Txopai
Na vida anterior ao rompimento da barragem, os indígenas cultivavam, caçavam e pescavam na região. Eles também praticavam rituais, como o Awê, em que se reuniam para cantar e dançar. O rio era parte fundamental de tudo feito ali.
“O rio tem uma grande importância para nosso povo porque representa o Txopai. O Txopai é um deus que criou o Pataxó de um pingo d’água, então, não tem preço. Hoje, a gente vem aqui na beira do rio e vê um velório, um velório diante da nossa comunidade que não tem volta. Ele não vai recuperar nunca”, afirmou o cacique.
Água proibida
Desde 2019, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) recomenda a não utilização da água bruta do rio Paraopeba para qualquer fim, no trecho de Brumadinho até Pompéu, a aproximadamente 250 km de distância.
Segundo o órgão, nos períodos chuvosos, aumentam as concentrações de turbidez, sólidos em suspensão, manganês, ferro dissolvido, alumínio dissolvido e chumbo na água.
Para a analista de saúde da entidade que presta assessoria técnica independente aos indígenas, Núbia Vieira, o fim das atividades realizadas no rio – que garantia a comida na mesa da comunidade e era o principal lugar de brincadeira das crianças – também gera impactos na saúde mental.
“Além de ter perdido seu meio de vida e de trabalho, existe uma falta de perspectiva de futuro. As gerações que estão crescendo agora estão convivendo com essa falta de perspectiva, essa espera pela reparação”, disse Núbia.
Foto: Bárbara Miranda e Luisa Rivas – Arte/g1
Reparação
Os indígenas afirmam que a Vale não reparou os danos causados pelo rompimento da barragem, e as conquistas da comunidade nos últimos cinco anos foram doadas ou obtidas judicialmente.
A própria realocação das famílias foi determinada pela Justiça, em fevereiro de 2022. Naquele ano, fortes chuvas atingiram a aldeia, o nível do Paraopeba subiu – segundo o Ministério Público Federal, devido à deposição de rejeitos de mineração na calha – e as casas, o posto de saúde e os banheiros foram tomados pela água.
De acordo com o coordenador da assessoria técnica independente, Leandro Lopes, a consultoria responsável por mensurar os danos sofridos pelos indígenas em decorrência da tragédia ainda não foi contratada, o que impede a reparação.
“Como se repara algo que não se conhece? Esse é um problema, porque a reparação só vai ser efetivada a partir da realização desse estudo de danos”, afirmou.
Futuro
Enquanto isso, cacique Sucupira e a comunidade seguem resistindo e honrando as águas, o ar e a terra como podem.
“A minha esperança é ter um território, que a gente volte com nossos costumes, nosso Awê, ter contato com o solo, voltar a banhar no rio, ter a festa das águas na comunidade, reunir com outros povos Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe e ter a reparação justa. Isso é meu sonho e meu desejo”.
O que diz a Vale
Em nota, a Vale afirmou que “mantém o diálogo aberto com as comunidades indígenas afetadas pelo rompimento da barragem, sempre respeitando seus direitos e suas tradições”.
“Ainda em 2019, foi assinado, junto ao Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, um Termo de Ajuste Preliminar Emergencial, que definiu repasses mensais e outras obrigações da Vale, inclusive com a contratação de entidade para prestar assessoria técnica independente aos indígenas. Todas têm sido cumpridas”, disse a mineradora.
Segundo a Vale, entre 2022 e 2023, “reconhecendo e respeitando a autonomia e protagonismos dos indígenas, três grupos indígenas firmaram acordos com a empresa, homologados pelo Judiciário”.
“Esses acordos abrangem compensação integral dos danos, perdas e prejuízos individuais e coletivos, e garantem assistência à saúde complementar ao poder público até dezembro de 2027, sendo que parte desses valores já foram inclusive antecipados para os indígenas”.
A Vale afirmou, ainda, que recentemente adquiriu um terreno de mais de 300 hectares para realização da realocação temporária da aldeia Naô Xohã e que está em fase de contratação a entidade que fará os estudos socioeconômicos e de saúde referentes aos danos causados aos indígenas Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe.