No 22 de maio de 2020, foi publicado no Diário Oficial da União (DOU), o Decreto nº 10.370. O decreto envolve a qualificação de usina a ser implantada no Rio São Francisco – Usina Hidrelétrica Formoso – na região que compreende os municípios de Pirapora e Buritizeiro. O documento ainda recomenda apoio ao licenciamento ambiental por parte dos órgãos e secretarias competentes do governo estadual e dá outras medidas necessárias à sua viabilização.
A população da região, ativistas ambientais, movimentos e entidades foram pegos de surpresa, pois além de não ter sido realizada consulta pública, o projeto não prevê que esta é uma área que necessita de preservação e proteção. Além de significar mais uma barragem contendo as águas do Rio São Francisco que pode agravar a situação de falta de água na região.
Pirapora e Buritizeiro ficam consideravelmente próximas à hidrelétrica de Três Marias, uma grande barragem, que já represa parte das águas que vêm da cabeceira do Rio da Integração Nacional e de seus afluentes. Esta construção, por sua vez, influencia constantemente nos níveis de água.
“Velho Chico Vivo”
Diante da preocupação com uma nova hidrelétrica, houve a criação de um movimento unificado, com a participação daqueles que se preocupam com os impactos que tal obra pode causar na cultura, na economia e no meio ambiente. O movimento “Velho Chico Vivo” ganhou forças e entre seus adeptos estão artistas, jornalistas, pescadores/as, professoras/es, advogadas/os, ribeirinhos/as, estudantes, pesquisadores/as, ativistas da causa ambiental e movimentos organizados, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O movimento, coletivo e horizontal, tem se organizado em três principais frentes: produção de mídia e conteúdo, artística e técnico-jurídica. Sua proposta é fomentar diversas atuações político-institucionais a fim de lutar contra a construção da usina, que impactaria diretamente as comunidades tradicionais que vivem na região, como povos indígenas, comunidades ribeirinhas e pequenos produtores rurais.
A ação coletiva já conseguiu somar esforços, inclusive com a realização de Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, onde foi discutido os impactos de empreendimentos como esses na vida da população. A audiência foi solicitada pela presidente da Comissão, a deputada estadual Leninha (PT – MG).
De acordo com a parlamentar, “a construção da Barragem de Formoso tem causado uma enorme apreensão em centenas de ribeirinhos e quilombolas. O povo foi surpreendido com o acordo que envolve a Construtora Quebec e o governo federal. Publicaram o decreto em meio a uma pandemia e não só qualificando o projeto como, também, recomendando aos órgãos estaduais apoio ao licenciamento ambiental”, afirma a parlamentar, que conclui: “Um absurdo! A Usina de Formoso é parte da ‘boiada’ que o ministro do Meio Ambiente deseja passar enquanto à atenção da imprensa e da população está voltada para a Covid-19″, finaliza.
Para o produtor musical e membro do Movimento Velho Chico Vivo Pedro Melo (Surubim de Bigode), os riscos são imensos e de vários âmbitos. Ele destaca que os impactos não se estendem apenas aos cinco municípios mencionados pela empresa no cadastro do empreendimento, mas a toda a Bacia Hidrográfica, sobretudo no trecho entre as Hidrelétricas de Três Marias e Sobradinho (BA) e às cidades de Pirapora e Buritizeiro. “Muitos desses riscos, inclusive, já foram apontados pela empresa no Cadastro do empreendimento junto ao Ibama, ou seja, a empresa já sabe que haverá problemas”, relata Pedro, que explica: “É importante mencionar que a instalação da UHE – Formoso prejudicará todo o ecossistema da região. Pirapora, que já sofre com a ausência de peixes como o pocomã e o surubim, pode se preparar para não ver certas espécies nunca mais. Como muitos deles usam os rios e lagoas marginais para se reproduzirem, mais um barramento no rio impactaria seu ciclo reprodutivo, causando extinção”.
Pedro lembra que a área onde a barragem será construída é de suma importância para o Cerrado norte mineiro, com suas veredas e mata virgem. “O professor Ivo das Chagas já dizia que o Cerrado é o Pai das Águas. Um empreendimento desses afetará os ciclos de vida do Cerrado, influenciando no regime de chuvas e cheias do rio, impactando, inclusive, lençóis freáticos”, detalha.
O pífio desenvolvimento da região
Tão logo houve a publicação do decreto no Diário Oficial da União, ecoou, despreocupadamente, pelas ondas sonoras do rádio, a informação de que o empreendimento traria desenvolvimento para a localidade. Mas a informação não levou em consideração os prejuízos ambientais, que para uma região que vive do turismo e da água do Rio São Francisco, o desenvolvimento irrisório.
Surubim de Bigode, o produtor Pedro Braga, chama atenção para o campo econômico. “Haverá empobrecimento de comunidades e famílias que dependem da pesca como sustento. Já é clara a escassez de peixes no rio devido à poluição existente, assoreamento e pesca irregular predatória. Esse empreendimento empurraria famílias para a pobreza. Há ainda comunidades de vazanteiros, uma cultura secular de cultivo nas beiras do rio, que vão sofrer muito com a mudança dos regimes de cheia e seca do São Francisco”, exemplifica.
“É importante falar que empreendimentos como esse trazem a promessa de desenvolvimento. Mas isso é uma mentira, pois esses empreendimentos, apesar de utilizarem mão de obra local, empregam pessoas somente durante a obra. Após a ‘possível instalação’, várias pessoas perderão seus empregos e voltarão para a pobreza”, alerta Pedro, que ressalta: “Os projetos não são sustentáveis. E ainda mais: os salários mais caros são pagos à mão de obra que vem de fora, não será de Pirapora e Buritizeiro”.
Alerta para os impactos econômicos também faz o deputado federal Padre João (PT – MG), que não vê razões para esta construção. Ele pedirá explicações ao governo acerca do projeto e dos impactos ambientais ao rio e a população. “Querem construir mais uma barragem no Velho Chico. A iniciativa não leva em conta a opinião do povo, pois não houve consulta pública. Não respeitam a cultura e a tradição local; os povos ribeirinhos e tradicionais que vivem ao longo das margens do São Francisco”, denuncia o parlamentar.
Padre João lembra que, de acordo com o levantamento feito pela Cemig, a radiação média das regiões mineiras varia entre 5,5 e 6,5 kWh/m2 (Kilowatts/hora por metro quadrado), enquanto a radiação solar na Alemanha é de 3 kWh/m2.
“O mesmo estudo técnico aponta que Pirapora está entre as seis microrregiões de Minas com maiores potenciais de geração de energia solar e é neste tipo de investimento que temos que apostar nossas fichas”, defende o parlamentar, que ainda questiona: “Barragem pra quê? Pra quem? O Brasil precisa parar de intervir na natureza e aproveitar tudo que ela tem para nos oferecer sem que ela seja agredida. Precisamos cuidar da Nossa Mãe Terra, Nossa Casa Comum”, finaliza.
Edição: Joana Tavares