15/12/2020
Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a pandemia enviado pelo Ministério da Saúde ao Supremo não incluiu moradores de quilombos na primeira fase de imunização, embora eles estejam entre os grupos mais vulneráveis à doença
Sem data para o início da vacinação, em meio à menção sem anuência de pesquisadores, o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19 deixou de fora a população quilombola, uma das mais atingidas pela pandemia no Brasil comparativamente a outros grupos. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) enviou uma nota pública em que reivindica a inclusão de quilombolas no grupo prioritário do plano enviado pelo Ministério da Saúde ao Supremo Tribunal Federal (STF) no sábado (12).
Com base na nota, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) pediu aditamento à ADPF 741, tendo em vista que pode não haver disponibilidade para toda a população brasileira de imediato e a proposta governamental não incluiu a população quilombola dentro do grupo prioritário a ser vacinado na fase 1.
O documento destaca que, durante a pandemia, negros e indígenas foram mais impactados do que outros grupos, mas não foram adotadas as medidas constitucionais para proteção dessa população. Também destaca que, diante da negligência do governo federal, restou às organizações sociais apresentarem ao STF arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs 709 e 742) para que a Constituição seja cumprida, no que se refere à saúde dos indígenas e quilombolas. A nota destaca a maior ocorrência de mortes entre quilombolas devido ao novo coronavírus:
— No caso da Covid-19, a mortalidade entre os quilombolas é muito maior que na população em geral. A região Norte, em particular, que dispõe dos serviços mais precarizados, tem sido pesadamente afetada e concentra a
maior mortalidade para este segmento.
Pesquisador da Universidade Federal do Pará, o médico Hilton Pereira da Silva afirmou que a demanda já havia sido apresentada ao governo federal pela Abrasco em outro momento. No entanto, a reinvindicação não constou do plano enviado ao STF pelo Ministério da Saúde. Professor no programa de pós-graduação em saúde coletiva da UFPA, Hilton ressalta que a vulnerabilidade da população quilombola no Brasil se dá por diversos motivos: o isolamento das comunidades, a falta de políticas públicas para atendê-las e situações que levam ao desenvolvimento de comorbidades, como hipertensão e diabetes.
Há legislação específica para políticas de atendimento à população quilombola. A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra foi aprovada em 2009. A Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e das Florestas vigora desde 2012. Tais políticas preveem a implementação programas de saúde da família quilombola. O pesquisador alerta, porém, que foram poucas as equipes implementadas no Brasil. A estratégia também defende a atuação de agentes de saúde quilombolas e a instalação de unidades de saúde dentro das comunidades ou em áreas mais próximas — para que não seja necessário o deslocamento para áreas urbanas.
Silva defende políticas de assistência social voltadas especificamente para a demarcação de terras. “Quando não há a demarcação das terras, os quilombolas perdem uma série de direitos, por exemplo o direito ao financiamento da agricultura familiar, o direito ao financiamento da moradia rural, financiamento para melhoria das terras e das lavouras”, diz.
Ele lembra que as políticas estão previstas em lei, mas não estão sendo implementadas, o que leva às situações de adoecimento nas comunidades:
— As comunidades são menos assistidas nas necessidades de saúde e, portanto, acabam tendo mais doenças, mantêm as taxas mais altas de hipertensão arterial, diabetes, de anemia falciforme. Quando chega a Covid-19, estão mais vulnerabilizadas e corre-se o risco de ter maior taxa de infecção e mortalidade. É o que tem sido verificado em diversas comunidades.
Acrescentam-se a isso as dificuldades de deslocamento dessas populações. Em regiões como a Amazônia, chegar aos centros de saúde se torna tarefa mais complexa. “Quando não tem a unidade de saúde na sua área, os quilombolas tem que deslocar três, quatro de viagem de sua casa até a unidade de saúde mais próxima”, afirma. As doenças que não são tratadas em tempo acabam se agravando. “As pessoas já estão mais fragilizadas quando são acometidas pela Covid-19. Até chegarem às cidades e conseguirem um atendimento elas vêm a falecer”.
De acordo com o pesquisador, o Ministério da Saúde alegou falta de dados sobre o número de comunidades quilombolas no Brasil. “Uma das coisas que o governo federal tem alegado para não incluir as comunidades quilombolas no plano de vacinação é não saber o número de comunidades quilombolas existentes no Brasil”, afirmou. Segundo o pesquisador, essa informação foi solicitada ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Abrasco trabalha com a estimativa de 5,5 mil comunidades quilombolas em todo o Brasil.
O monitoramento aos casos e mortes de Covid-19 é realizado de maneira autônoma pela Conaq e o Instituto Socioambiental (ISA). De acordo com o levantamento, são 4.703 casos confirmados e 170 mortes registradas até a última atualização, realizada no dia 05. A Abrasco ainda argumenta que se o governo não prover uma ação específica de desconcentração de serviços para as áreas rurais, o acesso a vacinação pode ser um vetor adicional de ampliação das disparidades sociais e étnico-raciais.
| Márcia Maria Cruz é jornalista. |
Foto principal (Marcello Casal Jr/Agência Brasil): quando os quilombolas serão vacinados?