A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) realizou na manhã desta quarta-feira (9) uma audiência com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para discutir a paralisação da reforma agrária sob o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) no Brasil.
O encontro ocorreu após a comissão, no dia 30 de novembro, notificar o Estado brasileiro para que sejam apresentadas explicações sobre o despejo truculento do Acampamento Quilombo Campo Grande, em Minas Gerais, ocorrido em meio à pandemia. As famílias são produtoras do Café Guayí e referência de produção agroecológica na região.
O coordenador nacional do MST, João Pedro Stédile, acusou o Estado brasileiro de abandono, perseguição e piora das condições de vida de milhões de famílias que vivem no campo. Segundo Stédile, “a Constituição determina que toda grande propriedade improdutiva deve ser desapropriada e distribuída em programa de reforma agrária. No entanto, não houve mais vistorias das fazendas e nenhuma desapropriação, além da paralisação de processos que já estavam em curso, faltando apenas pagamento ou emissão de posse pelo governo”.
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Como consequência direta, existem cerca de 80 mil famílias vivendo em barracos de acampamentos à beira de estradas e fazendas, em condições precárias, o que se intensifica em um contexto de pandemia de covid-19. Da mesma maneira, há hoje no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) 1.748 processos de legalização de áreas quilombolas parados, “sem nenhuma providência”.
O coordenador do MST também apresentou durante a audiência algumas das políticas contra a reforma agrária promovidas pelo governo de Bolsonaro. Na mais recente, no dia 3 de dezembro, o governo instituiu o programa Titula Brasil, que cria novos entraves para a democratização do acesso à terra.
A partir de agora, os municípios ficarão responsáveis por indicar técnicos que poderão executar o trabalho e decidir se as terras estão em condição regular ou não para a entrega da documentação do imóvel. A flexibilização e descentralização do processo pode favorecer ainda mais a concentração fundiária devido à pressão dos latifundiários em suas regiões e resultar na legalização da apropriação irregular de terras devolutas.
Stédile também falou sobre o “abandono” de políticas públicas que protegem a agricultura familiar, como a redução “drástica” do orçamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a “falta de garantia” de aplicação das normas do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que garante que 30% da merenda escolar seja abastecida com alimentos da agricultura familiar.
“Temos denunciado essa situação em diversos fóruns internacionais, e até para o Papa Francisco, com quem participamos do Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Convidamos a comissão a organizar uma missão de vistoria a essas condições em nosso país”, concluiu Stédile.
Edição: Rogério Jordão