13/05/2021
Proposta também cria licença ‘autodeclarada’ para empreendimentos de baixo impacto ambiental; relator diz que texto reduz ‘burocracia cega’. Ex-ministros veem ‘regime de exceção’.
A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (13) o texto-base do projeto que flexibiliza normas e dispensa uma série de atividades e empreendimentos da obtenção de licenciamento ambiental. Foram 300 votos a favor e 122 contrários.
Para concluir a aprovação do projeto, os parlamentares precisam analisar os destaques, propostas que visam modificar o conteúdo. A previsão é que os destaques sejam votados na sessão desta quinta.
O texto, apresentado em 2004, foi relatado pelo deputado e ex-ministro da Agricultura Neri Geller (PP-MT), um dos integrantes da Frente Parlamentar Agropecuária, conhecida como bancada ruralista.
Segundo o relator, a lei busca reduzir “insegurança jurídica” em relação ao licenciamento. Para ex-ministros do Meio Ambiente, no entanto, a proposta distorce e fragiliza o procedimento, criando uma espécie de “regime de exceção”.
Entre outros pontos, o projeto:
Para Neri Geller, a proposta reduz a “burocracia cega” e permite que órgãos ambientais foquem na análise técnica e na fiscalização.
“Em nosso quadro atual, o gestor não possui um parâmetro seguro para atuar, o empreendedor fica à mercê de uma gritante imprevisibilidade e o meio ambiente não é preservado”, escreveu Geller.
Ex-ministros, contudo, criticaram a urgência na discussão e disseram que o texto prejudica o desenvolvimento sustentável do país.
“Ao contrário do interesse maior do Brasil de promover o desenvolvimento sustentável em convergência com nossas metas de proteção da biodiversidade e de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, o projeto em referência praticamente fulmina de morte um dos principais instrumentos que deveria nos guiar para alcançar tais metas”, afirmaram 9 ex-ministros em uma carta aberta divulgada na segunda-feira (10).
Durante a análise do texto, a deputada indígena Joênia Wapichana (Rede-RR) chamou a proposta de “mãe de todas as boiadas” e disse que é uma “estratégia escancarada, via desmonte ambiental, para beneficiar exclusivamente os grandes empreendimentos, agronegócios, hidrelétricas, ferrovias, mineradoras, linhas de transmissão de energia”.
O líder da oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), disse que o texto aprovado na Câmara “jamais foi debatido com a sociedade, com ambientalistas, cientistas e especialistas”.
No entanto, para Kim Kataguiri (DEM-SP), defensor da proposta, o texto traz segurança jurídica “ao unificar 27 mil normas”, entre portarias, decretos e resoluções da União, estados e municípios.
O texto dispensa 13 empreendimentos ou atividades do licenciamento ambiental, entre elas obras para distribuição de energia elétrica até o nível de tensão de 69 quilovolts e sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário.
Também não precisarão de licenciamento, caso o texto seja aprovado:
Conforme ex-ministros do Meio Ambiente, as alterações, especialmente as relacionadas às usinas de reciclagem de resíduos da construção civil, têm potencial impacto em regiões urbanas, sobretudo nas periferias, afetando comunidades carentes.
Além disso, o relator dispensou de licenciamento:
Segundo Geller, o licenciamento neste caso “seria desnecessário e irracional” e indicaria “mero procedimento burocrático sem qualquer benefício ambiental”, uma vez que as atividades já estão sujeitas a normas específicas que regulam a cadeia produtiva.
O projeto também cria a figura da licença ambiental por adesão e compromisso (LAC), considerada pelos parlamentares uma licença autodeclarada que poderá ser obtida sem fiscalização de órgãos ambientais.
Segundo o texto, essa modalidade poderá ser concedida se a atividade ou empreendimento não for considerado um potencial causador de degradação ao meio ambiente e:
Conforme o texto, as informações fornecidas pelos solicitantes da licença deverão ser conferidas e analisadas pela autoridade licenciadora “por amostragem”, incluindo a realização de vistorias, estas também “por amostragem”.
Os ex-ministros da área criticam este ponto por acreditarem que essa passará a ser a regra predominante para o licenciamento ambiental, obtida automaticamente e sem controle prévio.
Esta modalidade de licenciamento também poderá ser aplicada a serviços e obras direcionados à ampliação de capacidade e pavimentação em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão.
“Isso abrange empreendimentos cuja implantação historicamente causa mais de 95% do desmatamento na Amazônia, como a pavimentação ou a ampliação de estradas e a ampliação de hidrelétricas, os quais poderão ser realizados sem a adoção de qualquer medida destinada a conter o impacto do desmatamento e da grilagem de terras no bioma”, criticam os ex-ministros em carta.
Durante a votação no plenário, o relator colocou uma trava no texto para que atividades minerárias de grande porte ou de alto risco não possam se beneficiar das alterações do projeto. Com isso, esses empreendimentos vão continuar seguindo as regras do Conselho Nacional do Meio Ambiente. A mudança é vista como uma pequena vitória da bancada ambientalista em plenário, que articulou este acordo.
Outra mudança feita em plenário, a pedido da bancada ambientalista, foi a previsão de que a licença autodeclarada para duplicação de rodovias não pode ser feita quando houver “significativo impacto ambiental”.
A proposta também concentra o poder decisório sobre o licenciamento ao órgão regulador – o Ibama em nível federal e demais autoridades licenciadoras em nível estadual e municipal -, retirando o poder de veto das comunidades indígenas.
Segundo o relator, todos os atingidos e autoridades envolvidas serão ouvidos, “mas é preciso concentrar o poder decisório nas autoridades licenciadoras, pois são elas que possuem o corpo técnico adequado para a análise e que têm o dever funcional de autorizar ou não o empreendimento”.
O projeto permite ainda o licenciamento bifásico de empreendimentos lineares.
Licenciamento bifásico é, na prática, a junção de duas licenças em uma só. Empreendimentos lineares são aqueles projetos de infraestrutura necessários a atividades humanas e que se estendem por grandes áreas, como linhas de transmissão, dutovias, hidrovias, ferrovias, rodovias entre outras.
Atualmente, é exigida uma licença para a instalação das redes e outra para autorizar o início da operação.
Pelo texto, ferrovias, linhas de transmissão de energia, gasodutos e minerodutos poderão adotar o procedimento bifásico de licenciamento. Caso haja condição específica que justifique licenças em fases distintas, as autoridades poderão requerer o licenciamento trifásico.
Saiba outros pontos previstos no projeto: