16/04/2020
Ilustração de nativos com varíola, extraída da obra original: SAHAGÚN, Bernardino. “História General de las Cosas de Nueva Espana”, Códice Florentino (séc. XVI). Biblioteca Digital Mundial.
O fenômeno global do novo coronavírus, que causa a doença COVID-19, coloca em pauta a importância de se conhecer e de refletir sobre a história da imunologia dos diferentes povos e das armas biológicas no âmbito das relações neocoloniais e imperialistas em várias localidades do planeta.
A revista científica Science Advances divulgou, em 2016, importantes informações sobre o passado dos povos nativos americanos. Trata-se de resultados de pesquisa de um grupo de cientistas[2] do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, Alemanha, que analisou amostras de cabelo, dentes e ossos de 92 restos mortais humanos encontrados em distintos sítios arqueológicos da América do Sul. Estes sequenciaram o genoma mitocondrial, ou melhor, a parte do DNA que passa de mães para os filhos e o compararam ao de populações atuais da América do sul. Dentre outros resultados sobre seus modos de vida, foi indicado que parte expressiva de antigas populações indígenas teria sido aniquilada depois da chegada dos conquistadores espanhóis. Em entrevista ao jornal El Pais[3], o coautor do estudo Wolfgang Haak pondera o seguinte: “não determinamos qual porcentagem de população desapareceu, mas vimos que a conquista teve efeitos devastadores na população local já que, em alguns pontos da costa oeste da América do Sul, pelo menos metade desapareceu”.
Guerras de extermínio, arsenal bélico, expulsão de territórios tradicionais, violência e escravização, perpetradas pelos colonizadores europeus contra os povos nativos, além de desmatamento, queimadas, secas, desnutrição, fome, contaminação das águas, do solo e abatimento psicológico foram eventos que propiciaram parte da dizimação da população nativa. Todavia, doenças infecciosas, muitas delas trazidas voluntária e involuntariamente pelos invasores europeus, se alastraram neste cenário socioambiental de caos e conflitos, tendo sido também uma importante causa na dramática mortandade de indígenas na América no período colonial, como também em períodos seguintes. Outros especialistas[4] em arqueogenética da universidade alemã Tubingen, associados a pesquisadores mexicanos, concluíram que quando os espanhóis pisaram em 1519 no que é hoje o território do México e parte da Guatemala, havia na região mesoamericana pelo menos 15 a 30 milhões de autóctones, todavia, ao final do século XVI, a estimativa se aproxima de dois milhões. Visando entender melhor elementos relativos ao decréscimo populacional ameríndio e o processo de extermínio dos mesmos associados a pestes e a doenças – no âmbito da imunologia, pesquisadores focalizaram seus estudos no sítio arqueológico de Yucundaa-Teposcolula. Buscaram entender qual teria sido o agente patogênico denominado “cocoliztli” (o mal ou pestilência, na língua nativa), que propiciou a mortalidade em massa naquela população em consecutivos períodos ao longo do século XVI, segundo a história oral e crônicas espanholas da época. Consideraram este sítio arqueológico ideal para este tipo de abordagem, pois o seu contexto histórico oferecia um ambiente peculiar para a descoberta do desconhecido agente microbiano responsável pela dizimação de sua população, tendo em vista que os sobreviventes migraram para outras localidades, fugindo do que os assolava. Isso fez com que as praças, ruas e também o cemitério da antiga cidade fossem conservados devido ao total abandono. Os arqueólogos encontraram na área da escavação centenas de corpos sepultados, muitos deles em grupos empilhados, fora dos padrões tradicionais mortuários, insinuando que teriam sido enterrados às pressas. Identificaram nos dentes dos indígenas exumados a presença de uma bactéria, a Salmonella enterica, conhecida por causar febre entérica, como a febre tifóide. Inferiram que este teria sido, provavelmente, um importante vetor da catastrófica hecatombe humana na região (WAIZBORT, 2019).
Segundo Warren Dean (1996), de todas as armas transportadas nas embarcações dos europeus, nenhuma foi tão eficaz e funesta quanto os microparasitas disseminados sobre os povos nativos, considerando importante chave tal tema para se compreender o curso do imperialismo no Novo Mundo.
Segundo Coimbra Jr. et al (2007), seria incorreto afirmar que não existiam doenças no continente americano antes da invasão dos europeus. Por certo os nativos estavam expostos a muitos padecimentos e agravos, não obstante, houve a introdução de doenças potencialmente favorecedoras de epidemias e pestes, que tinham a capacidade de matar grandes contingentes populacionais em um curto período de tempo. Contrastando com as enfermidades consideradas autóctones, há evidências de que aquelas que ocasionaram elevados níveis de redução populacional com a morte de milhares de índios nos primeiros tempos de contato foram certamente introduzidas nas Américas a partir da colonização europeia, trazidas de outras partes do mundo. Os agentes patógenos, algumas vezes, passam despercebidos na análise dos processos de contato, colonização e seus desdobramentos históricos e socioambientais.
Muitos indígenas acreditavam inicialmente que as novas e desconhecidas enfermidades que os acometiam eram provenientes da punição de seres celestiais e naturais. Foram culpados de forma oportunista pelos colonizadores, pelos novos males que lhes grassavam, por serem politeístas ou pela dita “falta de alma”, por não serem pessoas cristãs. As misteriosas pestes foram muito bem exploradas no processo de colonização e de diáspora. As doenças do além-mar provaram ser excepcionalmente mortíferas a partir do intercâmbio de micro-organismos e também de diferentes animais que ali aportaram trazidos nas caravelas.
Segundo o historiador A. Crosby, autor da obra: “Imperialismo Ecológico – a expansão biológica da Europa”[5], as doenças foram trazidas por uma “biota portátil” pelos vorazes colonizadores, responsáveis por expulsar e desencadear a eliminação de parte da flora, fauna e habitantes nativos de distintas regiões, não só da América, mas de outras partes do mundo. Nesta mesma esteira, o ecólogo e linguista J. Diamond, autor das obras “Armas, Germes e Aço” (2009) e “Colapso” (2005), discute a importância de dar luz à incidência de pestes no continente americano, o que ajudaria a compreender um suposto padrão histórico de contato e de expansão de fronteiras sobre as populações nativas[6].
“A importância dos micróbios letais na história humana é bem ilustrada pelas conquistas europeias e o despovoamento do Novo Mundo. Muito mais ameríndios morreram abatidos pelos germes eurasianos do que pelas armas e espadas europeias nos campos de batalha. Esses germes minavam a resistência indígena matando grande parte dos índios e seus líderes e abalando o moral dos sobreviventes” (DIAMOND, 2009: 77).
Fundamental, em contraponto, para não cairmos em um determinismo imunológico em contextos tão complexos e heterogêneos, considerar, sobretudo, os agentes políticos, econômicos e sociais presentes no processo de dominação colonial e neocolonial, as distintas conjunturas e temporalidades, como bem ponderado por Calahan (2005) e Livi-Bacci (2003; 2007). Imprescindível ainda considerar que a ecologia nativa foi severamente impactada tendo em vista que os indígenas tiveram seus territórios invadidos, impossibilitando o acesso livre a certos ambientes e biomas, fundamental para a sua medicina tradicional, manejo, dieta alimentar, práticas sociais, culturais, místicas e cosmológicas.
Segundo os especialistas em paleopatologia[7], a doença mais devastadora na América pós-desembarque dos europeus foi a varíola ou o “mal das bexigas”, mas houve outras imolações mortíferas tais como o sarampo, tifo, peste bubônica, febre amarela, rubéola, catapora, malária, pneumonia e gripes. As epidemias tiveram efeitos muito diferentes em distintas partes das Américas, e muitas vezes acometiam variadas comunidades nativas ou tradicionais em uma mesma ocasião. Não é o caso de ‘uma’ epidemia que chega ao território de uma população imunologicamente virgem, mas de populações expostas a muitos patógenos diferentes, às vezes, simultaneamente (WAIZBORT, 2019:931).
A médica brasileira C. Gurgel (2009) em sua tese de doutorado abordou a história das doenças contagiosas, dentre elas, a varíola (Mereba-ayba, na língua Tupi) no contexto do processo de colonização e os decorrentes colapsos populacionais das comunidades nativas no Brasil.
“A varíola, provavelmente originária da Índia, chegou à Europa durante a Idade Média trazida pelos sarracenos, deixando um rastro de morte por onde passasse. Era uma velha inimiga na Ásia e África, cujas populações desde tempos imemoriais invocavam divindades protetoras como Sitala Mata (Índia), Ma-Chen e Pan-Chem (China) e Sopona (África – yorubás); no Brasil foi introduzido com os nomes de Omulu e Obaluaê), mas a moléstia era totalmente desconhecida nas Américas” (GURGEL, 2009: 123).
Gurgel (2009) destaca em sua pesquisa um importante registro etnográfico de uma epidemia de gripe no Brasil, possivelmente suína, vinda com as embarcações europeias que teria ocorrido no ano de 1554 na capitania de São Vicente, sendo que seus efeitos foram testemunhados e descritos pelo aventureiro e mercenário alemão Hans Staden na obra “Duas Viagens ao Brasil”, em 1557. Na ocasião, enquanto prisioneiro de uma tribo tupinambá, ele notou o adoecimento e a morte de famílias indígenas inteiras, sem que ele mesmo sequer adoecesse; quando relatou como o Deus cristão ganhou força e fama diante do desespero indígena, tanto entre os nativos quanto entre os colonos.
As reduções, as missões e os aldeamentos aglomeravam os indígenas, os expondo ainda mais ao fatal contágio de várias doenças, antigas e novas. A mais temida, a varíola podia manifestar-se sob uma forma fulminante, a “púrpura variolosa”, cuja vítima era rapidamente levada à morte sem que houvesse tempo para a erupção de lesões e pústulas – tendo matado milhares de nativos. No Brasil, as epidemias variólicas seguiram seu curso ao longo dos séculos, em sucessivos surtos e irromperam em diferentes regiões, todos iniciados a partir de portos, polos comerciais e econômicos da colônia e do império (GURGEL, 2009).
O naturalista A. Saint-Hilaire (2002) relata em uma de suas viagens à região sul do Brasil imperial, em 1821, o abandono e o desamparo, certamente proposital e programado por parte dos administradores locais, dos enfermos indígenas nas missões, pois a varíola vinha sempre em nocivas ondas, sendo um grande flagelo na mesma.
“Desde o tempo dos jesuítas, ela vem de três em três anos, arrebatando vidas. Sabe-se que essa moléstia, em geral, poupa menos os índios que os homens doutras raças. […] O Marechal Chagas jamais procurou introduzi-la (vacina) entre os índios das Missões e mesmo após haver testemunhado o mal causado pela varíola não se preocupou em antecipar-se contra o retorno do flagelo” (SAINT-HILAIRE, 2002: 366).
Alguns colonos acharam na manipulação e disseminação de doenças um meio propício e eficaz para combaterem os índios que resistiam às investidas e às invasões de seus territórios, impedindo o domínio colonial e a submissão de seu povo e de seus aldeamentos. Deixavam perto das aldeias ou em seus caminhos tradicionais mudas de vestes, alimentos e objetos contaminados de pestes visando o padecimento de seus membros – tratava-se de uma mortífera arma biológica.
“Cientes que roupas de variólicos podiam transmitir o mal, os colonizadores propositadamente deixavam-nas próximo às aldeias cuja população queriam destruir. Deram origem a uma arma biológica das Américas e estas práticas nefastas, longe de serem exceções, perpetuaram-se nos séculos seguintes. Em 1799, um ofício do ouvidor de Ilhéus, Balthazar da Silva Lisboa, informava das doações destas vestimentas e suas fatais consequências aos índios” (GURGEL, 2009).
No início do século XIX, o médico e botânico Von Martius (1939) advertiu sobre peças do vestuário “inficionadas” ou infectadas propositalmente, deixadas por imigrantes europeus, colonos e portugueses nas matas e proximidades de aldeias e ranchos como forma “maliciosa” de revide por conta dos ataques dos índios – considerados obstáculos para a dita civilização. As pestes invertiam, muitas vezes, o resultado de muitas batalhas e combates cuja vitória nativa parecia de antemão certa (ALMEIDA & NOTZOLD, 2010: 3).
Já na porção norte do Brasil, no Maranhão, em 1815, há relatos que índios Canelas Finas foram atraídos pelas autoridades locais com o único intuito de lhes presentear com brindes e roupas previamente contaminadas por doenças e pragas (GOMES, 1988).
No século XX, há também denúncias da utilização de disseminação de agentes etiológicos contra diversas tribos indígenas mato-grossenses que habitavam áreas de extração de borracha, entre os anos 1957 e 1963, bem como de inseminação programada de tuberculose em aldeias do Norte da Bacia Amazônica, entre 1964 e 1965, já na ditadura empresarial-civil-militar (DAVIS, 1978). Poderia ser aqui listada uma série de situações de contágios propositais de povos indígenas, mas ainda cabe alertar sobre a incidência devastadora de atividades de mineração, desmatamento e implantação de projetos de desenvolvimento em territórios ou próximos a estes que são particularmente preocupantes, pois deixa a população indígena mais vulnerável. Nesses contextos, elevadas taxas de morbidade e mortalidade por causa de inúmeros tipos de doenças infecciosas, dentre elas a malária, têm sido observadas por agentes da área de saúde. Outro agravante ambiental com consequências dramáticas para a saúde indígena e de povos tradicionais decorre da contaminação pelo mercúrio utilizado em garimpos de ouro.
O caso dos Yanomami, em Roraima, ocorrido nos decênios 80 e 90 do século XX, segundo Coimbra Jr., especialista em antropologia médica, é ilustrativo de uma epidemia de malária causada pela invasão de garimpeiros, e consequente de degradação ambiental no território indígena, favorecendo a transmissão de malária e parasitas resistentes aos quimioterápicos usuais, levando muitos indígenas a óbito. Ainda alerta sobre a precariedade das condições de saneamento de muitas aldeias indígenas, pois raramente os postos indígenas, onde convivem funcionários administrativos, agentes de saúde, escolares e visitantes, dispõem de infraestrutura sanitária adequada. Tal cenário também apresenta condições favoráveis à transmissão de helmintos e protozoários intestinais que propiciam a contaminação da água de consumo e dos alimentos por enterobactérias e rotavírus (COIMBRA Jr. et. al., 2007). Atualmente, há denúncias que haja, somente nas terras dos Yanomami, aproximadamente 30 mil garimpeiros invasores.
No que se refere ao COVID-19, esta modalidade do novo coronavírus é certamente mais um grande risco infeccioso, mas como exposto, os povos indígenas são ameaçados constantemente por vírus, bactérias e outras tipos de enfermidades ao longo de sua história, e na grande maioria dos casos, com a conivência, negligência e interesse dos próprios governantes.
É de conhecimento público que o atual presidente do Brasil é declaradamente contrário aos povos indígenas e tradicionais por meio de repetidos pronunciamentos que afrontam os seus direitos. Direitos previstos não somente na Constituição Brasileira de 1988, como também na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007, e na Convenção sobre os Povos Indígenas e Tribais, de 1989, Organização Internacional do Trabalho (OIT) da ONU.
O desaparelhamento que se arraigou em 2019 da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), da Agência Nacional de Mineração (ANM) e a redução dos controles por parte da polícia federal e do exército, permitiram o aumento de garimpos ilegais, grilagem de terras e exploração ilegal de madeira na região amazônica, sendo que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) aponta que as áreas desmatadas praticamente dobraram na Amazônia, saltando de 2.649 quilômetros quadrados, para 5.076 quilômetros quadrados.
A saída inaceitável dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos gerou, em 2019, uma deficiência ainda maior no atendimento aos indígenas, tendo em vista que parte dos profissionais atuava em comunidades indígenas, o que já teria causado o aumento em 12% da mortalidade de crianças, associada ao desmonte dos programas de saúde indígena, tendo ainda aumentado a dificuldade de acesso à medicação e exames, em geral. Importante reiterar que as doenças do aparelho respiratório ainda continuam sendo a principal causa de mortalidade infantil na população indígena, acendendo um sinal vermelho com relação ao COVID-19. As comunidades indígenas, tanto na Amazônia como no restante do país, contam basicamente com o trabalho incessante de suas lideranças, de entidades indigenistas e ambientalistas, bem como, de alguns profissionais de saúde comprometidos em travar esta guerra contra mais esse inimigo invisível, entretanto, faltam equipamentos de proteção individual (EPIs), vacinas contra a gripe H1N1 e material para testagem do novo coronavírus em pessoas que apresentam sintomas de contaminação.
Mais uma prova cabal deste quadro alarmante de desmantelamento programático da política indigenista foi a publicação da Portaria nº 419/PRES, de 17 de março de 2020, que estabelece medidas temporárias de prevenção à infecção e à propagação do novo coronavírus (COVID-19) no âmbito da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Chamou a atenção de indígenas e indigenistas, artigo que trata especialmente sobre as comunidades isoladas, certamente as mais vulneráveis nesta situação de pandemia. O artigo 4º suspende todas as atividades que “impliquem em contato com comunidades indígenas isoladas”. Porém, o parágrafo único abre uma exceção: “caso a atividade seja essencial à sobrevivência do grupo isolado, deve ser autorizada pela CR por ato justificado”. Em reação a esta portaria foi divulgada uma nota[8] de repúdio pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), de 19 de março de 2020, onde se destaca o seguinte trecho:
“Sob o governo de Jair Bolsonaro, a atuação da FUNAI tem destoado totalmente da sua missão, na contramão do que é seu papel institucional como órgão indigenista, voltando-se, contraditória e criminosamente, aos interesses anti-indígenas do agronegócio, do capital predador e do fundamentalismo religioso. Distancia-se, assim, dos interesses e da proteção das populações indígenas, de suas aspirações e de seus direitos, conquistados com muita luta e muito sangue derramado. Nesse período de profunda crise de saúde pública, não podemos permitir que outros interesses sejam facilitados para adentrar os territórios, colocando em risco de vida toda a população indígena. Portanto, nos somamos a outras instituições na recomendação e exigência da retirada de toda e qualquer possibilidade de entrada nos territórios dos povos isolados e de contato com essas populações (…)”.
Frente a este cenário de necropolítica, as entidades e associações dos povos indígenas estão se mobilizando como podem no sentido de proteger e informar as comunidades indígenas e suas aldeias, visando seguir as orientações de isolamento físico e de quarentena dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A principal reivindicação é a formação de um comitê específico participativo de crise interinstitucional para a proteção das vidas dos indígenas, sob direção do Ministério Público Federal (MPF). A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)[9], inclusive, informou o adiamento presencial do Acampamento Terra Livre (ATL) de 2020, em Brasília, que ocorreria dentro da programação do Abril Indígena, importante evento de mobilização e articulação política panindígena realizada no Brasil há quinze anos, que costuma reunir milhares de lideranças e indígenas de distintas regiões do país, como também do exterior. Está sendo proposto em substituição, o virtual “Abril Vermelho”, mobilização em rede dos povos e entidades comprometidas com a pauta e luta indígena. Foi ainda criada pela ONG Instituto Socioambiental (ISA) uma plataforma[10] de monitoramento e de consulta a respeito da situação indígena junto à pandemia do COVID-19 no Brasil. Tais informações e dados vêm sendo divulgados com base nos boletins emitidos pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI-MS).
Recentemente, as lideranças e “guardiões” indígenas vêm se empenhando heroicamente em várias localidades do país em realizar um plano de contenção e de barreiras visando monitorar o isolamento das aldeias e expulsar os invasores de seus territórios, impedindo o avanço de atividades clandestinas e da degradação ambiental, o que vem agravando ainda mais os conflitos, violência, falta de suprimentos e insumos, fome, morte e diversos tipos de contaminação.[11]
Referências
ALMEIDA, C. & NÖTZOLD, A. O Impacto da Colonização e Imigração no Brasil Meridional: contágios, doenças e ecologia humana dos povos indígenas. Tempos Acadêmicos, [S.l.], n. 6, dez. 2010.
BLACK, Francis L. Infecção, mortalidade e populações indígenas: homogeneidade biológica como possível razão para tantas mortes. In: SANTOS, Ricardo V.; COIMBRA JR., Carlos E. A. (Orgs.) Saúde & povos indígenas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994. p. 63 – 87.
CALAHAN, Gene. The Diamond fallacy. Mises Institute, Alabama, p. 1-9, Mar., 2005.
COIMBRA JR., C. E. A., SANTOS, R. V., and CARDOSO, A. M. Processo saúde–doença. In: BARROS, D. C., SILVA, D. O., and GUGELMIN, S. Â., (Orgs.) Vigilância alimentar e nutricional para a saúde Indígena. Vol. 1. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2007, pp. 47-74.
CROSBY, Alfred W. Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa, 900-1900. Tradução: José A. Ribeiro, Carlos A. Malferrari. São Paulo: Companhia da Letras, 2011.
DAVIS, S. Vítimas do Milagre. O desenvolvimento e os índios no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1978
DEAN, Warren. A ferro e fogo. A história e a devastação da mata atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
DIAMOND, Jared. Armas, Germes e Aço. Tradução de Silvia de Souza Costa, Cynthia Cortes e Paulo Soares. Rio de Janeiro: Record, 2009.
DIAMOND, Jared. Colapso- como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Rio de Janeiro: Record, 2013.
Fehren-Schmitz L, Haak W. et al. Mudanças climáticas estão subjacentes às transições demográficas, genéticas e culturais globais. Sul pré-colombiano do Peru. PNAS 111: 9443-9448, 2014.
GOMES, Mércio P. Os Índios e o Brasil: ensaio sobre um holocausto e sobre uma nova possibilidade de convivência. Petrópolis: Vozes, 1988.
GURGEL, Cristina B. Índios, Jesuítas e Bandeirantes – Medicinas e Doenças no Brasil dos séculos XVI e XVII. (Tese de Doutorado) Fac. de Medicina da Univ. Estadual de Campinas. Campinas, 2009.
LLAMAS, B. et al. Ancient mitochondrial DNA provides high-resolution time scale of the peopling of the Americas. Sci. Adv. 2, e1501385, 2016.
LIVI-BACCI, Massimo. Las múltiples causas de la catástrofe: consideraciones teóricas y empíricas. Revista de Indias, Madrid, v. 63, n. 227, p. 31-48, 2003.
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WAIZBORT, Ricardo. O debate inesgotável: causas sociais e biológicas do colapso demográfico de populações ameríndias no século XVI. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 14, n. 3, p. 921-941, set.-dez., 2019.
Sites Consultados
[1] Doutora em Arqueologia pelo MAE/USP; Pós-Doutorado Arqueologia e Antropologia-FAFICH/UFMG; Mestre em Educação pela FAE/UFMG; Historiadora e Membro da ONG CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – www.cedefes.org.br – : e-mail: alenicebaeta@yahoo.com.br
[2] LLAMAS, B. et al. (2016)
[3] https://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/31/ciencia/1459446271_454060.html
[4] VAGENE, A. et al. (2018).
[5] CROSBY, A. W. (2011).
[6] Argumenta, como exemplo, que a vitória do explorador espanhol F. Pizarro em Cajamarca em 1532 sobre os Povos Incas teria sido também precipitada por uma epidemia de varíola e desunião de suas lideranças, quando foram mortos somente em uma batalha pelo menos cinco mil guerreiros incas (DIAMOND, 2009: 77).
[7] Ramo da Ciência que estuda as doenças pré-coloniais e ancestrais por meio de ossos, múmias e vestígios arqueológicos.
[8] https://cimi.org.br/2020/03/nota-repudio-portaria-funai-possibilita-contato-povos-indigenas-isolados/
[9] A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil é uma associação nacional de entidades que representam os povos indígenas do Brasil.
[10] https://covid19.socioambiental.org/
[11] Gratidão a Gilvander Luís Moreira (graduado em Filosofia e Teologia, mestre em Ciências Bíblicas e Doutor em Educação pela UFMG), que fez a revisão deste texto.