Levantamento realizado pela Comissão Pró-Índio de São Paulo publicado hoje (20/12) aponta que no primeiro ano do terceiro mandato, o Governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) expediu títulos definitivos de terra que beneficiaram 1.163 famílias quilombolas de 6 territórios e concluiu etapas importantes de 64 processos.

Os títulos emitidos por Lula já superam os de todo governo Bolsonaro, que emitiu títulos de porções da área de quatro territórios. Além disso, o Governo atual já reconheceu e declarou mais de seis vezes mais terras quilombolas do que quatro anos de gestão Bolsonaro, que publicou apenas oito portarias declaratórias.

Para a CPI-SP, os avanços registrados nos processos de titulação conduzidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) permanecem sinalizando o compromisso político do atual Governo com a regularização das Terras Quilombolas.

Contudo, os desafios para a conclusão dos 1.800 processos abertos no órgão permanecem e precisarão ser enfrentados. Faz-se necessário garantir orçamento adequado para o atendimento da demanda e ampliar a equipe técnica do Incra para conduzir e concluir os processos de regularização.

Regularização fundiária em 2023

Apesar do avanço nas titulações, todos os títulos expedidos pelo governo federal neste ano regularizaram porções dos territórios quilombolas. Isto é, restam áreas das comunidades beneficiadas a serem tituladas.

No primeiro ano de governo, foram emitidos 10 títulos em benefício de 1.163 famílias quilombolas de seis terras, localizadas nos estados de Minas Gerais, Sergipe, Bahia e Ceará. Ao todo, somam-se 6.341,8797 hectares regularizados.

UF Terra Quilombola População (famílias) Nº Títulos Área titulada (hectares) % TQ titulada
MG Brejo dos Crioulos  630  3  2.292,6899  13,25%
SE Lagoa dos Campinhos  130  2  117,6286  9,3%
SE Serra da Guia  200  2  860,4359  9,55%
BA Curral da Pedra  102  1  2374,8485  52,60%
CE Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras  67  1  506,5615  25,85%
CE Sítio Arruda  34  1  189,7153  56,74%

No dia 20 de novembro deste ano, o Governo Federal também concedeu o uso de 2.479,2844 hectares a 48 famílias quilombolas de Ilha de São Vicente (Tocantins). A área corresponde a 99,1% do declarado como terra quilombola pelo Incra em 2020. A forma jurídica escolhida para essa regularização foi a de Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU). O CCDRU consiste em um contrato por meio do qual a Administração Pública concede o direito de uso – e não de propriedade – de um bem imóvel da União.

A CPI-SP entende ser um reconhecimento importante, mas por não se tratar de um título definitivo de propriedade da terra, como garantido pela Constituição Federal às comunidades quilombolas, diferenciamos essa modalidade de regularização da contagem dos demais títulos expedidos.

Liderança da Boa Vista com o título em mãos (1995, Oriximiná, PA). A primeira comunidade a conquistar o título de sua terra. Conheça a história dessa luta. Foto: Arquivo CPI-SP.

Avanços nos processos de titulação conduzidos pelo Incra

Segundo o Observatório Terras Quilombolas da CPI-SP, atualmente tramitam no Incra 1.800 processos para titulação de territórios quilombolas.

Além das titulações parciais, o Incra deu passos importantes em 64 processos de regularização fundiária de terras quilombolas. Doze Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID) foram publicados, identificando como terras quilombolas 109.795,3779 hectares em benefício de 1.690 famílias.

A publicação do relatório técnico é uma etapa inicial do processo, primeiro momento em que os limites territoriais de um quilombo são informados pelo Estado brasileiro. Do total de processos abertos no Incra, somente 17% avançaram até a etapa publicação do RTID. Essa peça do processo é requisito para que as comunidades possam acessar políticas e programas, como o de gestão e proteção de terras quilombolas.

Além dos RTIDs, foram reconhecidos e declarados 291.595,2305 hectares de 52 territórios, lar de 7.138 famílias quilombolas de 21 estados brasileiros.

Também foi republicada a Portaria da Terra Quilombola Jaó, localizada no município de Itapeva, no estado de São Paulo. O território de 165,8325 hectares já havia sido reconhecido e declarado em 2018, beneficiando 64 famílias.

Momento importante, a publicação da portaria assinada pela Presidência do Incra finaliza a etapa de identificação dos limites da terra quilombola, mas ainda não conclui o procedimento. Após a declaração, os processos podem seguir caminhos diferentes até a demarcação física, a emissão de títulos de propriedade e o registro do título definitivo em cartório.

Para a CPI-SP os avanços registrados em 2023 foram bastante significativos. As 52 portarias declaratórias publicadas em 2023, por exemplo, representam quase 25% do que foi reconhecido em 20 anos de política de regularização fundiária regulamentada pelo Decreto 4.887/2003.

Porém são 1.800 processos a serem concluídos, o que mostra o tamanho do desafio para ser enfrentado. Mesmo que o atual presidente tenha assumido um compromisso político com as comunidades quilombolas, a CPI-SP entende que o processo atual é moroso, burocrático e que o Incra precisa ser fortalecido para dar conta da enorme tarefa.

Por fim, cabe lembrar que a obrigação de dar efetividade à Constituição Federal é do Estado brasileiro, e portanto, também do Poder Legislativo. Entretanto, o tamanho da bancada conservadora na atual composição do Congresso Nacional é um enorme obstáculo para a regularização fundiária e proteção de terras indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais no Brasil.

Quilombo Ivaporunduva (Eldorado, São Paulo). Titulado pelo Governo do Estado de São Paulo, em 2003, e pelo Incra, em 2010. Foto: Arquivo Carlos Penteado.

Titulações estaduais

Além das titulações feitas pelo Governo Federal, estados e municípios também regularizam territórios quilombolas.

Em 2023, o Pará foi o Estado que mais regularizou terras quilombolas. O Instituto de Terras do Pará (Iterpa) emitiu títulos para 1.072 famílias quilombolas de 15 territórios.

Érica Monteiro, da Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará (Malungu), falou sobre o papel desempenhado pelo movimento para essas conquistas: “Esse momento pra gente é muito importante, porque representa a legitimidade dos movimentos quilombolas aqui do Estado do Pará. A Malungu vem fazendo uma belíssima atuação na articulação e na organização política das comunidades quilombolas do Estado do Pará, e vem dando subsídio no acompanhamento dos processos de regularização fundiária das comunidades quilombolas do Estado”.

O Instituto de Terras do Maranhão (Iterma) também titulou outras três terras quilombolas: Deus Bem Sabe, em Serrano do Maranhão, e Malhada dos Pretos e Santa Cruz, localizadas no município de Peri-Mirim. Foram beneficiadas 334 famílias.

Por fim, o Piauí titulou as terras quilombolas Mimbó, em Amarante, e Sumidouro, no município de Queimada Nova, beneficiando 107 famílias. Ainda, segundo o Instituto de Terras do Piauí (Interpi), também foram tituladas as terras Potes e Paquetá, localizadas no município de São João da Varjota, beneficiando 107 famílias quilombolas, além do território Chupeiro, localizado no município de Paulistana.

A CPI-SP protocolou um pedido de acesso à informação ao Interpi em 29 de novembro, a fim de obter maiores informações sobre os territórios titulados. Até o momento desta publicação as informações não foram enviadas e o órgão prorrogou o prazo para apresentar sua resposta.

Os Estados são os maiores responsáveis pelas titulações de terras quilombolas no Brasil. Eles concentram 79% das regularizações realizadas, sendo o Pará e o Maranhão os estados que mais titularam desde que o direito à terra pelos quilombolas foi constitucionalmente garantido em 1988.

Caso Mãe Bernadete e proteção de lideranças

No dia 16 de agosto de 2023, a liderança quilombola Bernadete Pacífico foi brutalmente assassinada no terreiro do Quilombo Pitanga dos Palmares, localizado na região metropolitana de Salvador. “Mãe Bernadete”, como era carinhosamente conhecida, era coordenadora nacional da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e lutava por sua comunidade, ameaçada pela especulação imobiliária, grilagem e por um aterro.

Desde então, sua família, o movimento quilombola e entidades parceiras da sociedade civil demandam justiça por sua morte e de seu filho, Flávio Gabriel Pacífico. “Binho do Quilombo”, como era conhecido, liderança engajada na defesa do território, também foi assassinado em 2017.

A investigação segue sem desfecho. Neste mês de dezembro, o Ministério Público Federal da Bahia divulgou que aguarda o compartilhamento das provas do inquérito sobre o assassinato que foram colhidas pela Polícia Civil, para poder avaliar, junto à Polícia Federal, se existe alguma lacuna na apuração conduzida pelas autoridades estaduais.

A CPI-SP se soma à CONAQ e outras organizações da sociedade civil para exigir que o Estado brasileiro dê celeridade à investigação para que os responsáveis por essa atrocidade sejam devidamente responsabilizados.  É dever do Estado proteger lideranças ameaçadas em áreas de conflito; concluir a titulação das terras e assegurar condições de permanência segura de famílias quilombolas em suas comunidades.

Sobre o Observatório Terras Quilombolas

Desde 2002, a CPI-SP monitora como o direito à terra garantido pela Constituição Federal de 1988 tem sido efetivado pelo Estado brasileiro.

O Observatório conta com apoio da Embaixada da Noruega e de Misereor. As informações e opiniões apresentadas aqui são de responsabilidade da CPI-SP e não podem ser tomadas como expressão do posicionamento desses apoiadores.

Créditos

Coordenação e edição: Carolina Bellinger

Pesquisa e texto: Julia Gibertoni Leite

Pesquisa: Isadora Fávero