Assassinato de Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Araújo – Por Vanessa Caldeira

16/06/2022

Vanessa Caldeira - Indigenista e Associada Cedefes

Com Bruno e Dom,

A todxs meus colegas de profissão e de causa, recebam meu abraço fraterno nesse momento tão duro e doloroso.

Não conheci Bruno pessoalmente. Eu o conheci por meio de vocês. Por meio de vocês, o admirei.

Nesse momento, sinto vontade apenas de estar c cada um de vcs, seja na vigília, seja em um encontro pessoal, carregado de emoção e solidariedade, sem necessariamente palavras. Palavras nesse momento são difíceis.

Como disse uma colega: estamos catatonicos.

Como disse outra colega: com a perda de Bruno, um pouco de nós se perde. Estamos no limite, mas somos teimosos.

Como disse outro colega: muito doloroso, muito perigoso, mas somos do tipo de pessoa que faz o que gosta, o que acredita.

São 25 anos no indigenismo e nunca vi nem vivi nada parecido com o que vivemos nos últimos anos.

O caso de Bruno e Dom chama a atenção por vários motivos. Homens, brancos, um deles, britânico. Desapareceram em serviço, na região amazônica, um, servidor federal indigenista e outro, jornalista. O desaparecimento deles ocorre após várias situações de intimidações, ameaças, crimes e denúncias.

Antes deles, Maxciel. Indigenista, assassinado, na mesma região. No entanto, à luz do dia, no centro da cidade, ao lado da filha e da esposa, com dois tiros na nuca.

Ser indigenista no Brasil nunca foi fácil, no entanto, nos últimos 4 anos, tem sido uma roleta russa até mesmo p aqueles que são servidores públicos federais.

A coletiva de imprensa da Polícia Federal na noite do dia 15, foi mais um exemplo do contexto caótico, violento e do projeto de governo que vigora. Na mesa, apenas representantes policiais e forças armadas. Nenhum indigena. Eles, que denunciaram o desaparecimento, iniciaram as buscas e foram determinantes p o encontro dos pertences deles na mata. Ninguém conhece melhor aquele territorio do que eles. E eles, não se furtaram a imediatamente os procurarem. Eles sabiam que algo grave havia acontecido.

Na mesa, nenhum representante da Funai. No chão, os jornalistas.

A coletiva teve início com a manifestação de pêsames do representante da polícia federal aos familiares e termina com a seguinte frase: a certeza de que os remanescentes humanos encontrados são do indigenista e do jornalista teremos apenas após a perícia. O que é isso?!

O conteúdo da coletiva foi uma autopromoção dos órgãos governamentais e militares envolvidos. Uma tentativa de mostrar empenho, dedicação e capacidade de resolução de um caso como esse. Uma clara e fraca tentativa de reverter a imagem do atual governo e a realidade dos fatos.

Dentre os auto elogios proferidos, foi dado destaque para a capacidade da força tarefa em adentrar um igapo por 25 minutos para chegar ao local indicado e orientado no local pelo suspeito preso, com todo aparato tecnológico e de equipamentos à disposição.

Indígenas e indigenistas vivem isso no seu cotidiano de trabalho e sem esse aparato todo à disposição. Ficou tão evidente a falta de preparo da equipe com esse tipo de ação, que não há palavras, nesse momento, para interpretar tudo isso.

O que aconteceu com Bruno e Dom poderia acontecer com muitos outros de nós, indigenistas. Certamente, muitos de nós tem uma história de ameaças p contar e que hj, repensa sua própria história e resignifica o fato de estar aqui, vivo, acompanhando tudo isso, acompanhando esse show de horror que os assassinatos de dois pares escancaram.

Não foi suficiente matar, foi necessário fazer o que fizeram com seus corpos. Ação carregada de simbolismo, como disse uma amiga. Ação carregada de ódio, frieza, violência. Esse é o contexto em que estamos imersos nesses últimos anos. Esse é o resultado da propagação do ódio e da impunidade.

Não foi suficiente o silêncio e a demora para uma atuação governamental. Foi necessário desqualificar o trabalho de Bruno e Dom. Foi necessário questionar a ética, a competência e a seriedade do trabalho deles. Foi necessário tentar culpabilizar e ameaçar dois profissionais que estavam desaparecidos! Surreal!

Um embaixador telefonar p as esposas e informar que os corpos foram encontrados e em menos de 24 horas, se desculpar por ter enviado uma notícia não confirmada?! Surreal!

Desrespeito, mais violência, mais descaso. Como disse: um show de horror!

Os assassinatos de Bruno e Dom reiteram nossa história colonial de dominação, ódio, rejeição e aniquilamento dos povos indígenas. Eles não foram brutalmente assassinados pq eram homens brancos, classe média, trabalhadores. Eles foram mortos porque defendiam os povos indígenas e seus territórios. São mortos os indigenas e aqueles q estão com eles.

Mas, por mais brutal que seja tudo isso, seguimos. A violência, as ameaças, a impunidade não vão inviabilizar a continuidade do trabalho, da luta e sobretudo, da esperança.

Que o canto de Bruno siga em nossos corações, nos alimentando na continuidade dessa trajetória. Que o canto, encante.

 

CLIQUE AQUI para assistir o vídeo com canto indígena de Bruno Pereira

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