Vivemos uma grave crise econômica, iniciada em 2014, desde a decisão das nossas elites de desestabilizar o governo federal. Buscavam uma vitória nas urnas que permitisse a implementação de um programa de retirada de direitos, venda das empresas públicas, flexibilização da legislação trabalhista e ambiental, e alinhamento aos interesses norte-americanos.
Passados seis anos, a situação só se agravou. A crise econômica se transformou numa enorme crise social. São 13,8 milhões de pessoas desempregadas, 13,6 milhões com potencial de trabalho mas fora do mercado e seis milhões de desalentados que já nem procuram trabalho. A fome voltou a ser realidade de milhares de pessoas. A participação dos salários na economia vem caindo vertiginosamente. Aumenta o número de bilionários e o lucro dos bancos, e, ao mesmo tempo, a já enorme desigualdade.
Convergência de crises
Essa crise econômica e social é também ambiental. A classe dominante que deu o golpe do impeachment em 2016, avançou também sobre as riquezas naturais: minérios, biodiversidade, água, biomas, terras. As queimadas são parte do projeto. A violência sobre indígenas, quilombolas, ribeirinhos, vazanteiros, povos da Amazônia e do Cerrado, faz parte do projeto.
Com papel destacado dos meios de comunicação empresariais se gerou uma onda de antipolítica, que difundiu o descrédito com partidos, e sobretudo contra a esquerda, que nos levou a eleição de um candidato de extrema-direita e ideias fascistas.
Passados dois anos de mandato, nossa classe dominante, e seus meios de comunicação e também os poderes da República – Judiciário e Legislativo -, convivem com ameaças constantes a ciência, a verdade, a democracia, as instituições com enorme tolerância. Pois, lhe é conveniente o autoritarismo.
Passados dois anos de mandato, nossa classe dominante demonstra enorme conivência com toda forma de autoritarismo
É esse autoritarismo que garante a implementação de medidas de desmonte do Estado, a retirada de direitos, o esvaziamento das políticas públicas, a “desconstituição” da Carta Constitucional de 1988.
Este ano, soma-se às crises que já vinham em curso uma enorme crise sanitária. Agravada pelo negacionismo do presidente da República, pelo neoliberalismo do ministro da economia, e inépcia de um ministro da saúde sem nenhum conhecimento na área.
Nosso drama social – com 13% das mortes no mundo pela pandemia do coronavírus, tendo apenas 2,8% da população mundial – só não foi maior pela existência do Sistema Único de Saúde (SUS). Uma política pública ameaçada, pois não escondem o interesse em privatizar as Unidades Básicas de Saúde, para assim, abrir espaço para os planos privados.
Classe dominante e sua resistência a mudanças
Não é novidade. Na história do Brasil nossas elites econômicas não titubearam em restringir a democracia, golpear as instituições e interromper projetos, sempre que perceberam que seus privilégios poderiam ser ameaçados.
O momento atual, de relativa estabilidade após a prisão de Fabricio Queiroz, amigo da família Bolsonaro, não esconde os planos do presidente da república em fechar instituições, perseguir adversários, atacar a ciência, a imprensa, a educação e os direitos sociais.
A medida que o governo avança, a situação se agrava. Diminui, a cada medida, as bases do Estado que poderiam num futuro governo retomar um projeto democratizante.
Restringe-se ainda mais as margens de atuação e intervenção na economia e novas blindagens são instauradas, esvaziando de papel o Estado: reforma da previdência, reforma trabalhista, emendas constitucionais, congelamento dos gastos públicos, autonomia do Banco Central, leilões do pré-sal, fatiamento da Petrobras, privatizações, etc.
As medidas neoliberais, adotadas desde 2015, dificultam um processo de solução dos reais problema do povo. Dilapidam o patrimônio nacional e os mecanismos que poderiam possibilitar a retomada do desenvolvimento, garantir direitos, distribuição de renda e implementar políticas públicas universais.
Nossos limites
Tirar lições dos acontecimentos políticos dos últimos anos a luz da história do Brasil é fundamental.
Chama a atenção o fato de, após quatro vitórias eleitorais para a presidência da república (2002 a 2014), não termos tido força para impedir o caráter golpista da nossa classe dominante. Caráter esse já estudado e analisado por pensadores brasileiros que, como disse Florestan Fernandes, demonstra a existência de “resistência atávica a mudança” por parte da nossa classe dominante. E nenhum apreço a democracia.
Fato é que ficaram temerosos com a possibilidade de que com a continuidade do projeto que vinha em curso desde 2002, reformas estruturais poderiam ser realizadas. Com isso, buscaram conter as forças populares e consequentemente a possibilidade de democratização do Brasil.
Na história do Brasil nossas elites não titubearam em restringir a democracia frente a ameaças a seus privilégios
As lições da história passada e recente, deixam claro a necessidade de atuarmos para politizar a sociedade. Demarcando claramente os contornos de um projeto popular. Para isso, precisamos retomar um trabalho de diálogo com a sociedade, ser presença junto ao povo, fortalecer as organizações populares e da classe trabalhadora, fortalecer a participação popular.
Sobretudo, precisamos de um enorme esforço na disputa de ideias. Defender e construir, na teoria e na prática, valores humanistas e solidários.
Eis as lições que nos deixam os países latino-americanos que, também golpeados no período recente, conseguiram resistir em melhores condições, e obter vitórias em sequência. É o caso da Bolívia, do Chile, da Argentina e da Venezuela. E agora, a derrota de Trump, nos EUA, que precisa ser creditada também as lutas populares e antirracistas.
Eleições de 2020 são uma oportunidade
O projeto das elites não se sustenta. Mesmo detendo um enorme oligopólio dos meios de comunicação. Portanto, mesmo tendo a capacidade de construção de sentido, valores, leituras a partir da sua ideologia consumista e individualista, deturpando fatos, escondendo a realidade, perde espaço pouco a pouco.
As eleições de 2020 são uma oportunidade de enfrentamento a esse projeto subserviente aos interesses internacionais. São oportunidade de discutirmos a cidade que queremos. As políticas públicas que queremos. A sociedade que somos, e a que podemos vir a ser. Jogarmos luzes nas nossas contradições, na enorme desigualdade social, na persistência da violência, do machismo, do racismo e do preconceito.
As eleições são oportunidade de conversarmos com familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho: a vida está boa? Que tipo de vereador e prefeito precisamos?
É oportunidade também para propagandearmos: partidos não são todos iguais, políticos não são iguais, projetos e propostas não são iguais. Quais partidos votaram a favor da reforma da previdência, da reforma trabalhista, do congelamento dos gastos públicos por vinte anos? Quais são os partidos que sustentam o atual governo federal?
O apoio ao governo federal se dá, dentre outros motivos, porque se acredita que o presidente tem força nos estados e nos municípios. Essas eleições podem intervir diretamente na disputa nacional.
Sobretudo, é oportunidade para construção de força social, estabelecermos vínculos, abrirmos contatos. Que possamos aproveitar das eleições para sairmos mais fortes e conscientes, nos aproximando do projeto popular que tanto sonhamos e precisamos.
Frederico Santana Rick é sociólogo e coordenador de políticas sociais do Vicariato Episcopal para Ação Social, Política e Ambiental da Arquidiocese de Belo Horizonte, militante da Consulta Popular e da Frente Brasil Popular.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Elis Almeida