Cortes em programas sociais pirou a vida no campo e devolveu 50 milhões de brasileiros à pobreza
Thomas Bauer/CPT
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Pelo PAA, governo compra produtos a preços de mercado da agricultura familiar e os oferece a instituições públicas, gerando renda em comunidades rurais

Raimundo Miranda, 61 anos, é um pequeno agricultor e produtor de mel que vivi com a mulher e três filhos na casa que construiu perto da cidade de Campos Lindos, no Tocantins. Até 2016, sua esposa recebia apoio econômico do programa Bolsa Família, mas o benefício foi cortado subitamente.

Mesmo com dezenas de pedidos ao departamento de assistência local para que o benefício fosse restabelecido, a família segue sem a assistência. “Tudo isso é tão doloroso para nós”, disse. Em muitos dias, a família luta para levar comida à mesa.

A família Miranda está entre os milhares de brasileiros que sofrem privações profundas, grupo que aumentou nos últimos anos, quando o governo federal usou a crise econômica para promover cortes no orçamento de benefícios sociais, parte do pacote de medidas de austeridade severas. “É um programa de austeridade devastador, maior do que o que vimos na Europa, exceto na Grécia”, avalia David Stuckler, professor de análise de políticas na Universidade de Bocconi, em Milão, na Itália.

A partir de 2016, mais de 50 milhões de brasileiros passaram a viver em situação de pobreza, com uma renda de 387 reais por mês, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O programa Bolsa Família beneficiou cerca de 14 milhões de famílias em 2013 — o que equivale a um quarto da população do país. O programa é reconhecido internacionalmente como um dos maiores e mais bem-sucedidos do mundo.

Em 2016, o presidente Michel Temer se comprometeu a reduzir em 10% o número de pessoas que recebiam o benefício. “O que o governo federal sempre defendeu foi a necessidade imperativa da aplicação correta dos recursos públicos”, disse um porta-voz do governo. “Quando a atual administração assumiu, implementou o maior pente fino do programa em sua história e descobriu que havia 1,1 milhão de benefícios sendo pagos incorretamente”.

Como resultado, em 2016 e 2017 foram feitas grandes reduções no número de famílias assistidas, 1,5 milhão de pessoas a menos recebendo o benefício em julho de 2017 em relação a julho de 2014.

Os especialistas apontam para a ligação entre os cortes severos dos programas sociais e a intensificações na pobreza, desemprego e desigualdade nas comunidades rurais do Brasil. No ano passado, a pobreza extrema aumentou pelo terceiro ano consecutivo, em 11%, engolindo 14,8 milhões de brasileiros, enquanto que a mortalidade infantil aumentou pela primeira vez em 20 anos. Enquanto isso, a concentração de riqueza cresceu no Norte, Nordeste, Sul e Centro-Oeste do País.

O fim do Bolsa Verde

Silvia Pinto dos Santos é pescadora e mãe de três filhos. Vive no estado da Bahia, onde pratica e ensina métodos de pesca sustentáveis, além de limpar os rios locais retirando plásticos. De 2012 a 2017, Silvia recebeu 300 reais a cada três meses do governo por seu trabalho de conservação. Em outubro do ano passado, o benefício foi interrompido de repente.

Lançado em 2011 pelo governo de Dilma Rousseff como parte de seu programa “Brasil sem miséria”, o principal objetivo do Bolsa Verde era dar incentivos financeiros para pessoas em situação de pobreza que apresentassem comportamentos ambientais conscientes.

A iniciativa aliou os objetivos de conservação, proteção sustentável da biodiversidade e erradicação da pobreza extrema no Brasil. A ajuda chegou às famílias em algumas das regiões mais remotas do Brasil.

Em 2015, no governo de Dilma, o orçamento do programa foi cortado. Em 2016, sob a administração de Temer, as reduções se tornaram mais severas. Então, em 2018, o Bolsa Verde foi extinto, uma perda significativa de renda de 50 mil famílias. “Desde que foi cortado, minha vida tem sido muito difícil”, diz Santos. “Estou sozinha aqui com meus três filhos, era uma tábua de salvação para nós”.

Como um grupo, os beneficiários ficaram conhecidos como “guardiões da floresta” e, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente, protegeram 288.000 quilômetros quadrados, uma área aproximadamente igual em tamanho à Itália. Desse território, 94% estava dentro do bioma amazônico.

Um funcionário do Ministério, falando sob condição de anonimato, explicou que o programa foi cortado porque foi visto como uma “iniciativa de assistência social”, característica do governo anterior. “Foi muito mais um movimento político do que técnico ou orçamentário”, ressaltou.

Aquisição de Alimentos

Antônio José Alexandre Viera, de 54 anos, mora em Formosa, um pequeno assentamento no estado do Tocantins. Ele costumava vender mandioca, arroz, feijão e abóbora ao governo como parte do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Essa iniciativa federal compra produtos a preços de mercado regionais de pequenos agricultores familiares e os oferece a instituições públicas, como escolas, hospitais e forças armadas.

Viera diz que o sistema costumava trazer uma boa quantia de dinheiro mas, há três anos, o PAA foi cortado para toda a comunidade. Os moradores foram informados de que seria reintegrado em breve, mas a promessa não foi cumprida.

Em todo o País o programa sofreu cortes orçamentários abruptos, caindo de 840 milhões de reais em 2012 para 360 milhões de reais em 2017.

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Antonio Jose Alexandre Viera tinha renda estável do Programa de Aquisição de Alimentos, mas benefício foi cortado (Foto: Anna Sophie Gross)

Seca do Programa Nacional de CisternasO Programa Cisternas, introduzido durante o governo Lula – que levou técnicas para armazenamento e gerenciamento de águas pluviais para as comunidades das regiões mais secas e mais pobres do Brasil – é outro que sofreu cortes.

Desde 2003, mais de 1,3 milhão de cisternas foram instaladas, oferecendo água potável e para a produção agrícola durante a estação seca. O Programa ganhou o Prêmio Prata de Política para o Futuro em 2017 em reconhecimento à promoção do desenvolvimento rural sustentável das populações em extrema pobreza.

No entanto, desde 2015, o programa sofreu reduções orçamentárias profundas, caindo de 377 milhões de reais em 2013 para 46 milhões de reais em 2017. O Ministério do Desenvolvimento Social argumenta que sua decisão de reduzir o investimento no programa é resultado de seu sucesso imprevisto.

No entanto, de acordo com a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), os cortes no orçamento resultaram em mais de 350 mil famílias que não recebem as tecnologias de água potável necessárias. E, talvez, a redução do programa não poderia vir em um momento pior para a população pobre, quando o País é atingido por secas mais intensas.

Marcelo Neri, professor da Fundação Getúlio Vargas e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), examina as drásticas reduções nos programas sociais em um contexto histórico.

Ele observa que entre 1991 e 2015, uma quantia enorme foi investida na melhoria da condição humana por sucessivos governos. Agora, a maré da vontade política mudou. “A elite [rica] do Brasil se cansou de ver a desigualdade caindo”, afirma.

Ainda assim, ele alerta para a condenação generalizada de todos os cortes orçamentários, observando que a economia brasileira está atualmente em uma situação precária. São as escolhas de onde as reduções são feitas que preocupam. “Essas escolhas certamente não são favoráveis aos pobres. Há sinais claros de deterioração social, mas não vejo que o debate no Brasil esteja muito preocupado com isso”, conclui.

*Este artigo foi publicado originalmente em Mongabay.com. Para ler a versão ampliada em inglês clique aqui.

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