua principal proposta: nenhum professor pode usar a sala de aula para doutrinação e promoção de ideais político partidários — lembrou Nagib, dizendo que a perseguição a alunos com pontos de vista conservadores pode ser regra em algumas instituições de ensino.
Mais como um ideal do que um grupo com representantes únicos, o Escola Sem Partido tem diversas propostas ao redor do país, nos âmbitos municipal e estadual. Em março deste ano, o grupo Professores Contra o Escola Sem Partido organizou um mapa on-line com todas as medidas legais semelhantes nesse aspecto da educação — o levantamento apontava 124 ações municipais e 25 estaduais, além de uma federal.
As medidas normalmente falam em “doutrinação”, o que segundo Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco e especialista em Economia Social com foco em educação e desigualdade, é uma falácia.
— O diagnóstico do Escola Sem Partido é equivocado, assim como a medida que querem como “solução”. A escola é lugar da pluralidade de ideias, não exatamente de preferências. É uma visão reducionista achar que proibir certos conteúdos possa ser uma saída. Me parece, na verdade, que o próprio projeto é, ele próprio, um instrumento de doutrinação, ao invés de combate a ela — disse Henriques.
Pouco depois da sessão ser suspensa em Brasília, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) afirmou que a atitude foi tomada como estratégia dos partidos críticos ao projeto, uma vez que a comissão que analisa a medida foi “montada e tomada por deputados que são a favor da lei, que têm maioria”.
— Queremos que esse tema tenha mais tempo para discussão. As pessoas não sabem o que significa a tal escola sem partido — disse ele, que defende a discussão sobre identidade sexual nas escolas, um dos temas atacados por partidários do projeto.
Após um recurso apresentado por deputados contrários ao texto, mesmo que ele seja aprovado na comissão especial da Câmara, ainda poderá passar por apreciação no plenário da Casa, e só depois partir para o Senado.
Mesmo após as alterações no texto do projeto de lei, algumas perguntas ainda ficam em aberto. As principais seriam com relação ao cumprimento das regras, como quem fiscalizaria os professores, qual seria a punição aos que infringissem as regras e como saber o que é um conteúdo ideológico ou político-partidário.