10/11/2020
Para o professor e pesquisador Antônio Andrioli, desafio é construir conhecimento em favor da natureza, aliando ciência e conhecimento das comunidades rurais
O Brasil tem tudo para fazer da agroecologia seu modelo hegemônico de produção de alimentos e torná-los saudáveis, sem o uso de agrotóxicos e, por isso, sem agredir o meio ambiente. A opinião é do professor do mestrado em agroecologia da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Antônio Andrioli.
“Essas condições se devem à enorme disponibilidade de recursos naturais, à vasta biodiversidade, diferentes climas e às muitas experiências já consolidadas no país com o apoio de recentes políticas públicas, como a compra de alimentos para a alimentação escolar e os mercados institucionais”, afirma. Ele refere-se a ações dos governos petistas, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a obrigatoriedade da destinação de 30% dos recursos da alimentação escolar para compra da agricultura familiar. Essas ações exitosas, aliás, são tratadas por Andrioli em Que Brasil é Esse? (Editora CRV), livro publicada recentemente no Brasil após publicação na Alemanha.
O Brasil tem até mais condições do que a Alemanha, onde a agroecologia é o tema do momento. No entanto, seguindo orientações da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e tratados internacionais envolvendo o aquecimento global, aquele país está empenhado em construir centros de conhecimento voltados à produção de tecnologias ambientalmente sustentáveis em diversos países. É o caso das nações africanas, que vinham de cooperação com universidades e governos da América Latina, mas que não puderam dar sequência por causa de mudanças nos rumos da política interna no Brasil.
Agraciado em janeiro passado com o Prêmio Baviera de Proteção Ambiental 2020, do Bund Naturschutz (Amigos da Terra), de Munique, Andrioli conhece bem a realidade alemã desde 2001, quando deu início ao mestrado em universidade naquele país. Ele conta que o governo de Angela Merkel está oferecendo condições especiais de subsídio, crédito e isenções de impostos para a chamada “produção limpa”, menos poluente e que economize energia, na qual está incluída também a produção de alimentos. Afinal, o país ocupou a vanguarda da defesa do clima e dos direitos humanos.
Como a maioria dos consumidores em todo o mundo está à procura de alimentos saudáveis, as empresas estão se posicionando para atender a esse mercado. Conhecida pela produção de pacotes tecnológicos para as áreas da agricultura e da saúde, a alemã Bayer está preparando ‘pacotes para a agricultura orgânica’. “Acredito que as próximas gerações serão muito mais ativas do ponto de vista ambiental. Então, muitas empresas estão tentando se adaptar aos cenários futuros, produzindo para um público mais preocupado com saúde e meio ambiente. Além disso, não podemos esquecer que existem inúmeros tratados e acordos internacionais que influenciam governos a apoiar uma agricultura menos poluente.”
Entretanto, ressalta, as empresas não têm nenhum problema em exportar seus produtos altamente tóxicos, poluentes e rejeitados para os países do assim chamado Terceiro Mundo. Contam, inclusive, com o apoio e a conivência de governos de países da Ásia, África e América Latina.
“O acordo proposto pela União Europeia com o Mercosul é um desses exemplos, prevendo redução de taxas alfandegárias para a exportação de agrotóxicos e medicamentos. A Bayer comercializa 12 ingredientes ativos no Brasil que não são autorizados na Europa. E, essa venda ainda tende a aumentar, muitas vezes em combinação com cultivos transgênicos.”
Engajado durante muito tempo na crítica a uma forma de produção de conhecimentos despreocupada com a saúde e o meio ambiente, Andrioli (na foto) é um dos organizadores do livro As Sementes do Mal (Editora Expressão Popular). Nos últimos anos, colocou no foco da sua pesquisa o fortalecimento no Brasil da agroecologia. Por isso, dedica-se hoje à construção de propostas viáveis para a produção de alimentos saudáveis – o que, evidentemente, não dispensa a crítica.
“Para produzir de forma agroecológica é necessário superar a forma mecanicista, reducionista e positivista de interpretar a natureza. Estou empenhado na construção de conhecimento que esteja mais coerente com os novos rumos que a agricultura mundial terá que tomar se quisermos ter uma chance de vida futura para a humanidade.”
Na sua concepção, as universidades e institutos públicos de pesquisa terão grande papel nesse novo contexto, tendencialmente mais favorável à agroecologia no Brasil, para que o controle do conhecimento esteja vinculado às organizações dos agricultores e consumidores.
Como todas as grandes transformações são produzidas a partir das contradições da realidade, ele acredita que é somente a mobilização social e política em defesa da saúde que motivará essa mudança. E isso demanda a ação coletiva em torno de uma mesma necessidade – de se alimentar de uma forma mais saudável.
“Acredito que com a mobilização pelo direito constitucional à saúde, no qual está incluída a qualidade de vida, teremos novas possibilidades de construir uma outra forma de produzir alimentos. O direito humano à alimentação e a um meio ambiente saudável também é do agricultor e da agricultora que estão produzindo em condições insalubres e insustentáveis.”
Nesse sentido, o desafio é construir conhecimento em favor da natureza, aliando descobertas científicas com o conhecimento tradicional das comunidades rurais que há muito produzem alimentos sem usar uma gota de veneno. Por outro lado, já foram dados os primeiros passos por muitos agricultores que praticam a agroecologia e a agrofloresta. Produtores rurais, que para Andrioli precisam ser reconhecidos pelos governos e a sociedade, remunerados adequadamente pelos serviços ambientais que prestam ao bem comum. “É o caso da preservação das águas, da vida e do trabalho no campo. Que Brasil será esse? O Brasil do futuro, com mais vida e uma vida melhor.”