04/12/2018
Recusa do Brasil em receber o evento mostra futuro preocupante sobre políticas ambientais no país
Imagem: Americanos protestam contra a eleição do presidente Donald Trump durante a COP22 em Marrakesh Foto: Fadel Senna / AFP
Começou nesta semana em Katowice, na Polônia, a COP24, Conferência das Partes do regime internacional de mudança do clima. A conferência internacional segue até dia 14 de dezembro, buscando alinhar as regras para a implementação do Acordo de Paris, instrumento legalmente vinculante da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês) aprovado em 2015, que cria um arcabouço voluntário de redução de emissões de gases de efeito estufa e substituirá o malfadado Protocolo de Kyoto a partir de 2020.
A COP24 seria mais uma das conferências anuais de clima que ocorrem desde 1995 sem muitas novidades do ponto de vista de alterações de rota do regime. Mas as seguidas declarações polêmicas sobre mudanças climáticas feitas por representantes do próximo governo brasileiro e o anúncio, na semana passada, de que o país não mais sediaria a COP25 em 2019 dispararam um alerta e trouxeram o tema novamente para os holofotes.
Em 24 anos de Conferências das Partes, não há registro público de que algum país-membro tenha desistido da candidatura única depois de entregá-la ao secretariado. A candidatura brasileira para sediar a COP25 havia sido anunciada pelo ex-ministro do Meio Ambiente José Sarney Filho, em 2017, durante a COP23, e foi aprovada pelo Grupo Regional da América Latina e Caribe (Grulac) antes de ser submetida ao secretariado. Essa submissão só ocorreu em outubro deste ano, quando a Venezuela retirou sua oposição à proposta.
Assim que a candidatura foi protocolada, o Itamaraty publicou nota reforçando o protagonismo brasileiro no tema e o compromisso com o multilateralismo e com o cumprimento do Acordo de Paris. A nota do Itamaraty segue a linha da posição histórica do Brasil sobre o tema. O país é muito respeitado, nacional e internacionalmente, por seguir as bases de uma política de Estado e por ser um dos que mais ofereceram propostas com resultados concretos nas negociações, desde a “Brazilian Proposal” para o Protocolo de Kyoto até a diferenciação concêntrica para um acordo universal de clima que veio a ser o Acordo de Paris; além de ter tido papel relevante nas negociações do Plano de Ação de Bali e na Plataforma de Durban, trilhos que levaram ao famoso acordo atual.
Tratar o tema climático como política de Estado não é mera coincidência ou capricho, uma vez que, assim como as demais grandes questões ambientais globais, as mudanças climáticas têm tratamento de médio e longo prazo e precisam ser alinhavadas por políticas que imprimam certa regularidade e sejam pensadas com viés de futuro. São questões que envolvem dez, 20, 30 e mesmo 50 anos ou mais. E, como se tratam de questões globais, um país que busca enfrentar o problema sozinho não terá eficácia, mas fará grande diferença na conta final caso decida não participar.
A Convenção sobre Mudanças Climáticas foi assinada no Rio de Janeiro, na Rio-92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), uma das maiores conferências da ONU já realizadas. Foram também assinadas a Convenção de Diversidade Biológica (CDB) e as bases da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD). O Brasil é signatário das três convenções. Em 2012, o país recebeu novamente a conferência, a Rio+20, que aprovou as bases da chamada Agenda 2030: os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (SDGs, em inglês).
O histórico do Brasil como ocupante de um papel fundamental nessa área é inegável e respaldado pelo fato de o país ser o principal detentor da maior e mais biodiversa floresta tropical do mundo: a Amazônia (outros oito países também detêm parte da floresta em seu território: Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa). Esse papel – ainda que muitas vezes seja alvos de críticas e pressões por parte organizações e movimentos sociais, que defendem que o país deve seguir com cada vez mais ambição e mais conectado a uma perspectiva de direitos e menos de mercado –, funciona como um pilar que serve de equilíbrio dentro do processo negociador da Convenção. O Brasil perderá a chance de seguir nessa liderança.