05/10/2021
Representantes das vítimas do rompimento da Barragem do Fundão reclamam que Renova não cumpre acordos de reparação.
A garantia de maior participação, na mesa de mediação criada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (Região Central). Essa foi a principal reivindicação dos participantes da audiência que a Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou nesta segunda-feira (4/10/21).
Solicitada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT), a reunião debateu esse processo articulado pelo CNJ de repactuação da Bacia do Rio Doce, em decorrência dos impactos causados pela tragédia de 5 de novembro de 2015. Representantes dos atingidos e de entidades envolvidas reclamaram da morosidade da Renova em promover a reparação dos danos. Mais do que isso, criticaram o descumprimento de várias obrigações impostas por acordos assinados por essa fundação, criada por Vale, BHP e Samarco para atuar na reparação aos atingidos.
Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.
A representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Letícia Oliveira, lembrou os dois grandes acordos realizados entre o Ministério Público e a Renova. O primeiro, em 2016, de acordo com ela, resumiu-se a um grande “acordão que criou a Renova, sem nenhuma participação dos atingidos”.
Já o segundo, em 2018, teria surgido da “necessidade de participação informada dos atingidos”. O acordo previa, entre outros pontos, a garantia de assessoria técnica independente a essas pessoas e o orçamento para as suas comissões. “Quase nada foi implantado. As câmaras técnicas funcionam com limitação da participação dos atingidos”, relatou.
Letícia constatou que vários pontos prometidos pela fundação foram cumpridos de forma mínima ou totalmente descumpridos. “Está tudo aquém do necessário: em Bento Rodrigues, por exemplo, apenas dez moradias estão prontas e faltam mais de 100”, pountuou.
Sobre as indenizações, a convidada disse que a Renova as pagou a pouquíssimas pessoas. Segundo ela, foi criado na 12ª Vara da Justiça Federal, onde a ação tramita, um sistema indenizatório simplificado, chamado Novel. No entanto, esse sistema obriga a vítima a assinar um termo abdicando de outros direitos, caso receba a indenização oferecida. Até agora, 27 mil pessoas foram pagas, de acordi com a Renova, sendo que há mais de 300 mil atingidos a serem indenizados, informou Letícia.
Pleitos – Por fim, a representante do MAB apresentou outras reivindicações dos atingidos: além de assistência técnica independente, mudanças no Novel, a criação de programa de transferência de renda para os atingidos e de fundos, voltados a essas famílias e às áreas impactadas por barragens, bem como mudanças na governança, para se tornar mais participativa.
Luís Otávio de Assis, secretário-adjunto de Estado de Planejamento e Gestão, explicou que o Governo de Minas é uma das nove instituições convidadas pelo CNJ para participar da mesa de mediação. Também fazem parte os governos federal e do Espírito Santo, assim como os Ministérios Públicos e Defensorias desses três entes.
Descumprimento de acordos – A principal motivação de criação dessa instância, conforme o gestor, é o descumprimento das obrigações previstas nos acordos. “Não chegamos a 50% das obrigações cumpridas nem na parte ambiental nem na socioeconômica. Decisões são tomadas e não cumpridas, de modo que a reparação não está acontecendo”, constatou ele, concordando com o pleito dos atingidos de participarem desse processo.
Tragédia ambiental e social trouxe prejuízos econômicos e emocionais
Vários atingidos pela tragédia denunciaram a atuação irresponsável da Renova, que estaria se desviando do foco de agilizar a reparação dos danos, utilizando recursos em eventos e autopromoção.
Maria Célia de Andrade, produtora rural atingida em Conselheiro Pena (Vale do Rio Doce), disse que suas terras estão inférteis, sendo que a região tinha os terrenos mais férteis do Brasil. Com isso, não consegue produzir alimento para o seu gado leiteiro, que apresenta grande queda na produção.
Emocionada, ela relatou que, além do prejuízo financeiro, tem que conviver com a depressão e a ansiedade. “Isso nos corrói dia e noite”, afirmou, lembrando que sua pequena propriedade já foi uma unidade demonstrativa, que obtinha renda maior que grandes fazendas.
Advogados – Wellington Azevedo, do Fórum Permanente em Defesa do Rio Doce, criticou o fato de que só os advogados podem acessar o Novel. Na opinião dele, o novo sistema indenizatório estaria gerando uma competição entre advogados para atender a atingidos, cobrando comissões entre 10% e 30% do valor das ações. “As pessoas acabam aderindo, porque todo mundo quer receber alguma coisa”, lamentou.
Simone Silva, atingida de Barra Longa (Região Central), denunciou que a Renova é “uma máquina industrial de lavar o dinheiro dos atingidos”. Ela avalia que, depois do Novel, criaram-se comissões “do bem e do mal, sendo do primeiro tipo as que o juiz federal elege para não pedirem reparação integral. “As nossas comissões são tachadas de más, porque não aceitamos a proposta de quitação final”, indignou-se.
Comissão da ALMG acompanhará repactuação
Elaine Pereira Neto, garimpeira atingida em Mariana, defendeu que a Assembleia crie uma comissão de deputados e atingidos para acompanhar a nova repactuação. Dulce Maria Pereira, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), concordou com a proposta de criar a comissão e foi além: sugeriu a Beatriz Cerqueira que esse colegiado, organizada pela ALMG, seja independente e tenha a participação de atingidos, cientistas e pesquisadores.
A professora complementou que julga inadmissível o estágio em que as negociações estavam: “É vergonhoso que a ação dos Poderes e da área jurídica ainda seja tão lenta. Foram retirados direitos constituídos. Agora, querem obrigar as pessoas a assinarem um papel abrindo mão de seus direitos”, condenou.
Contaminação – Sobre os estudos realizados pela UFOP, ela declarou que “os 55 milhões de metros cúbicos expandidos por todo o Rio Doce geraram impactos geoquimícos e geofísicos superiores aos provocados por muitas guerras”. Ainda conforme relatou, a contaminação do leite, da carne, do peixe e de outros alimentos por arsênio, mercúrio e outros metais pesados segue causando males à população da bacia.
Ainda de acordo com Dulce Pereira, o interesse das corporações está absolutamente atendido no processo de firmar pactos e não cumpri-los. Além disso, ela definiu como inaceitável a Política Estadual dos Atingidos por Barragens não ter sido regulamentada até hoje pelo Governo de Minas.
Providências – Ao final da audiência, Beatriz Cerqueira criticou a ausência dos atingidos nas negociações. Em atendimento à sugestão da professora da UFOP, a deputada anunciou que proporá a criação de comissão independente no âmbito do Legislativo. A instância terá como função acompanhar o processo de repactuação das indenizações de reparação pelos danos provocados pelo rompimento da barragem da Samarco.
“Enquanto o Estado tratar a criminosa como parceira, as mineradoras acharão mais lucrativo deixar romper uma barragem do que garantir a segurança dos seus empreendimentos”, lamentou a parlamentar.