22/10/2020
A audiência está marcada para acontecer na tarde de hoje (22), a fim de um acordo sobre parte das Ações Civis Públicas ajuizadas pelas Instituições de Justiça e pelo Estado de Minas Gerais, referente aos danos causados pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (2019)
Assim como aconteceu na bacia do rio Doce, assistimos mais uma vez a tentativa de realizar um grande pacto entre as partes sob a aparência de resolução do conflito. Conforme anunciado pelo jornal O Tempo na noite de ontem (21), as partes teriam chegado em consenso sobre o pedido de julgamento antecipado parcial realizado pelos autores Estado de Minas Gerais, Ministério Público e Defensoria Pública, no dia 24 de agosto.
No pedido realizado após provocação do juiz Elton Pupo para que as partes se manifestassem sobre os danos apontados inicialmente e sem precisar de mais provas, o Estado de Minas Gerais requereu aproximadamente 26 bilhões de reais a título de danos que sofreu em sua arrecadação, remuneração e geração de emprego, e as demais partes autoras requereram mais 28 bilhões a títulos de danos morais coletivos e danos sociais.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) vê com muita preocupação a tentativa de se chegar a um acordo dessa proporção sem a participação dos atingidos, de amplo debate pela sociedade civil e pelos outros poderes do Estado de Minas Gerais. É preciso ressaltar que apesar do Estado ser legítimo em seu pedido e em suas justificativas, as propostas de programa de reparação apresentadas pelo governo criam um verdadeiro orçamento de exceção, autorizando obras e gastos sem que esses valores passem pelo processo orçamentário adequado previsto na Constituição Federal.
Além disso, os programas pouco apresentam relação com as reais necessidades dos atingidos e atingidas da bacia do Paraopeba, e parecem interessar mais ao governo, cujo déficit orçamentário pode chegar a 20 bilhões após a crise do coronavírus – estão previstos 11 bilhões em fortalecimento do serviço público e 5 bilhões em mobilidade, incluindo a construção do Rodoanel e melhoria e aumento do metrô. Apesar de já ter anunciado propostas de governança para a gestão desses valores, o governo de Minas Gerais aproveitou a pandemia para não mais realizar reuniões com os atingidos e atingidas para a construção da proposta, decidindo por “passar a boiada”.
Reafirmamos que a Vale deve sim reparar e indenizar os danos realizados pelo rompimento da barragem em Minas Gerais, especialmente naqueles efeitos pouco visíveis que serão sentidos pelos mineiros e pelos atingidos e atingidas da bacia do Paraopeba por anos. Mas assim como fez na bacia do rio Doce, o governo de Minas Gerais não pode se aproveitar do dinheiro da reparação dos atingidos para atropelar os processos democráticos e a participação popular garantidos constitucionalmente.
Qualquer tipo de acordo tomado de maneira leviana a fim de mera condução do processo para que o Sistema de Justiça e o Estado brasileiro não passem vergonha mais uma vez por não garantirem o devido andamento e a razoável duração do processo, representará uma violação dos direitos humanos e um retrocesso na justiça do país, que deveria ter como papel principal a reparação integral dos atingidos.
A falta de uma decisão qualificada que garante que os danos ainda não diagnosticados sejam efetivamente reparados, gera mais insegurança jurídica e aqui é importante que sejam valorizadas a segurança jurídica dos atingidos e não dos acionistas da Vale. Isso sem que haja alegação da empresa criminosa de já ter cumprido seus deveres de responsabilidade, e garantindo o trabalho de diagnóstico dos danos feito pelas Assessorias Técnicas Independentes e pela perícia técnica do juízo.
Por fim, muito menos deverá ser realizado qualquer acordo que rebaixe o pedido sobre os danos morais coletivos e danos sociais. Sabemos que nesta esfera é incalculável toda a dor e sofrimento que os atingidos passaram, vem passando e ainda passarão na bacia do Paraopeba. Os danos nestes territórios atingidos se estenderão por anos e afetarão diversas gerações. Por isso não é possível que a empresa reincidente e denunciada por diversos outros casos de violações de Direitos Humanos no Brasil e no mundo não seja punida de maneira exemplar também no âmbito civil. A responsabilidade civil brasileira prevê também que a condenação deve ter seu efeito pedagógico no infrator e assim deve ser feito.
O MAB reafirma que a Vale é uma empresa criminosa, cuja conduta é movida pelo lucro e não pelo desenvolvimento humano, e que somente uma condenação que afete expressivamente suas finanças poderá causar impactos que levem a empresa a efetivar a reparação integral. O Sistema de Justiça não pode fechar ok olhos para essa realidade e se fechar nos objetivos internos desse ponto. Uma condenação por danos morais coletivos e danos sociais nesse momento é fundamental, inclusive para o processo de reparação integral, mas contando que não se negociem direitos. A participação informada dos atingidos e o seu reconhecimento enquanto atores que devem decidir sobre os rumos da própria reparação não podem ser esquecidos pelos sistemas de justiça.
Águas para a vida, não para a morte!