A escassez de água se intensificou neste ano no Vale do Jequitinhonha (região norte de Minas Gerais), em especial por causa da pandemia. Os moradores, a maioria negros e quilombolas, apelam às autoridades por medidas para mitigar a situação, que não é novidade, porém, piora.
A N’Golo, Federação das Comunidades Quilombolas de Minas, visitou no último final de semana as áreas quilombolas no Vale do Jequitinhonha para averiguar o cenário e articular providências imediatas. No estado, existem aproximadamente 2 milhões de pessoas moradoras de quilombos, urbanos ou rurais
“Com a água que tenho aqui em casa não seria suficiente nem para você tomar banho. O que me ajudou muito foi o auxílio emergencial. Foi com esse dinheiro que consegui comprar galões de água”, conta a Maria Aparecida Machado Silva, moradora há 44 anos, desde seu nascimento, do Quilombo do Rocha, que abriga 65 famílias. Ele se localiza em Chapada do Norte. Ela é presidente da Associação Comunitária União Quilombola do Córrego do Rocha.
Semiárido
De acordo com Maria, a falta de água é decorrente do fato de praticamente ter secado o poço artesiano. Ao contrário das regiões urbanas do estado, abastecidas por meio de grandes rios e represas, o Jequitinhonha se encontra na região do semiárido, que abrange o nordeste brasileiro e parte da região norte de Minas Gerais.
Todo esse território é naturalmente seco em razão das poucas chuvas. Assim, uma das alternativas de acesso à água são os poços artesianos, além de tecnologias de convivência com o semiárido, como a captação de água de chuva e diversas formas de conservação da água no solo.
A principal cacimba dos moradores do Quilombo Córrego do Rocha foi instalada no início dos anos 2000 e atendeu plenamente a população até 2018. Maria Aparecida relata que após esse ano, paulatinamente, o poço reduziu seu potencial de fornecimento hídrico. É por esse emotivo que hoje boa parte da comunidade está praticamente sem água.
Pandemia
O problema se intensificou ainda mais na pandemia, em razão da demanda por água ter aumentado, com mais pessoas em casa na maior parte do tempo. O único meio de abastecimento são os caminhões pipas, mas “a qualidade da água deles não é boa”, afirma Maria.
“De imediato, o que necessitamos é da canalização de um outro poço. Já mapearam o quilombo e verificaram que existe a possibilidade de criação de mais um poço. O que nós precisamos, e muito, é de recursos para conseguirmos fazer. Nessa pandemia, com os nossos filhos em casa, estamos gastando muito com água. Além disso, a gente tem que escolher qual das nossas plantações a gente vai aguar”, contou Maria Aparecida.
Além das ações emergentes, existem também aquelas de médio e longo prazo. Por exemplo, Maria cobra a instalação de pequenas barragens para a reserva de água da chuva bem como a preservação das matas ciliares dos rios.
Comunidades exigem implementação de tecnologias alternativas
A construção de pequenas barragens, para estoque de água, foi e ainda é algo muito demandado pelos moradores do Jequitinhonha nos últimos anos. Outra defesa é a preservação de nascentes e a proteção das matas ciliares. Elas ficam no entorno das minas e as protegem de danos naturais ou humanos.
Porém, atualmente no país está em curso uma cruel devastação dessas matas, cujo impacto seca os córregos. Esse fator acelera o processo de desertificação do semiárido brasileiro. Pesquisadores já avaliam que a chance de em 50 anos essa região do país se igualar ao deserto do Saara, no norte africano.
“As pessoas mais velhas daqui do Quilombo contam que antes tinham muitas nascentes. Mas depois das construções de estradas elas começaram a secar. Eu mesma ia lavar roupa em rios próximos daqui com sete anos. Hoje, pode chover de manhã que de tarde já não tem mais água neles”, relatou Maria Aparecida.
Mossa Santa e Córrego do Narcisio
Outra área quilombola que passa por uma situação similar em Chapada do Norte é a comunidade Mossa Santa, que abriga 80 famílias; 29 delas enfrentam escassez de água. O poço artesiano de Mossa não possui condições de prover a todos na comunidade.
“A gente está sendo abastecido pela água do caminhão pipa, mas a água não dá para beber. O que precisamos é da canalização da água de municípios vizinhos”, afirmou Maria Aparecida de Oliveira, moradora do quilombo.
A comunidade quilombola de Córrego do Narcisio é outra que também sofre com falta de água. Localizada em Araçuaí, no Jequitinhonha, o quilombo de 62 famílias é próximo de uma barragem, onde há água suficiente para o abastecimento da população, segundo Maria Aparecida Nunes.
“Todos os dias nós temos que buscar água nessa barragem. O que queremos é um meio de a água vir até nós. Com essa falta de água, o que poderá ocorrer será uma saída de gente do quilombo”, diz Maria Aparecida.
Propostas
Após verificar a situação de vários quilombos no último fim de semana, a Federação N’Golo levantou cinco propostas de ação para atenuar o problema:
– Proposição de uma audiência pública na região do Jequitinhonha para discutir a questão da água;
– Buscar apoio para criação de bancos de sementes;
– Busca junto aos espaços midiáticos para a divulgação das violações e do racismo institucional vigente na região;
– Trabalho de base junto às comunidades;
– Lançamento de uma campanha online para levantando de recursos e apoio para implementação de tecnologias sociais voltadas a produção, saneamento básico rural e acesso à água.
O problema da escassez hídrica é um dentre os diversos problemas dos quilombolas. O maior deles é a não titulação das terras, o que acarreta em constantes conflitos agrários. Existe também a falta de acesso a saúde e educação pública nessas comunidades.