O Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES), a Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG) e a Associação Nacional Indigenista (ANAÍ), em apoio aos povos indígenas e à manutenção dos seus direitos socioambientais e dos seus territórios, bem como aos profissionais da área de arqueologia, antropologia e indigenistas, vêm a público repudiar com veemência a manifestação do empresário Luciano Hang, proprietário das lojas Havan, divulgada em vídeo nas redes sociais, relacionada à descoberta de vestígios arqueológicos, em localidade destinada à implantação de uma de suas lojas no município de Rio Grande, RS. A provável descoberta de sítio arqueológico no local, caracterizado por vestígios cerâmicos variados ali identificados por profissional, exige todo o cuidado, proteção e obviamente paralisação de qualquer ato que importe na mutilação e destruição do patrimônio cultural arqueológico, considerado crime contra o patrimônio e a memória nacional e punido conforme a legislação vigente. Por isto, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) suspendeu esta obra. Após alguns dias, o presidente Jair Bolsonaro, em uma entrevista a jornalistas, menciona para grande espanto do público, a frase: “cocozinho de índio”, ao se referir a empreendimento suspenso no estado do Paraná. Provavelmente, trata-se da construção de um Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP) que necessita, no caso, também do licenciamento ambiental por parte da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), por se tratar de localidade associada a antigo território tradicional indígena. O presidente disse o seguinte: “(…) O cara vai lá, se encontrar – já que está na moda – um cocozinho petrificado de um índio, já era. Não pode fazer mais nada ali. Tem que acabar com isso no Brasil.”
Repudiamos a maneira ofensiva e depreciativa que estes senhores se referem à memória nacional e aos sítios indígenas e arqueológicos, revelando comprometedor desconhecimento da legislação patrimonial e cultural. Lembramos que há no país uma preciosa e rara gama de vestígios dos povos tradicionais de ordem material e imaterial. O patrimônio arqueológico é bem comum de uso público de toda nação brasileira, sendo protegido explicitamente pela Constituição Federal, em seus artigos 215, 216 e pela Lei Federal 3924/61, além de normas infraconstitucionais estabelecidas pelo IPHAN. Lembramos ainda que o Brasil é signatário de inúmeras cartas e convenções internacionais editadas por organismos consagrados e respeitados no planeta, tais como, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU).
Desta forma, vimos afirmar que a conduta do princípio da precaução se aplica aos casos, uma vez que sítio arqueológico não é passível de restauração, se destruído estará perdido. Portanto, a paralização de obras que possam ocasionar tal perda é imperativa, visando o reordenamento e definição dos procedimentos técnicos e metodológicos cabíveis.
Não podemos permitir que estes depoimentos fiquem sem uma resposta e reação contundente da sociedade nacional e internacional organizada. Aberrações e injustiças diárias contra as nossas florestas, recursos hídricos, povos tradicionais, territórios culturais e memória nacional seguem de forma avassaladora… Até quando??!
Assinam esta Nota:
Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES);
Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG);
Associação Nacional Indigenista (ANAÍ).
Belo Horizonte, MG, e Salvador, BA, 23 de agosto de 2019.