14/04/2020
O avanço do novo coronavírus no país aumenta o medo de dizimação dos povos indígenas, historicamente mais vulneráveis às doenças causadas por vírus e bactérias. Nas aldeias, o temor é que a presença de garimpeiros e mineradores dissemine a covid-19 nos territórios invadidos. Já nos centros urbanos, a impossibilidade de viver do artesanato, de onde vêm a principal fonte de renda dos indígenas, aumenta a vulnerabilidade dessa população, porque boa parte não faz parte do cadastro único federal e ainda não está, portanto, contemplada pelos programas anunciados pelo Governo Federal.
O infectologista e professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Unaí Tupinambás, explica que, de um modo geral, as populações indígenas são mais vulneráveis ao novo coronavírus.
Nas aldeias, no entanto, a fragilidade natural às doenças respiratórias se soma à falta de segurança. “Nossos parentes enfrentam a falta de segurança alimentar causada pelo desmatamento e invasões, assim como os avanços de pistoleiros em terras indígenas, que se aproveitam desse período de isolamento”, denuncia a socióloga e líder indígena, Avelin Buniacá.
Residente em Belo Horizonte, Avelin conta que nas cidades a situação também é de insegurança. “Os que estão na cidade não conseguem gerar a sua renda e ficam sem condições de se alimentarem e sem saber quando o auxílio emergencial do governo irá chegar, pois alguns não têm CPF e outros apenas RG”, diz.
De acordo com ela, a prefeitura precisou ser acionada para acesso aos bancos de alimentos e cestas básicas. “Mas os parentes precisam ir à rua para buscar, expondo-se a uma situação de vulnerabilidade”, relata.
Procurada pela reportagem, a prefeitura informou, por meio de nota que, a partir desta semana, os grupos indígenas poderão fazer retirada de cestas básicas no supermercado mais próximo do endereço informado.
Atualmente, o país tem quase 900 mil indígenas. Segundo último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 49% do total moram em centros urbanos. De acordo com boletim do Ministério da Saúde, pelo menos seis casos de indígenas contaminados foram registrados em áreas rurais. Outros 24 casos suspeitos são investigados.
No último 9 de abril, foi registrada a morte do primeiro indígena yanomani infectado, de 15 anos, em Roraima, região invadida por garimpeiros.
A professora da Escola de Enfermagem da UFMG, Érica Dumont Pena, que é especialista em saúde dos povos indígenas, conta que as populações que vivem nas aldeias têm tomado medidas preventivas contra o coronavírus, como o isolamento social. Segundo ela, várias aldeias estão fechadas, impedindo a circulação de povos indígenas.
Para que o novo coronavírus não se propague nas aldeias, muitos povos têm feito o exercício de traduzir as informações do coronavírus para a língua materna e cultura local. “A comunidade indígena está muito aberta e disposta a atuar na direção de combate ao vírus”, frisa a professora.
Porém, a maior vulnerabilidade está nas políticas públicas. “Várias comunidades não contam com uma equipe completa de saúde. O Mais Médicos era muito importante para as comunidades de modo geral, mas hoje não existe mais, foram retirados vários médicos. Além disso, alguns povos estão muitos distantes de um centro de unidade de terapia intensiva”, relata Érica Dumont Pena.
Por isso, a presença ilegal de mineradores e madeireiros em áreas indígenas, que podem levar o coronavírus, se torna uma ameaça ainda maior. A preocupação é também de uma dizimação dos saberes tradicionais, que se origina dos mais velhos, guardiões dos saberes e que estão no principal grupo de risco para a doença.
No entanto, Érica afirma que esforços estão sendo feitos no sentido de reduzir esses impactos na saúde. “Hoje a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) é importante parceira do SUS e tem feito esforços para articular e pensar nas demandas em saúde para que possa conter ao máximo a entrada do vírus nas aldeias”, avalia.
Diante tantos medos e perigos iminentes, Avelin Buniacá recorre aos saberes indígenas para se manter na defesa de seus povos. “Temos nos apegado muito a nossa força ancestral, a nossa força encantada e espiritual, que nos mantêm focados para não desistirmos e não adoecermos”.
Avelin está à frente de campanha para arrecadação de alimentos e produtos de higiene e limpeza para ajudar as famílias indígenas de Belo Horizonte. As doações podem ser enviadas para: rua dos Carijós, 980, apartamento 209 – Centro de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), o órgão tem se articulando, junto a outros setores do governo, para distribuição de cestas básicas a indígenas de diferentes regiões do país. A estimativa é que cerca de 300 mil cestas de alimentos sejam distribuídas na jurisdição das 39 Coordenações Regionais da Funai, cobrindo todo o território nacional.
Na última segunda-feira, 13 de abril, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, afirmou durante coletiva no Palácio do Planalto, que o governo, dentre outras medidas, destinará 4,7 bilhões de reais em doações de proteção aos povos tradicionais, como ciganos, indígenas e quilombolas.
Desse total, 23 milhões de reais serão investidos em ações de prevenção e atendimento à saúde e 3,2 bilhões de reais serão para a transferência de renda de 600 reais para famílias de povos tradicionais inscritas no Bolsa Família.
Para a professora Érica Dumont Pena, é preciso pensar na logística desses auxílios. “Ainda é uma dúvida sobre como esses repasses serão feitos para que os indígenas não precisam se descolar e expor ao vírus”, diz.
Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que são hoje 119 indígenas registrados em situação de vulnerabilidade alimentar no município, de diversas etnias, que compõem 38 grupos familiares. De acordo com a administração municipal, essas pessoas têm recebido apoio do Banco de Alimentos, já tendo recebido mais de uma tonelada de alimentos até o momento.