13/09/2020
Fonte:https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/09/13/interna_gerais,1183512/watu-nek-indios-krenak-garantem-direito-a-propria-lingua-entenda.shtmlReconhecimento obrigou fundação a mudar nome de projeto, já que o idioma é uma espécie de ‘propriedade cultural’ da etnia
Um projeto das fundações Geraldo Perlingeiro Abreu (FGPA) e Renova, denominado “Raízes e Asas do Uatú Nék” causou mal no povo Krenak, de Resplendor, MG, no Leste de Minas. Os Krenak ficaram furiosos com a utilização de palavras de sua língua no nome do projeto, sem que as fundações tivessem solicitado deles autorização para uso.
“Uatú Nék”, na língua Krenak, significa Rio Doce. Mas o problema não era apenas esse. O professor Itamar Krenak, que leciona na escola da aldeia Resplendor, protestou contra a forma com as palavras foram grafadas. “Está errado, o correto é Watú Nék”, disse. Para encerrar a polêmica, as duas fundações proponentes trocaram o nome do projeto para “Raízes e Asas do Rio Doce”.
Logo que o projeto foi divulgado no Leste de Minas, o clima esquentou na aldeia Krenak. O guerreiro Douglas Krenak apimentou a polêmica, e disse que havia algo mais que a grafia incorreta das palavras. “Além disso, o Rio Doce, para nós, hoje, é um rio amargo”, disse, atribuindo o amargor à destruição do rio causada pela lama de rejeitos de minérios que desceu o rio, vinda de Mariana, MG, em 2015, no “acidente-crime ambiental” como o seu povo faz questão de denominar o rompimento da barragem de Mariana.
Na primeira fase do projeto, está sendo aplicado um questionário on-line. Essa é a fase de chamamento público. “É muito importante, neste momento, conhecermos a juventude desta região e que conhecimento ela tem do meio ambiente nos municípios de abrangência do projeto”, comenta o pedagogo Mário Taniguchi, um dos coordenadores, juntamente com a também pedagoga Ana Marta Aparecida de Souza Inez.
A equipe técnica de facilitadores, que vai atuar na capacitação dos jovens, é composta por pedagogos, biólogos, psicólogos, comunicólogos, historiadores, filósofos e especialistas em empreendedorismo.
A etapa de formação e integração dos jovens contará com uma carga horária de 96 horas desenvolvidas por meio de seminários de integração, oficina de ideias, participação em fóruns da Bacia, elaboração de projetos, dentre outros.
A fase de chamamento público do projeto ateou fogo nas relações entre os Krenak e a Fundação Renova, financiadora do projeto. “Não nos convidaram, não reparam os danos que nos causaram e ainda usaram palavras da nossa língua”, disse Shirley Krenak, que elaborou um texto que é embrião de um artigo científico, fundamentando todas as alegações do seu povo na defesa do direito do uso da língua.
O texto foi redigido por ela e pelo advogado João Vitor de Freitas Moreira, do Instituto Shirley Djukurnã krenak.
Para Shirley Krenak, o projeto das fundações, expropriou um significante e desconectou as duas palavras do seu significado. “Não é por acaso que somos chamados de ‘Borum Watú’, ou seja, Povo do Rio. Porém, isso não parece importar aos formuladores da política de liderançasque fazem aproximações de condições dicionárias como se estive traduzindo cores do inglês para o português”, disse.
“Tudo o que somos e construímos em torno da nossa ancestralidade tem a força da nossa língua tradicional. Somos os “borum krenak” falantes da língua originária krenak. Somos a essência do ser e a nossa língua tradicional nos define como os guardiões do universo sagrado”, desabafou Shirley Krenak.
A polêmica em torno do nome do projeto fez a Fundação Renova recuar no embate com os Krenak. Em nota, a Renova disse que “conhece que o projeto Uatú Nék foi proposto pela Fundação Geraldo Perlingeiro Abreu e, entendendo que essa denominação tinha como objetivo valorizar a cultura Krenak, a equipe da Fundação não viu impedimento nisso.
No entanto, ao ouvir que a comunidade Krenak se sente incomodada com a utilização de palavras de língua Krenak, a Fundação Renova imediatamente providenciará para que o nome seja removido da denominação do projeto”.