14/12/2021
Fonte:https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/12/pandemia-de-covid-causou-uma-crise-de-direitos-humanos-no-brasil.shtmlO que há para se comemorar no Dia Internacional dos Direitos Humanos em 2021? Hoje, 10 de dezembro, é a data que remete à oficialização da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU (Organização das Nações Unidas). No Brasil e no mundo, enfrentamos uma crise sanitária, que é também uma crise de direitos humanos, sem precedentes.
Aqui, chegamos a mais da metade da população brasileira com o esquema vacinal completo. Não dá para comemorar: as desigualdades internas ainda são marcantes e poucos estados atingiram patamares de vacinação que dão proteção à população. Mais de 615 mil vidas de brasileiras e brasileiros foram perdidas para a Covid-19. Os que aqui estamos, somos sobreviventes.
Milhões de famintos estão na luta por ossos e lixo; o desemprego atinge recordes; há os que estão doentes nas filas do SUS sem previsão de cuidado; há milhões de crianças e adolescentes privados da escola ou sem condições adequadas para retornar ao estudo presencial; a população indígena, as comunidades quilombolas e as comunidades das águas e das florestas estão sendo atacadas; e ainda falta coragem e compromisso a alguns políticos em dar nome às desgraças —eles tentam se esquivar das suas responsabilidades constitucionais de agir em defesa dos direitos de todas e todos.
Os direitos humanos foram negligenciados no Brasil desde o início da pandemia da Covid-19. E essa triste situação de 2020 permanece —inerte e nefasta— nessa retrospectiva que fazemos de 2021. A Anistia Internacional Brasil denuncia a má gestão da pandemia e as negligências do Estado em relação à garantia de direitos, à redução das desigualdades sociais e à formulação e implementação de políticas públicas efetivas para atender a população, especialmente os grupos sociais sistematicamente vulnerabilizados.
Esta população teve os seus direitos violados em diversas áreas, inevitavelmente conectadas entre si —emprego e renda, educação, acesso a medicamentos e equipamentos de saúde, alimentação, moradia, segurança, entre muitas outras. O Estado continua falhando em seu dever constitucional de zelar pelos direitos econômicos, sociais e culturais e solucionar ou mitigar os efeitos de suas violações, que impactam sobremaneira uma parcela expressiva da população, historicamente marginalizada e discriminada.
Estamos falando de desigualdades que, arraigadas no racismo e em outras iniquidades estruturais, tiveram influência sobre as mortes por Covid-19 e sobre todo tipo de sofrimento que atravessa a vida das pessoas no Brasil atual. Por exemplo, falamos das mulheres negras, que já representavam a maior parcela da população pobre do país antes da crise sanitária, e que, durante a pandemia, foram as mais impactadas —38% delas passaram a viver em situação de pobreza.
Não podemos esquecer do desemprego, da evasão escolar, das condições inadequadas de moradia, da violência policial, e de outras mazelas que afetam desproporcionalmente população negra, moradores e moradoras de favelas e periferias, pessoas em privação de liberdade, incluindo jovens do sistema socioeducativo, pessoas em situação de rua, pessoas com condições inadequadas de moradia, mulheres cis e trans, quilombolas, povos indígenas e outras populações tradicionais, trabalhadores e trabalhadoras autônomas, população LGBTQIA+, crianças, adolescentes e idosos.
É por essas pessoas, que precisam viver com dignidade e ter de volta seus direitos, que a Anistia Internacional Brasil lança, hoje, o relatório “Covid-19 e direitos humanos no Brasil: caminhos e desafios para uma recuperação justa”. O estudo reúne múltiplos dados alarmantes referentes à violação de direitos humanos no contexto da pandemia.
São informações relacionadas aos direitos ao trabalho, à educação, à moradia, à saúde, à alimentação, à segurança, ao território e a outros temas. Elas foram coletadas de organismos públicos —como o Ministério da Saúde, a Fiocruz, a Secretaria Especial de Saúde Indígena, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada)— e de monitoramentos feito por coalizões e organizações de sociedade civil —como o grupo do Alerta, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e a Conaq (Coordenação de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas). O estudo traz, também, conteúdos produzidos por universidades e instituições de desenvolvimento científico e tecnológico. Além, claro, das informações do consórcio dos veículos de imprensa.
Nós, da Anistia Internacional Brasil, apresentamos um conjunto de recomendações para uma recuperação justa, que só será possível quando as medidas para a superação desta crise de saúde pública e seus impactos sobre a população, especialmente sobre os grupos mais vulnerabilizados, privilegiem o cumprimento dos direitos humanos de todas e todos. O Brasil, como Estado-parte de diversos tratados internacionais de direitos humanos, possui obrigações imediatas relacionadas à pandemia e a temas a ela relacionados ou por ela agravados.
São incontáveis os direitos que foram desrespeitados até aqui. Chegamos ao fim de 2021 devastados e devastadas, mas com a força que precisamos ter para identificar os desafios que persistem no nosso horizonte. Com a campanha Omissão Não é Política Pública, ao longo de 2021, a Anistia Internacional Brasil e outras 19 organizações da sociedade civil exigiram responsabilização pelas mortes evitáveis —e ainda aguardamos que as denúncias apresentadas no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 sejam apuradas pelo Ministério Público Federal. Mas precisamos ir além.
É urgente interromper e reparar as incontáveis violações de direitos humanos causadas por ação e inação do Estado brasileiro. O tempo está passando e é urgente que as autoridades entrem em ação e cumpram suas responsabilidades e deveres. Precisamos de justiça e de uma recuperação justa: abrangente, efetiva e urgente.