Em parceria entre EM e Rede de Historiadores Negros, pesquisadora descortina a organização dos negros para conquistar a liberdade
A região de Minas Gerais, habitada pelos Cataguases, Bororos, Krenaks, Puris, dentre demais povos originários, começou a ser apropriada pelos povos brancos no fim do século XVII. A descoberta das minas de ouro, metais preciosos e recursos ambientais foram elementos constituintes para invasão e exploração do território. As pessoas negras, na condição de escravizadas, formavam a principal força trabalhadora nas áreas de mineração e plantio.
Desse modo, a consolidação da colonial sociedade mineira foi embalada por temores e truculências senhoriais, que cientes da organização e resistência negra através de comunidades quilombolas, como Palmares no nordeste brasileiro, denotavam receios de que o mesmo rearranjo social acontecesse nas montanhas e vales de Minas, de acordo com Carlos Magno Guimarães (1996).
O que de fato ocorreu. Já que um dos aspectos históricoculturais da presença negra na formação da sociedade mineira foi a mobilização dos escravizados contra o sistema do cativeiro. Dessa forma, no mínimo, 160 quilombos foram detectados durante o século XVIII em Minas Gerais. No entanto, foram aniquilados por determinação dos poderes e legislação régia. Todavia, não sem revide e estratégias de resistências na luta por liberdade. O quilombo do Ambrósio, na região de Campo Grande, é um dos mais renomados no território mineiro setecentista.
As manifestações quilombolas dizem respeito à experiência de fugas dos negros cativos, com o desejo de construir comunidades paralelas à sociedade colonial. Foi um dos meios de reorganização sociocultural dos afrodescendentes contra o sistema escravista. Em Minas Gerais os quilombos não eram muito distantes dos locais urbanos de mineração. Costumavam ter dimensões físicas e habitações menores.
Dessa maneira, contavam com a cumplicidade dos negros ainda ligados ao cativeiro, que desenvolviam distintas estratégias de sobrevivência. Também contavam com a parceria de ameríndios, que, muitas vezes, coabitavam os mesmos lugares de renitência. Alguns quilombos, como os existentes na região das Vertentes, tinham o hábito de serem sazonais, conforme constata Donald Ramos (1996).
Correspondência de 1739 sobre a existência de quilombos(foto: Reprodução)
No ano de 1722 as autoridades denominadas de capitães do mato, responsáveis por perseguir e destruir as comunidades quilombolas, seguiam diretrizes das câmaras legislativas de Minas Gerais, como a de Vila Rica, que conceituavam quilombo como local “onde estejam acima de quatro […] negros com ranchos, pilões, e modo de ali se conservarem.”
Os quilombos se conservavam e compunham o tecido da sociedade mineira setecentista. Não apenas desenvolvendo respostas de fugas ao sistema escravista ou vivendo de maneira isolada, pelo contrário, desenvolviam posturas combativas por meio de ataques e saques aos comerciantes, sobretudo quanto se tratava de cargas alimentícias e bélicas. Nesse sentido, a Coroa portuguesa ampliou as diretrizes de perseguição às comunidades quilombolas.
Em 1762, as Câmaras legislativas como a de Vila Rica determinaram que os quilombos de Minas Gerais fossem hostilizados, ao menos duas vezes durante o mês, por agentes com a patente de Ordenança e/ou os Capitães do Mato. Todavia, os conflitos entre a ala senhorial e as habitações comunitárias quilombolas, perduraram durante todo século XVIII nas capitanias das Gerais, cujo os negros insubmissos lutavam pelo direito à uma vida digna e livre.
Maria Beatriz Nascimento (1982) pesquisadora de quilombos, em diferentes localidades brasileiras e do continente africano, explica que em Minas Gerais, entre os séculos XVIII e XIX, na Comarca do Rio das Mortes e em Carmo da Mata, os quilombolas eram também denominados por calhambolas, viviam sob a égide de um sistema comunitário de origem bantu, com práticas e estratégias geográficas de subsistências semelhantes às encontradas em Angola.
Ou seja, erguiam moradias em terras que lhes permitiam plantar e cultivar roças, viver em consonância com os ciclos da natureza, geralmente em lugares próximos ao curso d’água, de clima agradável e propício a receber irradiação solar, dentre demais fatores. Também locais que lhes permitiam experimentar momentos de tranquilidade e que despertavam a possibilidade de uma vida íntegra aos homens, mulheres e crianças diaspóricas.
A partir deste mote, Beatriz Nascimento detecta que um dos motivos pelos quais as autoridades coloniais determinavam para que frequentes invasões aos quilombos mineiros acontecessem, estavam ligadas às disputas por terras produtivas.
Laura de Mello e Souza (1996) apresenta que os responsáveis pela expedição de combate as organizações quilombolas, comumente homens brancos, recebiam por pagamento o acesso a “sesmarias”, isto é, acesso a lotes de terras, quando não o próprio perímetro quilombola demolido por eles e equipe expedicionária. Desse modo, Souza apresenta que as posses de terras por agrônomos e fazendeiros na região de Minas Gerais, no período colonial, são nebulosas e carregam contradições.
Souza sinaliza que as operações no quilombo do Ambrósio totalizaram gastos de um montante maior que 30 mil cruzados, retirados dos cofres das câmaras legislativas de Minas Gerais. Foram vários anos de luta, revide e enfretamento dos insubmissos ambrosianos que gozavam de um projeto político e de vida contrário aos ditames coloniais.
* Mestra em História pela UFSJ, participa da Rede de Historiadorxs Negrxs