18/05/2021
Pesquisadores do Mespt debruçam-se sobre mais de mil teses e dissertações para acrescentar registros a projeto pioneiro do Ministério Público Federal
Cerca de 1.460 teses e dissertações serão analisadas até setembro deste ano por um grupo de oito estudantes e cinco professores do Mestrado em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais (Mespt) da Universidade de Brasília. O objetivo é contribuir com a Plataforma de Territórios Tradicionais.
Iniciativa pioneira criada em 2018 pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), junto a outros parceiros, como a UnB, a ferramenta ainda carece de registros que reflitam a realidade do país.
Ao disponibilizar um amplo acervo de documentos e estudos identificadores dos territórios tradicionais do Brasil, a plataforma poderá contribuir para a prevenção e a minimização de graves violações de direitos humanos incidentes sobre populações tradicionais em razão de políticas de ordenação fundiária, megaprojetos de infraestrutura e expansão das atividades econômicas.
“No Mespt, fizemos a opção técnica por mapear os territórios de comunidades tradicionais que não são indígenas nem quilombolas, porque sobre esses grupos há mais desconhecimento e menos informações sistematizadas”, explica a professora do Mespt Ana Tereza Reis da Silva, gestora do projeto.
“Primeiramente, definimos um universo de 1.429 teses e dissertações. Depois, capacitamos os estudantes durante dois meses para fazerem busca ativa de dados: foram familiarizados com processos técnicos de leitura de trabalhos acadêmicos, produção de resumos, extração de fotos, imagens, pontos de georreferenciamento, mapas. A partir daí eles preenchem fichas identificadoras de territórios tradicionais, que são espelho do formulário disponível na plataforma, e, enquanto isso, fazemos também um trabalho de checagem dessas informações, para que sejam o mais fidedignas possível. Na terceira e última etapa do projeto, faremos o cadastramento dos territórios na plataforma”, detalha a docente.
A expectativa é preencher, no mínimo, 120 fichas, o que significarão pelo menos 120 novos territórios mapeados com informações cadastradas. Ana Tereza ensina que, nos últimos 20 a 30 anos, a visibilidade tornou-se uma importante estratégia de resistência para esses povos.
“Eles precisam dizer que existem. Esse é o primeiro passo para construírem um canal de diálogo com o Estado brasileiro, visando a reivindicação e a proteção dos seus direitos territoriais, culturais e socioambientais. Então, a visibilidade se transformou numa arma, numa ferramenta de luta importante. A plataforma é resultado dessa compreensão”, garante a gestora da iniciativa.
Para ela, a ferramenta é também um instrumento político para fortalecer o protagonismo desses povos em defesa dos seus territórios e direitos. “No caso do Mespt, que tem a especificidade de formar lideranças de povos e comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas, quando engajamos os estudantes na sistematização e organização de informações para alimentar a plataforma, estamos fortalecendo o protagonismo intelectual desses sujeitos na produção de uma ferramenta que pode ser estratégica para a defesa de seus direitos”, frisa.
Jéferson Pereira, mestrando quilombola da comunidade Águas do Velho Chico, localizada em Orocó (PE), concorda com a docente. “Trazer à tona a realidade de comunidades que, muitas vezes, são invisibilizadas pelo processo discriminatório no Brasil é muito gratificante. Um diferencial deste projeto é que os próprios povos tradicionais estão pesquisando eles mesmos, não são agentes externos. Nos qualifica a fazer esse mapeamento e dar visibilidade a comunidades que não têm esse espaço”, conta Jéferson, que é advogado e pedagogo.
Ele afirma que a experiência de fazer a busca ativa de dados e informações em teses e dissertações defendidas pelo Brasil tem sido muito positiva e um grande prazer.
“Há muitas comunidades e povos tradicionais das quais eu sabia da existência mas não tinha conhecimento, a exemplo de ciganos, andirobeiras e catadores de mangaba. Então, estou conseguindo conhecer a realidade de muitos povos e comunidades tradicionais que fazem parte da mesma categoria que as populações e comunidades quilombolas”, comenta Jéferson.
Ribeirinho da Ilha do Capim, em Abaetetuba (PA), o também mestrando Deyvson Azevedo considera o projeto da Plataforma de Territórios Tradicionais uma experiência enriquecedora e desafiadora para os tempos atuais.
“Enriquecedora no sentido de construir a formação dos discentes com metodologias criativas, e desafiadora por esse projeto se propor a produzir informações com alunos imersos em seus contextos, tendo dificuldades com internet, locomoção, problemas de ataques aos territórios por mineradoras, empresas portuárias”, afirma Deyvson, ao pontuar que mesmo com tantas adversidades, o projeto tem sido construído e aprimorado continuamente.
“A dimensão do impacto do projeto da Plataforma de Territórios Tradicionais é muito grande”, avalia o estudante. “Ela apresenta diversas informações sobre os povos tradicionais que ainda são invisíveis ao Estado. Mostram a dimensão territorial que esses povos ocupam, seus conhecimentos, seus costumes, os conflitos em que se encontram pela defesa de seus territórios. Tais informações serão base para novas pesquisas e politicas públicas direcionadas a esses povos”, detalha o ribeirinho.
MEMÓRIA – A Plataforma de Territórios Tradicionais foi concebida a partir de um entendimento do Ministério Público Federal, em diálogo com o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, de que é preciso uma atuação mais efetiva do Estado brasileiro para assegurar os direitos culturais e territoriais dos povos indígenas e quilombolas, bem como de outros segmentos de comunidades autoidentificadas tradicionais. Tal perspectiva está em consonância com a Constituição Federal que, em seus artigos 215 e 216, reconhece a pluralidade étnica, cultural, socioambiental e econômica da sociedade brasileira.
Um dos grandes desafios da plataforma é o de mobilizar e engajar parceiros para o levantamento e a organização de dados sobre os diversos grupos humanos que manifestam identidades culturais próprias e se autorreconhecem sob a categoria político-jurídica de povos e comunidades tradicionais.
Para contribuir com essa tarefa, o Mespt implementa o Projeto Plataforma de Territórios Tradicionais: Busca Ativa de Dados desde setembro de 2020, e conta com financiamento da Climate And Land Use Alliance (CLUA) para provimento de bolsas de estudos aos estudantes e suporte material e técnico para o desenvolvimento da pesquisa.