Britaldo Soares-Filho chama a atenção para o fato de que o agronegócio também depende muito dos ciclos de chuva determinados pela floresta, e o desmatamento provoca queda de produtividade e rendimento para os produtores, sobretudo os de soja e gado no Mato Grosso. Ele adiciona que a valoração da biodiversidade é muito mais complexa.
O pesquisador destaca também que impedir o desmatamento é mais barato que tomar outras medidas, como a redução das frotas de veículos, para a mitigação dos gases que destroem a camada de ozônio. “Isso entra também nos nossos cálculos. O Brasil não cumpre sua parte no Acordo de Paris [que rege o compromisso dos países para a diminuição do aquecimento global], o que piora a situação porque perdemos recursos para conservação e desenvolvimento ambiental.”
Cuidado com a reputação
Os pesquisadores do Brasil e da Austrália concluíram que, se o projeto de lei for aprovado sem alterações, a área afetada pela mineração poderá crescer de 700 mil quilômetros quadrados de floresta para até 860 mil quilômetros quadrados, no caso de exploração econômica de todos os depósitos minerais da região. Apenas para ficar em alguns números, o estudo projeta perdas de mais de US$ 2,2 bilhões no que se refere à mitigação do efeito estufa e o aumento para mais de US$ 1,4 bilhão anuais das perdas na produção de matérias-primas.
Como ressaltam os cientistas, o texto original do PL 191/2020 não prevê salvaguardas ambientais e sociais e negligencia a necessidade de estudos sobre os impactos da implantação de novas minas abrangentes. Segundo a autora principal do artigo, Juliana Siqueira-Gay, da Escola Politécnica da USP, os mecanismos de avaliação e mitigação dos impactos diretos, indiretos e cumulativos “devem incluir planos que cumpram com a hierarquia da mitigação, de forma a assegurar proteção dos valiosos ecossistemas e dos direitos das comunidades indígenas”. Sobre esse aspecto, os pesquisadores acrescentam que o texto do projeto de lei até menciona compensações financeiras, mas não inclui previsão do direito dos povos indígenas à liberdade de consentimento prévio e devidamente informado.
Britaldo Soares-Filho salienta que a iniciativa do governo federal tem poucas chances de dar frutos, uma vez que não deverá atrair o interesse de grandes grupos mineradores, cada vez mais preocupados com o risco de prejuízos para sua reputação. “Mesmo essas empresas mineradoras estão pesando muito o custo-benefício de entrarem em negócios desse tipo. Os fundos de investimento globais, que aportam capital para grandes empreendimentos, têm-se recusado a estimular a degradação ambiental”, afirma o professor da UFMG.
Ele avalia que as novas regras, se passarem no Congresso, vão atrair grileiros e garimpeiros ilegais, que não dão retorno para o país e para as comunidades. “O projeto de lei não tem a capacidade de desenvolver a mineração e ainda afugenta capitais e fragiliza terras indígenas, que são santuários da sociobiodiversidade. Ou seja, a iniciativa não faz sentido econômica, ambiental e estrategicamente.”
Artigo: Proposed legislation to mine Brazil’s indigenous lands will threaten Amazon Forests and their valuable ecosystem services
Autores: Juliana Siqueira-Gay (USP), Britaldo Soares-Filho (UFMG), Luís E. Sanchez (USP), Antonio Oviedo (Instituto Socioambiental) e Laura J. Sonter (University of Queensland)
Periódico: One Earth (18 de setembro de 2020)