14/09/2011
I Simpósio Internacional: Diálogos Interculturais da Fronteira Panamazônica
São Gabriel da Cachoeira, 12 de setembro de 2011
Pe. Justino Sarmento Rezende
Para este simpósio nós viemos de diferentes lugares. Estamos aqui dentro da Casa Ritual, Casa do Saber, Casa Cerimonial, Casa de discursos, de cantos, música, danças… Ela que nos acolhe como seus filhos e filhas que querem continuar sendo indígenas com seus saberes. Ela e todas as pessoas que estão aqui nos inspiram falar de temas importantes, ajudam fazer escolhas e decisões a favor de nossas vidas, nossas culturas e nossas histórias. Ela nos inspira sonhos bons que vão se tornar realidades para diferentes gerações de nossos povos que habitam em nossas regiões.
Nós apostamos em nossos sonhos. O encontro de pessoas tão diferentes como nós dentro de nossas culturas, com identidades e diferenças, com nossos saberes e conhecimentos, com nossas limitações e facilidades, com nossas realizações, com nossos sonhos bem positivos e esperançosos é de grande enriquecimento deste I Simpósio. Para quem sonha algo muito bom como é a Universidade Indígena, todas as dificuldades ficam para trás. O que nós queremos é algo muito bom e maior do que as nossas dificuldades.
Desde cedo, na sede da Federação das Organizações Indígenas [FOIRN] a nossa chegada causou admiração e espanto. Éramos muitas pessoas: lideranças indígenas, sábios, benzedores, adultos, jovens, crianças, estudantes, professores, gestores e gestoras das escolas; diretores e representantes de diversas instituições. É muito bonito ver a multidão de indígenas e não indígenas que desejam saber mais sobre o que se discute aqui, alguns com muita expectativa positiva e outros com medos e dúvidas. Isso é bonito, também. Elas nos fazem crescer e amadurecer.
Os diretores da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro [FOIRN] expressaram que a construção de Universidade Indígena é uma construção histórica nossa. Temos que ter paciência e sermos persistentes em nossos trabalhos de pensar. Por enquanto passaremos num período considerável para ouvir, falar, discutir e organizar nossas ideias e desejos. Alguém que não tem paciência vai desistir e desanimar. Mas saibamos todos nós, que já superamos muitas dificuldades, já construímos muitas histórias, conquistamos diversas realidades para o bem de nossos povos indígenas e suas comunidades. Estamos aqui discutindo novos interesses de nossas sociedades. A nossa Casa Ritual tem recebido muitas pessoas nesses momentos fortes que definem os destinos de nossos povos indígenas. Nós agora estamos desejando construir uma Universidade que seja de nosso perfil, nosso modelo indígena.
Nós conseguiremos o que nós queremos. Sentimos diversas dificuldades para atingir nossas metas, mas isso não deve nos impedir de caminhar. Nós estamos sonhando com algo muito melhor para as vidas das crianças, jovens e para todos aqueles que querem ensinar e aprender. Eles estarão no futuro bem próximo dirigindo as nossas sociedades. Orgulha-nos estar discutindo, dialogando sobre o que queremos e o que conseguiremos. Nossas histórias são quebras de barreiras colonizadoras e negadoras de nossas existências e nossas histórias. Construiremos novas histórias através de fortalecimento de nossas identidades indígenas que nos facilitarão bons diálogos e proveitosas negociações.
Para discutir e construir nossos projetos de educação e outros projetos nós teremos que estar baseados em nossas sabedorias, nossos conhecimentos, construídos pelos nossos antepassados… Para continuar vivendo hoje nós precisamos cultivar os princípios de vida indígena que depois se tornarão princípios e parâmetros na construção de universidade indígena. Faremos isso, com os pés no chão de nossas culturas, nossos saberes, mas também através de diálogos maduros, compromissos assumidos com responsabilidade, para a vida interna de nossos povos e para a vida mais global de nossas histórias.
Com a Universidade indígena construiremos a nossa autonomia, libertação, pois estávamos dependentes dos outros. Disso já se falou muitas vezes, nossas falas foram reconhecidas pelas instituições governamentais, mas vamos avançar e aprofundar mais em nossos conhecimentos indígenas e partir para a prática.
Foi observado que Universidade Indígena não deve se preocupar somente em preparar as pessoas para o mercado de trabalho. Mas a Universidade indígena deve levar as pessoas a assumir, principalmente, o seu protagonismo indígena para o bem dos povos indígenas.
As experiências internacionais de nossos vizinhos partilhados de seus trabalhos, realizações e conquistas, mostraram para nós que deve se privilegiar na construção do bem viver, autonomia e pensamentos indígenas. Essas realidades foram nos negadas por muito tempo. Agora nós indígenas devemos assumir pra valer nossas histórias indígenas. Mostraram também para nós que a Universidade indígena não nasce do governo, mas nasce da luta dos povos indígenas, da organização indígena, da política de revitalização das línguas, das autoridades, desenvolvimento dos territórios, recuperação da história.
A base do projeto universitário é revitalização das línguas e culturas. Repensar a educação indígena a partir de nossas comunidades, nossas realidades. Por isso, devemos educar e formar as pessoas conforme as necessidades de nossas comunidades: educação intercultural, bilíngue e comunitária. A Universidade indígena deve construir e fortalecer ideologias e filosofias próprias: pedagogia comunitária, que tenha modos de construir seus próprios conhecimentos; a economia indígena; direitos indígenas e direitos amplos; construir projetos que surgem das necessidades das comunidades e que posteriormente passam pelo processo de negociação com o governo e com outras instituições.
Fica bem evidente ainda na exposição das experiências internacionais de universidades indígenas que é importante fortalecer nossa consciência indígena e sobre o que nós estamos querendo atingir. Ficou evidenciado, pelo depoimento de estudantes, que a universidade deve favorecer a aprendizagem da escrita de suas próprias línguas e línguas nacionais. Deve favorecer a produção de interpretação de textos. Precisamos construir o material, ajudar na manutenção de sua cultura e outras aprendizagens. Produção de pensamentos indígenas. Ensinar de maneira simples onde os professores ensinem mostrando.
A Universidade indígena é um lugar onde se conscientiza sobre as culturas indígenas e onde se pratica. É o espaço onde se ensina a manejar os problemas das comunidades indígenas e ensina a construir projetos para ajudar nossas comunidades. É o lugar onde se prepara a defesa dos direitos dos povos indígenas. Universidade indígena é o espaço onde se desenvolvem projetos.
A Universidade indígena deve se preocupar com a libertação dos indígenas. Libertar de pensamentos e práticas colonizadores. A Interculturalidade que nós falamos significa dizer que devemos trabalhar para a conscientização dos povos indígenas, de nossa exploração. Estamos falando também que devemos aprender a manejar os instrumentos ocidentais com qualidade e responsabilidade, dialogar em igualdade com os não indígenas e saberes ocidentais (não indígenas).
Na universidade indígena a comunidade deve participar diretamente. A comunidade deve assumir para si quem vai estudar nessa universidade. Assim ele e ela criarão compromisso com suas comunidades de origem. Na universidade indígena, muitos conhecimentos devem ser ensinados pelos sábios indígenas e dentro de suas comunidades.
A construção de universidade indígena levará muitos anos e encontraremos dificuldades. Não devemos parar, mas devemos continuar construir nossas histórias. As nossas universidades indígenas da América estão abertas para acolher indígenas de diferentes países, pois somos todos parentes.
Algumas instituições continuarão expressando suas dúvidas sobre nossos discursos indígenas, nossos pensamentos indígenas. Se surgem tais dúvidas é sinal de que nós estamos expressando outros conhecimentos, diferentes dos pensamentos oficiais. Vocês e eu devemos apostar em nossas ideias, nossos pensamentos e eles vão nos levar para novas melhores realidades.
As pessoas vindas de lugares mais distantes são conhecedoras de suas realidades e suas necessidades. Quem está lá sentem outras necessidades e outras necessidades são semelhantes para todas as pessoas que vivem nas comunidades do interior e das que vivem nas cidades. Muitos jovens que concluem seus estudos de ensino médio desejam continuar seus estudos, mas não têm condições. Diante dessas necessidades a discussão da universidade indígena surge como uma nova possibilidade de aprender conhecimentos indígenas e não indígenas. Queremos fortalecer nossos modos indígenas de aprender, ensinar e praticar as nossas culturas. Queremos aprender os saberes construídos pelos nossos sábios. Por outra parte nós queremos aprender os saberes de povos não indígenas, saberes bons e práticas boas que vão ajudar as nossas vidas.
Na universidade indígena estudarão os nossos próprios parentes indígenas e outros não indígenas que querem estudar aqui. A universidade indígena deve ajudar na formação de profissionais em diversas áreas do saber. Essa universidade indígena deve ser comprometida com nossas culturas e vida das comunidades. Para chegarmos a tais metas precisamos de investimentos para formação de profissionais indígenas e não indígenas que trabalharão na universidade indígena, espalhadas em diversas regiões de nossa imensa região rionegrina, uaupesiana, tiquieiana, içanaiana etc. Aqui outras universidades federais, estaduais, particulares e outras instituições poderão nos ajudar bastante. Contaremos muito com o apoio de universidades indígenas existentes nos países latinoamericanos, pois eles são indígenas como nós e já construíram um longo caminho e eles têm muito para nos ensinar.
Os nossos parentes profissionais e estudantes devem ser comprometidos com as vidas humanas e nossas culturas. Devem ser pessoas muito boas para dar qualidade da nossa universidade. Não podemos nos esquecer de nossos indígenas estudantes casados e casadas. Precisamos estar atentos para organizar currículos que não afastem por muito tempo, se não for assim, eles e elas poderiam desistir diante das dificuldades que surgirem ao longo do caminho, principalmente quando sentirem saudades de seus amores.
Enfim, os nossos sábios indígenas que construíram bonitas e ricas histórias devem estar bem contentes e sorridentes conosco neste primeiro dia. O chão batido, esteios, os caibros e as duas portas dessa Casa Ritual hoje nos deram mais forças. Se nós chegamos aqui um pouco medrosos estamos saindo muito mais corajosos, estamos saindo mais unidos.