A cidade do Serro, situada na região Centro-nordeste de Minas Gerais, passa por mais um pedido de liberação de mineração em seus limites. No início de 2021, a empresa Herculano Mineração conseguiu a autorização municipal para extração de minério de ferro. Embora ainda precise de autorizações para começar a funcionar, a aceitação teria aberto precedente a outras mineradoras.
Agora, o município está em processo de autorização do pedido feito pela empresa Onix Mineração LTDA. O Projeto Céu Aberto retirará 300 mil toneladas de minério de ferro ao ano, usará uma área de quase 400 hectares e pretende criar 100 empregos diretos, segundo a apresentação elaborada pela Onix. A mineração ficaria a aproximadamente 4 quilômetros do centro histórico.
O pedido começou a ser analisado pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento do Meio Ambiente (Codema) em novembro de 2021 e terá sua votação na próxima quinta-feira, 10 de fevereiro. Moradores tentam que a votação aguarde uma audiência pública municipal, que será realizada em 14 de fevereiro.
Prejuízos à economia da cidade
Uma série de organizações, parlamentares e moradores do Serro têm se mobilizado contra os empreendimentos minerários na cidade. Há dois séculos, a cidade do Serro se “libertou” da mineração de ouro e diamante, e construiu uma economia baseada no turismo ecológico, na agricultura e na produção de queijos.
A forma de fazer o Queijo do Serro foi, inclusive, o primeiro Patrimônio Cultural Imaterial registrado no estado, reconhecido oficialmente pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha).
Além de afetar essa produção, Valderes Quintino Silva, integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e morador do Serro, se preocupa com a poluição das águas da região e com as mudanças nas características do território a partir da supressão de matas.
“A população está sim precisando de emprego, de garantir renda para as famílias. Mas o que não conseguimos entender, e não tem outra justificativa, é porque é via empreendimento minerário. Por que não investir em capacitação para 100 jovens para outro setor?”, questiona Valderes.
Não se sabe os reais danos
Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), realizado pelo Grupo de Estudo em Temáticas Ambientais (Gesta), concluiu que as informações do Projeto Céu Aberto, da Onix, não permitem identificar quais danos ele pode causar.
Para as pesquisadoras, o projeto possui “graves insuficiências” em sua documentação. Segundo o estudo, faltam informações sobre a localização do empreendimento, sobre os prejuízos a comunidades locais, sobre a manutenção da pilha de rejeitos que irá se formar, sobre o uso da água e sobre a emissão de partículas.
O empreendimento da Onix não fará uso de barragem, o que parece ser um ponto positivo. Porém, o Gesta questiona como será a manutenção da pilha de estéril a seco da mineração Céu Aberto, que deve possuir dois hectares e 50 metros de altura – o equivalente a um prédio de 16 andares. “Não são especificadas informações sobre o controle da drenagem nessa estrutura”, aponta a análise.
O estudo do Gesta foi apresentado ao Codema em 11 de janeiro deste ano, assinado pelas professoras Andréa Zhouri e Ana Flávia Santos, do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG, e Raquel Oliveira, do Departamento de Sociologia.
A Onix Mineração foi acionada pela reportagem, mas não respondeu até o fechamento da matéria.
Ilegal perante a lei municipal
Outra análise, também entregue ao Codema, argumenta que o Projeto Céu Aberto não seria permitido pelo Plano Diretor Municipal do Serro. De acordo com Gustavo Soares Iorio, coordenador do Laboratório de Estudos em Geopolítica do Capitalismo (Legec) da Universidade Federal de Viçosa (UFV), as informações prestadas pela Onix mostram que o empreendimento está fora da Zona Especial de Exploração Mineral (ZEM).
O Plano Diretor do Serro prevê que somente áreas que já possuem concessão de lavra fazem parte da Zona Especial de Exploração Mineral e, assim, estão aptas a ser mineradas.
“Quando se analisa o mapa elaborado pela Onix Mineração para afirmar que o empreendimento está localizado na ZEM, percebe-se que a área do mapa definida como ZEM não coincide com a área delimitada pela ANM [Agência Nacional de Mineração]”, conclui a avaliação.
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O professor levanta também a falta de detalhes sobre o uso da água, que pode afetar o Rio do Peixe, o Córrego Siqueira e outros afluentes da Bacia do Rio Guanhães. Mais uma vez, o projeto da Onix poderia, nisso, ferir o Plano Diretor do Serro em seus artigos 3, 4 e 6, que versam sobre a preservação de mananciais, nascentes, cursos d’água e abastecimento da população.
Audiência pública
“Faz-se muito necessário que o Poder Executivo respeite, de fato, toda a legislação em nível federal, em nível estadual e a Lei Orgânica Municipal”, defende a vereadora Karine Roza (PT), que é graduanda em direito e representa a Câmara Municipal no Conselho de Desenvolvimento dos Quilombolas.
A vereadora é uma das partes que requerem a audiência pública para 14 de fevereiro. A reivindicação é que o conselho não dê a licença para a mineração Onix antes que a população possa se pronunciar, o que violaria a Convenção 169 da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“É inadmissível que uma declaração de conformidade ambiental seja emitida pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente sem sequer ouvir a nossa população e principalmente as comunidades tradicionais que vão ser diretamente impactadas por esse projeto minerário”, argumenta Karine Roza.
Edição: Larissa Costa