Aldeia dos Pataxó foi atingida por rompimento da barragem da Vale
Arquivo pessoal
Atingidos pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, indígenas do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe deixaram sua aldeia e se mudaram para a capital mineira. Agora, instalados na Vila Maria, na região Nordeste da capital mineira, a mais de 50 km de distância de suas terras, enfrentam a pandemia de covid-19.
O cacique Hayó testou positivo para a covid-19, assim como sua esposa, Ãgohó, liderança indígena Pataxó. Os demais integrantes das 13 famílias forçadas a se mudar para a cidade grande serão testados a partir desta sexta-feira (10).
Segundo Ãgohó, o objetivo de viver em Belo Horizonte era pressionar a Vale e o Poder Público a viabilizarem a reparação aos povos indígenas atingidos pelo desastre que matou 270 pessoas e 25 de janeiro de 2019.
— [Nos mudamos] Por motivos de saúde, por não aguentarmos viver na aldeia com o descaso da empresa criminosa. Somos 22 famílias que se retiraram de lá pode não estamos mais aguentando ficar sem a nossa cultura, sem poder fazer nossos rituais, sem poder pescar e viver do que a gente sempre viveu, que é a nossa terra.
Das 22 famílias Pataxó Hã-Hã-Hãe que viviam na aldeia Naô Xohã, em São Joaquim de Bicas, município vizinho a Brumadinho, 13 foram para Belo Horizonte, três para Ibirité, na região metropolitana e o restante teve que ir para casa de parentes na Bahia, como conta Ãgohó.
Segundo a liderança, até o momento a Vale só pagou o auxílio, no valor de um salário mínimo, e que só vai até outubro. Após essa data, os indígenas não sabem como se sustentarão.
A Vale diz estar adotando uma “série de ajudas aos índios pataxós e pataxós Hã-Hã-Hãe da aldeia Naô-Xohã, bem como aos membros da aldeia que vivem atualmente na Região Metropolitana de Belo Horizonte”.
Dentre as medidas listadas pela Vale, além do pagamento emergencial, estão um plano de contingência contra a pandemia, que inclui vídeos com orientações de combate à covid-19, atendimento psicológico remoto, monitoramento diário dos sintomas por meio de contatos telefônicos. (Confira a nota, na íntegra, no final do texto)
Treze famílias Pataxó estão vivendo em vila de Belo Horizonte
Arquivo pessoal
Agora, longe de sua terra, que ficava às margens do rio Paraopeba, atingido pela lama da barragem da Vale, os Pataxó Hã-Hã-Hãe enfrentam a covid-19.
Denúncia
E não são só as 13 famílias Pataxó, que estão vivendo na Vila Maria, as afetadas pela pandemia em Belo Horizonte. A situação chamou a atenção do Comitê Mineiro de Apoio à Causa Indígena, que denunciou a autoridades sanitárias de Belo Horizonte e Minas Gerais a falta de apoio a indígenas em plena pandemia de covid-19.
De acordo com um ofício enviado às autoridades, os casos da doença causada pelo novo coronavírus têm se espalhado também entre os indígenas.
Veja mais: Minas registra primeiro caso de covid-19 em aldeia indígena
Em Belo Horizonte, de acordo com um representante da Funai (Fundação Nacional do Índio) na capital mineira, há seis indígenas confirmados com covid-19. Mas o número pode ser bem maior.
Em Belo Horizonte, a situação mais grave seria a de um ancião indígena de 92 anos, Gervásio Alves de Souza, que está internado na Santa Casa de Belo Horizonte, unidade de saúde em que os leitos de UTI já se esgotaram.
O indígena teria sido internado no dia 1º de julho. A filha dele também chegou a ser internada no hospital filantrópico, mas teve alta na noite desta quarta-feira (8).
“Os responsáveis diretos pela Santa Casa têm tratado o mesmo que tem absoluta prioridade absoluta do ponto de vista legal, como uma pessoa igual a qualquer um, o que contestamos pois, além de idoso é uma pessoa indígena e necessita de um olhar e de cuidados diferenciados que respeite suas especificidades”, diz o documento.
A reportagem entrou em contato com a Santa Casa de Belo Horizonte e aguarda um posicionamento sobre a situação do indígena. Segundo uma fonte, a situação dele teria melhorado nos últimos dias e há expectativa de que Gervásio receba alta ainda hoje.
A deputada estadual Ana Paula Siqueira (Rede), uma das coordenadoras da Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas, Quilombolas e Demais Comunidades Tradicionais, lembra que Minas Gerais tem uma grande população indígena, sendo cerca de 20 mil.
A parlamentar avalia que a proximidade do pico da doença no Estado e o veto ao plano emergencial para os povos indígenas, coloca essa população em situação ainda mais vulnerável. Ela observa que Minas Gerais tem uma parcela importante da população indígena nacional.
— Dentre os pontos vetados estão o acesso universal à água potável, a distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza, a oferta emergencial de leitos hospitalares e de UTI para os indígenas e a aquisição de ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea
Covid-19 e os indígenas
De acordo com monitoramento da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), 455 indígenas já morreram em todo o território nacional. O total de casos registrados já chega a 9.192.
Ainda de acordo com o levantamento, nenhum indígena faleceu no DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Minas Gerais e Espírito Santo. Foram confirmados 45 casos até o momento. O local mais atingido até o momento é o Maranhão, com 905 casos. Já a DSEI do Alto Rio Solimões apresentava maior quantidade de óbitos, com 26 indígenas mortos.
Leia a nota da Vale, na íntegra:
A Vale tem adotado uma série de ajuda aos índios pataxós e pataxós Hã-Hã-Hãe da aldeia Naô-Xohã, bem como aos membros da aldeia que vivem atualmente na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A empresa atua em conjunto com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI MG-ES), a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Secretaria de Estado de Saúde e as secretarias municipais de saúde de São Joaquim de Bicas e Belo Horizonte.
Uma equipe multidisciplinar de saúde, contratada pela Vale, implementou um Plano de Contingência para Covid-19, com vídeos com orientações sobre o enfrentamento da doença; atendimento psicológico remoto; monitoramento diário dos sintomas por meio de contatos telefônicos e o apoio no contato com o serviço de saúde municipal e com o DSEI MG – ao sinal de qualquer caso suspeito.
Em parceria com a Secretaria Municipal de São Joaquim de Bicas, foi realizada ainda a vacinação contra gripe e H1N1 para os membros da Aldeia. A Vale também doou kits de higiene e limpeza. Ainda, desde o rompimento da barragem em Brumadinho, os membros dessa comunidade recebem auxílio emergencial integral pago pela Vale, somado ao custo de uma cesta básica por família e do frete para compra de mantimentos.
Por fim, a Vale esclarece que, conforme Termo de Ajuste Preliminar Emergencial (TAP-E) assinado com o Ministério Público Federal, Funai e lideranças indígenas da Aldeia, está contratando uma consultoria independente, que será responsável pelo diagnóstico socioeconômico e a avaliação dos impactos do rompimento da barragem, a fim de criar um plano efetivo de reparação. A contratação da consultoria está em andamento sob a condução do MPF e Funai.