Desencontro de informações entre órgãos públicos foi um dos pontos reclamados pelas lideranças comunitárias
Após mais denúncias de falta de água e energia em ocupações, Cemig anuncia licitação e Ministério Público terá reunião.
Novela, circo, jogo de empurra, desrespeito. Foi como lideranças comunitárias da Região da Izidora voltaram a denunciar nesta sexta-feira (15/10/21) a omissão e a demora do poder público em garantir serviços básicos para cerca de 9 mil famílias que vivem nas ocupações Helena Greco, Rosa Leão, Esperança e Vitória.
Elas cobraram uma data de início das obras para o fornecimento de água e luz para toda a comunidade da região, durante audiência realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a pedido de sua presidenta, deputada Andréia de Jesus (Psol).
Falta de água para beber, cozinhar e dar banho nas crianças e de energia elétrica até para manter alimentos e medicamentos que precisam de refrigeração foram situações repetidas com indignação ao longo da reunião.
Convidada, a Copasa não se fez presente. Já a Cemig anunciou que uma licitação será realizada na próxima quarta-feira (20), para regularizar o fornecimento na região, com obras em ruas e localidades que tenham sido autorizadas pelas Prefeituras de Belo Horizonte (PBH) e de Santa Luzia, município que abriga parte das famílias.
Essas autorizações cobririram um terço das ocupações, o que foi criticado e motivou pedido de revisão por parte das lideranças.
Por sua vez, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) anunciou que está marcada para a próxima quinta-feira (21) uma reunião em que são esperados representantes das duas concessionárias e ainda da PBH para discutir a situação das comunidades e o cumprimento de acordo homologado para a regularização fundiária e de serviços na Izidora.
Desabafos e cobranças marcam relatos
A vereadora Bella Gonçalves lembrou que as comunidades da Izidora têm lutado há anos contra o despejo e pelo reconhecimento da moradia digna, com pessoas às vezes enfrentando até seis meses sem acesso a água e energia elétrica.
Ela ainda destacou que recentemente uma criança de 5 anos foi atropelada na região por um caminhão-pipa acionado pela comunidade e morreu. “Essa morte é de responsabilidade do poder público”, afirmou.
A vereadora e várias lideranças comunitárias ainda denunciaram desencontros de informações entre órgãos públicos. Segundo elas, a Prefeitura de Belo Horizonte diz ter autorizado a instalação de água e energia nesses espaços, mas haveria uma indisposição da Copasa e da Cemig, que por sua vez dizem o contrário.
Com críticas voltadas ao governo e à PBH, Charlene Egídio disse que as comunidades estão abandonadas Com críticas voltadas ao governo e à PBH, Charlene Egídio disse que as comunidades estão abandonadas
Para Charlene Egídio, coordenadora da ocupação Rosa Leão, as comunidades continuam abandonadas porque “o governador não olha para as ocupações urbanas e o prefeito caminha a passos lentos para garantir direitos”.
De acordo com ela, até mesmo supostas ações visando à regularização fundiária na região estariam sendo feitas de forma desrespeitosa. “Estão entrando na comunidade para reuniões aleatórias sem a participação das lideranças comunitárias”, disse.
Segundo Frei Gilvander Moreira, da Comissão Pastoral da Terra, mais de 32 mil pesssoas na Izidora estão sendo brutalmente desrespeitadas em direitos básicos, o que configuraria racismo estrutural e institucional.
Deputada e MP fazem coro às cobranças
A deputada Andréia de Jesus registrou que a ocupação Izidora resiste desde 2011, mas que na pandemia a ausência do Estado foi ainda maior nessas comunidades.
“O Estado, mais do que negar, tem sucateado serviços para privatizar empresas. As pessoas não podem continuar a implorar o acesso à energia e à água potável. Dizer na pandemia ‘lave as mãos, fique em casa’ é uma falácia sem essas condições”, criticou a parlamentar.
A promotora de Justiça Marta Larcher relatou que o caso da Izidora começou a ser acompanhado de forma sistemática pela Promotoria de Habitação desde uma deliberação de julho deste ano, do Estado e do município, visando promover a regularização fundiária na região.
Ela disse que em agosto um acordo judicial foi firmado envolvendo o Estado, a PBH, as concessionárias e o proprietário da gleba, prevendo o compartilhamento de responsabilidades na regularização e na prestação de serviços básicos na Izidora.
No último dia 7, contou, a Cemig e a Copasa foram oficiadas para informarem sobre seu plano de trabalho e cronograma, tendo comunicado que já têm os projetos, mas ainda sem os recursos.
Já Cláudia Xavier, da Promotoria de Direitos Humanos e Controle Externo das Atividades Policiais, disse que a reunião do MPMG no dia 21 para tratar da Izidora será com as partes envolvidas no acordo homologado, pelo qual cabe à Companhia de Habitação do Estado (Cohab) conduzir o processo de regularização. A promotora observou, contudo, que a companhia deseja repassar essa atribuição para a Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), mas que até o momento a Cohab estaria mantida no acordo.
Direito incondicional – Por sua vez, Thais Isaías, advogada popular das ocupações da Izidora, frisou que tanto normas internacionais como aquelas vigentes no País asseguram que direitos básicos como o de água e energia independem da situação fundiária das localidades e que, portanto, é ilegal e desumana a situação denunciada na audiência. “Área irregular não é mais justificativa para a não prestação de serviços básicos”, destacou.
PBH diz que ainda faltariam recursos e Cemig anuncia licitação
Izabel Melo, assessora da Secretaria Municipal de Política Urbana da PBH, ressaltou que funciona na Izidora o Centro de Referência Urbana, o qual, segundo ela, vem discutindo o plano de regularização das ocupações também com as comunidades.
Ela disse que o plano, contudo, ainda depende da busca de novas alternativas de financiamento, uma vez que, de acordo com a gestora, a captação de recursos do Banco Mundial da ordem de R$ 400 milhões não teve o aval da Câmara Municipal.
Quanto aos serviços reclamados, ela informou que desde 2019 a PBH solicita a implantação do fornecimento de água e energia em parte da Izidora.
Já o gerente de Sustentabilidade da Cemig, Adieliton de Freitas, afirmou que a Izidora é prioridade no programa de regularização de energia em comunidades, dentro do Programa Energia Legal, criado este ano e que envolve ainda projetos sociais e o cadastro da tarifa social.
Adieliton de Freitas expôs que um dos objetivos do programa é regularizar o fornecimento para 120 mil famílias da Região Metropolitana, incluindo a Izidora, com licitação prevista para a próxima quarta (20) e recursos para investimentos, R$ 350 milhões, já aprovados.
Ele relatou que o atendimento a parte desse público, de 3 mil famílias que moram na Izidora, foi objeto de três licitações anteriores que não atraíram interessados, levando a empresa a abrir uma licitação mais ampla.