Dentro do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em Belo Horizonte, foi selado na manhã de hoje (4) o acordo entre a mineradora Vale S.A., governo de Minas e instituições da Justiça, enquanto do lado de fora as pessoas atingidas pelo crime manifestavam-se contra a negociação. O acordo teve o valor final de R$ 37,6 bilhões.
Segundo o governador Romeu Zema (NOVO), dá-se assim por encerrada o débito que a mineradora tem com o Estado de Minas Gerais, pelos prejuízos sociais e econômicos do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho. Exceto que um novo prejuízo venha a aparecer, como problemas de saúde ainda não identificados.
O governo mineiro tem comemorado o acordo como inédito – “o maior conjunto de medidas de reparação da América Latina” – pela sua complexidade e pelo seu valor. O documento foi celebrado pela Vale, Estado de Minas Gerais, Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais e os Ministérios Públicos Federal e Estadual.
Ausência de atingidos marcou todo o processo
Porém, os atingidos, que protestaram inúmeras vezes à porta do Tribunal de Justiça em Belo Horizonte, asseguram que o acordo não leva as suas necessidades em consideração, visto que eles foram excluídos como parte na negociação. Esse é o principal motivo pelo qual o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) pretende questionar o acordo no Supremo Tribunal Federal.
“Foi um bom acordo para o governo do Estado e um péssimo acordo para os atingidos. Fica claro que o Estado alcançou seu objetivo, de conseguir quase R$ 27 bilhões, em troca de apenas R$ 9 bilhões aos atingidos. Isso descontando o pagamento emergencial já feito durante esses dois anos, o que é um absurdo”, declara Joceli Andrioli, da direção do MAB.
Foi um bom acordo para o governo do Estado e um péssimo acordo para os atingidos
“Isso mostra claramente porque foi impedida a participação dos atingidos: porque eles foram prejudicados com esse tipo de negociação. O acordo viola os direitos da população atingida”, diz Joceli. O MAB afirma que estudará a melhor forma de recorrer ao Supremo pedindo a nulidade do acordo.
O bispo dom Vicente, que integra o Grupo de Trabalho sobre mineração da CNBB e é bispo auxiliar da Arquidiocese de BH, divulgou um vídeo lamentando o pacto. “Causa muita indignação ver tanta gente comemorando como um acordo histórico, bilionário. Nós que acompanhamos as comunidades atingidas vemos os testemunhos das comunidades de que os atingidos e atingidas não participaram desse acordo”, indigna-se.
O mesmo é referendado pela assessoria técnica Aedas, que relata que as comissões de atingidos só ficaram sabendo da existência do acordo em outubro de 2020, e solicitaram o apoio das assessorias técnicas para compreender o processo e reivindicar a participação. Segundo a assessoria, até hoje (04) os atingidos não puderam acessar os documentos da negociação.
’26 prefeituras devem receber R$ 4,7 bilhões em projetos’
“A pressa em fechar um acordo, com a alegação de iniciar a reparação, sem que a dimensão dos danos seja medida, pode também prejudicar que a justiça seja feita”, avalia a advogada Ísis Táboas, coordenadora institucional da Aedas na região de Brumadinho. “Além disso, existem dispositivos jurídicos que também podem acelerar a reparação, o acordo não era o único caminho”.
Onde serão gastos os R$ 37 bilhões
Outro forte questionamento se refere a projetos apresentados pelo governo de Minas Gerais para o uso de R$ 9 bilhões em obras e melhorias que não possuem relação direta com Brumadinho ou a Bacia do Paraopeba.
Cerca de R$ 5 bilhões serão destinados à mobilidade, como a construção do Rodoanel e melhorias no metrô em Belo Horizonte, assim como a recuperação de estradas e pontes, em local não identificado. Outros R$ 4,3 bilhões irão para melhorias nos serviços públicos na área da saúde, combate à dengue, atendimento hospitalar em hospitais de Belo Horizonte, e modernização dos Bombeiros, Defesa Civil e Polícias.
‘Acordo não deve influenciar na tramitação das ações individuais e das ações criminais na Justiça’
Marcelo Barbosa, integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e morador de Brumadinho, opina que Vale e governo de Minas se beneficiaram da celebração. “Com a entrada de recursos, o governador vai fazer uma série de obras no estado, já pensando no próximo pleito eleitoral. E quem saem prejudicadas são as comunidades atingidas”.
O planejamento das obras será, agora, enviado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais para receber a aprovação ou não dos deputados mineiros.
Demais pontos do acordo
O pagamento do auxílio emergencial aos atingidos deve continuar, incluído no tópico “Transferência de Renda e demanda dos atingidos”, que ficou com R$ 9,17 bilhões. O auxílio como existe hoje será pago por mais três meses, e a frente será elaborado um novo programa, com regras ainda não definidas. Serão descontados desse valor R$ 1,7 bilhão já pago pela Vale em auxílios.
As prefeituras, sendo Brumadinho e outros 25 municípios, devem receber R$ 4,7 bilhões em projetos como reforma de escolas, conclusão de obras de postos de saúde, fortalecimento da rede de atenção psicossocial e incentivo à geração de emprego. Outros R$ 6,5 bilhões devem ser investidos em reparação socioambiental, R$ 2 bilhões em segurança hídrica e R$ 5,9 bilhões em reparações já iniciadas.
O documento apresentado pelo governo de Minas garante que o acordo não irá influenciar na tramitação das ações individuais e das ações criminais na Justiça.
Edição: Elis Almeida