14/08/2019
Fonte:https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/201ca-bomba-das-tres-e-meia-da-tarde201d-a-mineracao-de-ouro-em-paracatu“Reconhecemos que a empresa tem o direito de minerar, mas tem que reconhecer os danos. Ao mesmo tempo, se sair da cidade, vai ter um buraco social, econômico e ambiental. Nossa preocupação também é com as futuras gerações”, acrescenta Mundim da Costa.
Entre as denúncias de violações de direitos humanos por causa das atividades da mineração estão a expropriação e destruição de territórios quilombolas, criminalização dos garimpeiros artesanais, comprometimento das atividades produtivas tradicionais, impactos das explosões e ruídos sobre as condições das moradias, uso indiscriminado de água, destruição das nascentes, contaminação ambiental, riscos à saúde da população, sonegação e renúncia fiscal.
A Kinross do Brasil mandou ofício à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) informando que não compareceu à audiência porque os representantes da mineradora estariam em agendas oficiais.
O debate foi solicitado pelos deputados Rogério Correia (PT/MG), Leonardo Monteiro (PT/MG) e Padre João (PT/MG).
O medo diário
Para exploração da mina, a Kinross construiu duas barragens, a de Eustáquio e a de Santo Antônio. As duas estão localizadas próximas ao Rio São Francisco. Essa é outra preocupação das comunidades que vivem próximas da mina e abaixo das barragens.
Silvano Avelar, da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), alerta que “quando uma bomba estoura na mina de ouro é como se acendesse o pavio para romper as barragens. Só em dois locais próximos moram mais de 600 pessoas”. Avelar apresentou imagens das duas barragens e, segundo ele, estão em situação irregular de acordo com exemplos internacionais de contenção e são propícias ao rompimento por inundação ou erosão interna.
Depois do rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, Viviane Souza, do Movimento Todos em Defesa da Vida, diz que “nós que vivemos em regiões abaixo de barragens nos perguntamos qual será próxima a romper”. Viviane mora a menos de mil metros da barragem de Santo Antônio. “Não temos mais tranquilidade para viver e depois de 30 anos colocaram este ano sirenes nas nossas comunidades. Meus filhos não dormem mais sozinhos e quando saio para o trabalho deixo eles na casa da minha mãe. Se lá tem risco, que nos tirem de lá, não deixem o pior acontecer para depois indenizar meia dúzia de sobreviventes. As crianças estão abaladas e com medo de ir para escola”. Ela diz também que há pouco tempo foram colocadas placas para pontos de encontro e têm sido realizados vários simulados de evacuação da área. “Porque tantos agora? Nada disso vai funcionar para salvar nossas vidas”.
“A mina da Kinroos, em Paracatu, apresenta sérios riscos para a população. Não é só a questão do rompimento, mas, também, do material de rejeito que é altamente tóxico e provoca câncer. O arsênio, um metal pesado, usado no processo de mineração vem contaminado as águas do município e região e também contamina o ar. Chega de mortes e destruição do meio ambiente”, ressalta Padre João (PT/MG).
Poder econômico e conservadorismo do judiciário
Ana Murata Galeb, do Movimento dos Atingidos por Barragens, ressalta que a Kinross afirma que cumpre todos os aspectos legais e que, segundo ela, teria uma incidência muito grande no Poder Judiciário, não só pelo poder econômico, mas também pelo conservadorismo. “Ontem mesmo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais suspendeu os direitos concedidos como antecipação de tutela aos moradores que vivem próximo de barragens nas cidades de Macacos e Congonhas, como moradia digna e a situação de uma creche que tem apenas 8 segundos para salvamento. Precisam de planos da vida que não são só planos de sair correndo se a barragem estourar”.
“A própria mineradora fiscaliza as suas ações e isso está previsto na legislação atual. Queremos que a Comissão solicite os relatórios da revisão periódica das barragens de Paracatu e do plano de emergência para a a evacuação dos moradores, que a mineradora se recusa fornecer. E esses relatórios são assinados pelos mesmos das barragens de Brumadinho e Mariana, o que é mais preocupante”, alerta Udelton Espírito Santo, da Cáritas Regional de Minas Gerais.
Leonardo Monteiro (PT/MG) diz que “a situação é muito mais grave do que se pensa, porque a empresa responsável pela extração trabalha com produtos letais como arsênio. As bacias dos rios Paracatu e São Francisco podem ser comprometidas, é importante construir um encaminhamento com a comunidade em parceria com o Ministério Público”.
Em 2011, o Ministério Público Federal (MPF) fez um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a mineradora para reduzir as consequências ambientais com o descomissionamento das barragens e um depósito mensal de 1 milhão reais com esse propósito. “Também acompanhamos casos de homicídios, migração de traficantes para o garimpo a até caso de pai matando o filho por causa de ouro”, informa Nilo Alvim, promotor de justiça da Comarca de Paracatu . Ele relata que, há alguns anos, mais de 200 pessoas iam ao garimpo para pegar o chamado “rejeito”, que é o que sobra da extração. “Cerca de dez por cento do ouro é perdido porque não é retirado totalmente”.
A Kinross Gold Corporation é um grupo canadense que atua em mineração, beneficiamento e comercialização de ouro. Além do Brasil, também faz explorações no Chile, Estados Unidos, Canadá, Gana, Mauritânia e Rússia. A mina de Morro do Ouro tem vida útil esperada até 2032 e começou a ser explorada em 1987.
“Onde há sofrimento também há luta. Devemos fazer uma diligência ao Espírito Santo para encontrar com atingidos por várias barragens. É responsabilidade nossa cuidar desse tema com muita coragem. Todas as instituições devem estar mobilizadas par enfrentar esse problema”, observa Helder Salomão (PT/ES), presidente da CDHM.
Rogério Correia (PT/MG) diz que a ausência da Kinross na audiência é “uma demonstração de pouco apreço tanto ao Congresso como ao povo de Paracatu e do Brasil. As notas taquigráficas da audiência serão enviadas para a empresa e também vamos requerer os relatórios que não foram divulgados. Também pediremos uma audiência na embaixada do Canadá para apresentar todas essas questões”.
Pedro Calvi / CDHM