17/04/2020
Após levantamento junto às comunidades, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) chega a conclusão de que a COVID-19 já é realidade nos quilombos. Há diagnósticos em cinco Estados: 29 monitoramentos, sete casos confirmados e dois óbitos. Esses dados foram apurados entre os dias 15 e 16 de abril.
O cenário que já se desenhava com incertezas quanto a assistências aos quilombos desde o início da pandemia, se torna assustador com a constatação de que a vulnerabilidade das comunidades aliada às negligências do setor público pode se transformar no maior genocídio da população quilombola desde o fim do período escravocrata. Em parceria com a Alma Preta, a CONAQ noticiou os primeiros casos confirmados em 14 de Abril.
Ciente de que as políticas públicas, no que se refere ao acesso à saúde, não chegam à maioria dos quilombos e quando chegam, são precárias. A CONAQ teme pela segurança da saúde da população quilombola. “A grande maioria das comunidades está em municípios cujas estruturas de serviços de saúde são as piores. Ainda sem contar com todo efeito estruturado e estruturante do racismo que impede que essas comunidades tenham um melhor atendimento em relação às políticas públicas”, ressalta a coordenadora Givânia Silva.
Há ainda a possibilidade de que o número de quilombolas com suspeitas da COVID-19 sejam ainda maiores do que os relatados no início da matéria, haja vista a precariedade de distribuição de testes pelo Ministério da Saúde, sobretudo, para os municípios mais distantes dos grandes centros, onde está boa parte dos quilombos.
Somente nesta semana, sete comunidades de cinco Estados relataram a confirmação de pessoas infectadas nos territórios. Neste mesmo período ocorreram dois ábitos: 1 no Amapá e outro em Pernambuco.
Amapá, com dois casos confirmados, teve o primeiro óbito por COVID-19 entre quilombolas no Brasil. A vítima, um homem de 57 anos, era quilombola da Comunidade Abacate da Pedreira e ultimamente morava e trabalhava na capital Macapá. Ele era diabético, hipertenso e tinha problemas respiratórios. Também no Amapá, o quilombo Ressaca da Pedreira tem um caso confirmado, em período de recuperação.
As duas comunidades do Amapá somam juntas 250 famílias. À matéria publicada pela Alma Preta Jornalismo em 16 de abril, o Estado do Amapá por meio da Secretaria de Saúde negou que a vítima se trata de um quilombola. Mas, a coordenadora da CONAQ no Amapá, Núbia Cristina, comprovou a origem quilombola da vítima. “Nós não temos o monitoramento quilombola, o caso aparece no quadro geral do Estado. No caso do óbito, o rapaz trabalhava na cidade e ficou registrado como se ele fosse de um bairro – de Macapá – ele não era do bairro, era da Comunidade mesmo” afirma.
O Estado disse ainda que tem realizado ações de higienização nas comunidades quilombolas. Entretanto, as comunidades desconhecem o trabalho de higienização. A coordenadora afirma que a única ação da Secretaria de Saúde nas comunidades foi para distribuir a vacina H1N1 para os grupos de riscos e que, nem as campanhas de conscientização on-line abrangem todas as comunidades: “pois a grande maioria não tem internet”, relata.
Em Pernambuco que também tem registro de óbito, a Coordenação Estadual de Articulação de Comunidades Quilombolas de Pernambuco (CEACQ) denuncia a negligência do Estado e cobra medidas emergenciais junto às comunidades. Entre as reivindicações da CEACQ – publicadas em nota oficial na última quinta-feira, 16 – está a “Instalação Imediata de um comitê de crise estadual em decorrência do novo Coronavírus junto as Comunidades Quilombolas; 2. Acesso imediato aos Equipamentos de Proteção Individual- EPI produzidos no estado com incentivo estatal em decorrência das necessidades impostas pelo novo Coronavírus e outras doenças. 3. Seja garantido acesso imediato à água para uso doméstico e potável nas comunidades quilombolas, com abastecimento por carros pipas, abertura de poços artesianos e construção de cisternas nas comunidades que ainda não os tem”, pontua. Leia a nota na íntegra aqui
A dificuldade de acesso à água nos quilombos tem sido denunciada pela CONAQ em entrevistas concedidas pela coordenadora Givâna Silva. “Quando a gente fala dos cuidados básicos com a higiene, nós lidamos com uma situação também difícil, tem muitas comunidades, sobretudo no semiárido que não tem água potável para beber. Então, como que você vai lavar as mãos? Como que você vai se higienizar se você não tem nem água potável para beber?” questiona a coordenadora. Veja aqui a entrevista concedida ao JusDH
Em Goiás, o quilombo Professor Jamil – Comunidade Boa Nova – tem dois casos confirmados. São homens com cerca de 70 anos que se encontram internados na UTI do Hospital de Campanha de Goiânia. Mas, na tarde de 16 de Abril, outro quilombola da comunidade entrou em monitoramento como suspeita, relatou a presidente da Associação, Luzia Cristina. Assim como a CEACQ a Associação Quilombola Professor Jamil, também deseja participar do Comitê de Gestão de Crise do Município.
À ASCOM da CONAQ, Luzia Cristina, descreveu a dificuldade de acesso às políticas públicas e até mesmo de diálogo com as autoridades públicas locais. “Eles engolem a gente, não estão nem aí. A CONAQ precisa encaminhar um ofício também para o prefeito e o secretário. Eles têm que saber que alguém está de olho. Foi montado um comitê de crise, mas, não tem representante quilombola” enfatizou.
Na Bahia, há o diagnóstico de um caso. Uma jovem de 24 anos que esteve em São Paulo antes de retornar para a Comunidade Mata Verde – no centro Norte da Bahia, apresentando os sintomas após a chegada. “Na verdade ela mora em São Paulo, veio para o velório do avô, mas, não chegou a tempo. Ela foi esperada na rodoviária de Canarana e esta sendo assistida desde que chegou aqui” disse, Ildilene Ferreira, liderança local. A comunidade tem 204 famílias.
No Estado do Rio de Janeiro, o quilombo de Rasa em Armação dos Búzios, tem 28 quilombolas em monitoramento, desde o último dia 15, após um jovem de 26 anos ser diagnosticado com COVID-19. Ele não é quilombola, mas, mora no território e teve contato com outras pessoas. Wagna Maria de Oliveira, quilombola e agente administrativo da Secretária de Saúde do município, informou na tarde do dia 16, que o jovem infectado tinha sido internado juntamente com a esposa, também não-quilombola, e os quilombolas monitorados continuavam estáveis.
Logo no início da pandemia, a CONAQ alertou sobre a vulnerabilidade das comunidades frente ao cenário da proliferação do coronavírus no Brasil. Além da ausência de infraestrutura na saúde pública dos municípios mais próximos às comunidades – vide nota oficial da CONAQ – nos quilombos chega a faltar água potável.
A CONAQ avalia ainda que o descaso do governo com a população quilombola vai além da não titulação dos territórios – fator indispensável à produção e segurança alimentar. “O que a CONAQ vem dizendo é que o Coronavírus é um agravante de um quadro que já é grave, que é o descaso com poder público com as comunidades quilombolas que não é apenas, no que se refere a regularização dos territórios, é muito mais ainda em políticas que são públicas, universais e que chegam a determinadas camadas da sociedade, mas, não chegam aos quilombos. Esse é um fator importante e que potencializa o coronavírus nas comunidades quilombolas”, explica a coordenadora Givânia Silva.
Em relato à Ascom da CONAQ, Lucival Carvalho, 50, quilombola de Vila Velha do Cassiporé – AP, denuncia: “a falta de política pública vai expor o meu semelhante, vai expor o meu irmão negro diante dessa pandemia mundial. Então o que se deixou de fazer, tudo aquilo que falta nas nossas comunidades quilombolas agora vem à tona com essa chaga, essa pandemia mundial. Essa ausência da política pública (no Amapá) vai ser exposta a partir desse relatório que estamos preparando”, ressaltou. Enquanto conversávamos com o senhor Lucival, a nossa comunicação foi interrompida devido a uma queda de energia que consequentemente afetou a conexão da internet. Tivemos que continuar o diálogo no dia seguinte.
Com todo esse cenário, o governo federal na contramão, deu início ao processo de expropriação de Alcântara e evidencia a necropolítica sempre defendida por ele. A CONAQ emitiu uma nota de Repúdio . “Nós não temos parado. Nós, temos produzido material, denunciado esse descaso da gestão pública em relação aos quilombos, temos mobilizado parceiros, temos mobilizado as comunidades, junto com outras organizações em defesa dos direitos humanos e, sobretudo, as de defesa dos povos do campo e da floresta, nós temos atuado fortemente no sentido de fazer com que essas questões circulem”, pontua Givânia.
Em 31 de Março a CONAQ encaminhou um ofício para o Congresso , solicitando a suspensão do trâmite dos processos que tem por finalidade impactar a vida dos quilombolas durante a pandemia, de maneira específica: Medida Provisória nº 910 de 2019; PEC 215/2000; PEC nº 190/2000; PEC nº 161; PL nº 1606/2015; PL nº 5263/2016; PL nº 3452/2012.
“Temos acompanhado em dois espaços – que são: o Núcleo Agrário do Partido dos Trabalhadores e o Núcleo Agrário da Câmara dos Deputados – a tramitação dos projetos de leis que tem a ver e que se relacionam com as ações de combate, prevenção e apoio às pessoas vítimas da pandemia”, relata Givania.
Dessa forma a CONAQ tem se mobilizado apesar das limitações, como relata Givânia, para assegurar as comunidades o Direito a Informação e também as políticas públicas indispensáveis à garantia do Direito à vida. “E desse lugar de movimento que nós temos tentado com todas as nossas limitações, as nossas dificuldades e distanciamento e falta de estrutura, mobilizar as autoridades, chamando a atenção para os cuidado com as comunidades quilombolas do Brasil”, assegura.