Quais são as línguas indígenas faladas no Brasil?

15/09/2023

Por Carolina Laboissiere Ulhoa Rath

Fonte:https://www.politize.com.br/quais-linguas-indigenas-sao-faladas/

Ao contrário do que muitas pessoas possam acreditar, o Brasil não é monolíngue. De acordo com estimativa recente do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL)são falados em torno de 250 idiomas em todo o território nacional. Dentre elas, línguas afro-brasileiras, de comunidades de migração, línguas de sinais, línguas indígenas e o usual português.

Neste texto, a Politize! te apresenta a algumas das centenas de variedades linguísticas dos povos originários. Também destacamos alguns aspectos políticos que influenciaram as transformações linguísticas ao longo da nossa História. Achou complexo? Calma, vamos te explicar!

Foto da atual Ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara, na Mobilização dos povos originários de todo o Brasil contra o marco temporal em 2022.

12 línguas indígenas mais faladas no Brasil

De acordo com o Censo divulgado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as línguas indígenas mais faladas no Brasil são:

  • Tikuna com 34 mil falantes, 0,017% da população brasileira;
  • Guarani Kaiowá com 26,5 mil falantes, 0,013% da população brasileira;
  • Kaingang com 22 mil falantes, 0,011% da população brasileira;
  • Xavante com 13,3 mil falantes, 0,007% da população brasileira;
  • Yanomami com 12,7 mil falantes, 0,006% da população brasileira;
  • Guajajara com 9,5 mil falantes, 0,0047% da população brasileira ;
  • Sateré-mawé com 8,9 mil falantes, 0,0047% da população brasileira ;
  • Terena com 8,2 mil falantes, 0,0042% da população brasileira;
  • Nheengatu,com 7,2 mil falantes, 0,0038% da população brasileira;
  • Tukano com 7,1 mil falantes, 0,0037% da população brasileira;
  • Kayapó com 6,2 mil falantes, 0,0032% da população brasileira;
  • Makuxi com 5,8 mil falantes, 0,0030% da população brasileira.

O Censo considera as pessoas com mais de 5 anos de idade falantes dos idiomas. É importante destacar que os valores acima correspondem à relação entre população indígena e população geral brasileira estimada em 2010.

Você já conhece alguma dessas línguas indígenas?

Multilinguismo: o que é isso?

multilinguismo diz respeito a quantidade de línguas utilizadas por um indivíduo. Os povos indígenas convivem com situações que os permitem – ou que os obrigam – compreender e falar diversos idiomas além de sua língua materna.

No norte do país, ao longo do rio Uaupés, os indígenas em suas relações cotidianas interagem através de diversos idiomas. Além de falarem sua família linguística materna (Tukano) também falam Nheengatu, Espanhol e idiomas das famílias Aruak e Maku.

Línguas ameaçadas de extinção

Em contrapartida, existem pelo menos 86 etnias que já não possuem sua língua nativa. Esses grupos se localizam principalmente no Nordeste brasileiro e nos estados do Pará e de Rondônia. Neste último – conforme o linguista Hein van der Voort, pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi – mais de um terço das línguas indígenas possuem menos de 10 falantes.

Considera-se um idioma em risco de extinção quando falado por menos de mil pessoas, conforme os critérios internacionais. Nota-se, portanto, a situação de extrema vulnerabilidade que estão muitos dos idiomas brasileiros. A Politize! já possui um artigo sobre isso, caso queira saber mais sobre as línguas ameaçadas de extinção.

Veja também nosso vídeo sobre direitos étnico-raciais!

Existe diferença entre língua e dialeto?

A língua materna é portadora de princípios, de concepções, de normas e de saberes. Ela constitui parte essencial de uma comunidade étnica, especialmente em tradições e expressões orais. A língua frequentemente é utilizada como ferramenta prática para a transmissão do patrimônio cultural imaterial. A revitalização de línguas indígenas é a revitalização da identidade de um povo.

Para compreendermos de onde vem a diferenciação entre “língua” e “dialeto”, é preciso relembrarmos a Antiguidade. Nesse período, a língua grega possuía diferenças perceptíveis em cada região em que era falada. Foi quando surgiu o termo dialeto para rotular variações linguísticas regionais. Haviam, portanto, os dialetos ático, jônico, dórico, dentre vários outros.

Após diversos desdobramentos históricos e políticos, um desses dialetos foi eleito como referência e passou a ser ensinado amplamente. Por isso, acabou se consolidando como o idioma grego, precedendo o que chamamos hoje de língua oficial. Foi então que o termo dialeto passou a designar de maneira negativa as demais variações linguísticas.

A sociolinguística contemporânea evita o uso do termo dialeto, a fim de fugir do sentido pejorativo ou idealizado construído em torno do vocábulo, dando preferência ao uso da expressão variedade linguística.

Variedade linguística

O Brasil possui pelo menos dois grandes troncos linguísticos originários: tupi e macro-jê. Os “troncos linguísticos” são a categoria mais ampla neste ramo de estudo da linguística e reúnem famílias de idiomas com origem convergente.

Mas as línguas de um mesmo tronco podem apresentar imensas e múltiplas distinções entre si. O português que falamos ocupa o mesmo tronco linguístico que o hindi, idioma falado na Índia e o curdo, adotado no Iraque, na Síria e na Turquia.

Além destas três línguas isoladas – awetí, sateré-mawé e puruborá – as seguintes famílias constituem o tronco linguístico tupi:

  • tupi-guarani;
  • monde;
  • tuparí;
  • juruna;
  • mundurukú;
  • ramarána.

O tronco macro-jê, por sua vez, possui cinco famílias genéticas:

  • jê;
  • bororo;
  • botocudo;
  • karajá; e
  • maxakalí.

Além dessas, o tronco macro-jê compreende outras quatro línguas isoladas – guató, ofayé, rikbaktsá e yathê, também conhecido como fulni-ô.

estado de Pernambuco abriga nove etnias indígenas, dentre elas apenas o povo Fulni-ô ainda utiliza seu idioma nativo, o que os auxilia na conservação de sua identidade cultural.

Existem em nosso país pelo menos outras 19 famílias linguísticas que não apresentam grau de semelhança suficiente para que possam ser agrupadas em algum tronco linguístico. É o caso dos idiomas “aruak”, “karib”, “pano”, “tukano” e “tikuna” que, apesar de não pertencer a um tronco linguístico, é um dos idiomas indígenas mais populares aqui!

Inconsistência de dados

Entre 2010 e 2022, diversas fontes apontam a existência de 150 a 274 línguas indígenas no Brasil. Mas, por que existe essa variação?

Em 2010, o Censo realizado pelo IBGE apontou a existência de pelo menos 274 línguas indígenas faladas por indivíduos pertencentes a 305 etnias diferentes.

Os números são bastante otimistas, visto que a maioria dos linguistas reconhece que, no Brasil, os idiomas indígenas vivos não ultrapassam a média de 180 variações. O especialista Wilmar da Rocha D’Angelis, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estima a existência de apenas 150 a 160 idiomas diferentes no Brasil.

O Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística do Brasil (GTDL) atestou, em 2011, a existência de mais de 210 idiomas falados no Brasil e, dentre eles, 180 são indígenas. Esse grupo é constituído por representantes de diversos órgãos públicos como a Câmara dos Deputados e diversos Ministérios, além da sociedade civil e da UNESCO.

Considerando as limitações inerentes aos procedimentos de pesquisa demográfica em um território tão extenso como o Brasil, a inconsistência das informações é, além de compreensível, bastante provável, visto que nosso território abriga realidades tão diversas.

Soma-se a isso, as variações de compreensão a respeito das definições de língua e de dialeto. Essa é outra variável que influencia na quantificação e no reconhecimento de idiomas indígenas falados no Brasil. Ou seja, aqueles que consideram certos idiomas como “dialetos”, irão estimar uma quantidade menor de idiomas.

Por isso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é a principal fonte que utilizamos para analisar esses dados, tendo em vista seu rigor científico e sua fé pública.

Português: língua oficial desde quando?

O português reconhecido como idioma oficial brasileiro é permeado de termos provenientes das línguas dos povos nativos. Você sabia?

Antes da chegada dos portugueses no Brasil, estima-se que havia uma população de mais de 5 milhões de pessoas que falavam entre 600 e 1.200 línguas diferentes. É o que afirmam as pesquisas de Aryon Rodrigues, etnolinguista paranaense que foi pioneiro nos conhecimentos a respeito das línguas indígenas da América do Sul.

Serve-nos de instrumento de estudo a carta escrita por Pero Vaz de Caminha – considerada a primeira produção literária do Brasil. Apesar de a carta apresentar a perspectiva de um estrangeiro, nos diz bastante sobre a convivência entre os recém-chegados e os povos originários.

Até a metade do século XVIII, a língua portuguesa era pouco compreendida pela maioria da população do Brasil – formada por indígenas, negros e mestiços. Os colonizadores e missionários recém-chegados precisavam aprender as línguas locais para se comunicar com aqueles que viviam aqui.

Assim, antes do português, o tupi antigo tornou-se a língua franca da Colônia. Mais tarde o idioma se subdividiu em dois e ficou conhecido como “língua geral”.

A língua geral paulista era falada pelos missionários jesuítas e pelos bandeirantes. Eles a levaram de São Paulo a outros estados como Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Paraná.

A língua geral amazônica ou Nheengatu – que significa “língua boa” – foi utilizada na ocupação da região da Amazônia, sendo que, dentre as duas línguas gerais, somente esta permanece viva entre diversas etnias que ainda habitam o Norte brasileiro.

Ocorre que em 1758 o Marquês de Pombal decretou, desde Portugal, medidas decisivas a fim de restringir a influência da Igreja e controlar a atuação dos missionários na Colônia.

Com isso, os missionários foram então expulsos do território brasileiro; tiveram seus bens confiscados e ficou proibida a utilização das línguas gerais. Foram impelidos o uso e o ensino obrigatórios da língua portuguesa, o que, consequentemente, acarretou a extinção da língua geral paulista.

Dicionário Ilustrado Tupi-Guarani

Tentando superar o apagamento histórico, o Dicionário Ilustrado Tupi-Guarani tem a missão de divulgar e valorizar os saberes indígenas e a cultura ancestral brasileira.

O acervo está em constante elaboração. Ele permite a participação e interação dos usuários e são publicadas milhares de palavras de origem indígena. A maioria das palabras é derivada da família Tupi-Guarani e foram incorporadas ao português e à cultura brasileira sem termos nos dado conta de sua origem. Vale a pena navegar e explorar os verbetes!

Inventário Nacional da Diversidade Linguística

As políticas educacionais são fundamentais e indispensáveis para fortalecer as ações de reconhecimento e valorização das línguas indígenas.

Dentre as demandas mais populares dos grupos de falantes de línguas minoritárias está a busca por direito ao acesso de serviços públicos na sua língua materna, além da implementação de projetos de apoio à produção cultural literária e audiovisual, que favorecem a transmissão intergeracional dos saberes ancestrais.

Por meio do Decreto Nº 7.387, de 9 de dezembro de 2010, foi institucionalizado o Inventário Nacional da Diversidade Linguística. Esse inventário constitui um instrumento de dupla finalidade ao fomentar a produção de conhecimento sobre as línguas. Reconhece os idiomas indígenas como patrimônio e referência cultural brasileira.

Para que uma língua seja incluída no Inventário, é necessário reunir e apresentar uma documentação sobre seus usos, além de um diagnóstico sobre sua vitalidade.

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Ministério da Cultura já identificaram como Referência Cultural Brasileira sete línguas, dentre as quais seis são indígenas:

  • Asurini, pertencente ao tronco Tupi, da família linguística Tupi-Guarani;
  • Guarani M’bya, pertencente ao tronco Tupi, da família Tupi-Guarani, assentida como uma das três variedades modernas da língua Guarani;
  • Kalapalo, de família linguística Karib;
  • Nahukuá;
  • Matipu;
  • Kuikuro.

O inventário estimula a ampliação do mapa da diversidade linguística brasileira e da mobilização das múltiplas comunidades em torno da diversidade linguística.

Projeto de lei prevê línguas indígenas como cooficiais

Em 2022 a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei de nº 3074/19, proposto pelo deputado Dagoberto Nogueira (PSDB-MS), que pretende reconhecer as línguas indígenas enquanto idiomas cooficiais nos municípios que possuírem comunidades indígenas.

A língua cooficial partilha o status de oficialidade dentro dos termos jurídicos com outras línguas faladas em um determinado perímetro municipal, sem que haja sobreposição entre elas.

“A cooficialização se configura como um dos mecanismos possíveis para alcançar os propósitos tanto da legislação nacional quanto internacional de proteção das línguas originárias dos povos indígenas, contribuindo, consequentemente, para a valorização da pluralidade cultural e linguística do país”, manifestou a deputada indígena Joênia Wapichana.

E você, agora que já conhece o Projeto de Lei, pode acompanhar a tramitação além de participar da enquete criada pela Câmara dos Deputados votando e opinando sobre os pontos positivos e negativos que você venha a encontrar no PL 3.074/19.

Você já sabia que o Brasil é multilingue? Deixe nos comentários outros idiomas indígenas que você gostaria de conhecer!

Referências:
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