Carta dos Povos Indígenas do Cerrado e da Caatinga – Desafios para a Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas

01/10/2018

Fonte:http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/5058-carta-dos-povos-indigenas-do-cerrado-e-da-caatinga-desafios-para-a-gestao-ambiental-e-territorial-das-terras-indigenas?limitstart=0#

Os biomas Cerrado e Caatinga, riquíssimos em biodiversidade e provedores de importantes serviços ambientais, encontram-se há séculos ameaçados por vários ciclos econômicos e atualmente sofrem com o avanço do agronegócio e de grandes projetos de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, apresentam alta vulnerabilidade aos efeitos das mudanças do clima, que ameaçam tanto os ecossistemas como o bem-estar de suas populações.
(foto da capa: Terra Indígena do Povo Xavante – Edison Bueno/Funai)

 

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Influência preponderante das mulheres no Seminário Desafios Gestão Ambiental e Territorial no Cerrado e Caatinga (fotos: Kézia Abiorana/Funai)

 

O Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul. Representa um quarto do território brasileiro e compreende uma área de aproximadamente 2.000.000 km², abrangendo 12 estados. Além disso, está presente através de enclaves nos biomas da Mata Atlântica, Caatinga e Amazônia. Embora detenha 5% de toda a biodiversidade mundial, nas últimas cinco décadas 48% de sua cobertura nativa já foi convertida em monoculturas. As 109 Terras Indígenas que estão no Cerrado correspondem a uma área de 8.876.227 hectares, isto é, 4,35% do bioma, além de outras áreas em reivindicação e regularização. Elas são as áreas mais preservadas e têm um papel fundamental para a conservação ambiental do Cerrado. Em um cenário de transformações sociais e de pressões externas, a gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas no Cerrado é uma agenda estratégica para os povos indígenas e para o país.

Diante desse cenário, a Funai, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Fundo Clima, lançou em 2014 a Chamada Pública Implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI (Edital nº 001/2014 – BRA PNGATI 13/019). A ação visou apoiar a elaboração de Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) nas Terras Indígenas dos biomas Cerrado e Caatinga e selecionou 14 projetos, que contemplaram 21 Terras Indígenas dos povos Terena, Karajá, Xavante, Bakairi, Kaxixó, Tapeba, Kapinawá, Xakriabá, Tremembé, Tapuio, Xerente, Pankararu, Kambiwá e Guajajara. Esses projetos abrangeram 785.152 hectares no Cerrado e 65.621 hectares na Caatinga, alcançando aproximadamente 39 mil pessoas nesses dois biomas.

Considerando ainda esse contexto, com base no resultado da Chamada de Apoio a Elaboração e Implementação de PGTAs do Fundo Amazônia, a Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável (SEDR/MMA) constatou a necessidade de elaborar um edital específico para o Estado do Maranhão. Em 2016, com recurso do BRA 08/012 do MMA, a SEDR lançou o edital Chamada Pública de Apoio a PGTAs no Estado do Maranhão. Para essa chamada, foram selecionados cinco projetos nas Terras Indígenas Caru, Governador, Canela, Porquinhos e Turiaçu.

A Caatinga é o bioma predominante na região Nordeste, ocupa 844.453 Km² e é o único bioma exclusivamente brasileiro. Entre os biomas de clima semiárido do mundo, é o mais biodiverso, com uma grande riqueza de ambientes de flora e fauna que caracterizam a paisagem de 10 estados do Brasil. Habitam hoje na Caatinga, 45 povos indígenas com uma população em torno de 90 mil habitantes. São 36 Terras Indígenas em diferentes situações fundiárias, numa área total 139.086 hectares. Elas têm em comum a caraterística de serem áreas reduzidas e sofrerem intensas pressões de projetos de mineração, agropecuária, hidroelétricas, usina nuclear, parques eólicos, linhas de transmissão de energia, rodovias, ferrovias, entre outros, que geram degradação sociocultural e socioambiental.

Os territórios indígenas cumprem papel central na conservação do Cerrado e da Caatinga e conectam diferentes biomas do país. Prestam importantes serviços ambientais como a manutenção de recursos hídricos, contenção do desmatamento e redução das emissões de carbono na atmosfera. Além de serem responsáveis pelas áreas protegidas mais bem conservadas nesses biomas, os povos desses territórios são detentores de conhecimentos e de práticas tradicionais de manejo, recuperação e conservação dessa biodiversidade.

 

carta cerrado e caatinga b

O Seminário contou com a presença do diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável (CGPDS/Funai), Rodrigo Paranhos [primeiro à direita]

 

Diante desse cenário, a Funai, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Fundo Clima, lançou em 2014 a Chamada Pública Implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI (Edital nº 001/2014 – BRA PNGATI 13/019). A ação visou apoiar a elaboração de Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) nas Terras Indígenas dos biomas Cerrado e Caatinga e selecionou 14 projetos, que contemplaram 21 Terras Indígenas dos povos Terena, Karajá, Xavante, Bakairi, Kaxixó, Tapeba, Kapinawá, Xakriabá, Tremembé, Tapuio, Xerente, Pankararu, Kambiwá e Guajajara. Esses projetos abrangeram 785.152 ha no Cerrado e 65.621 hectares na Caatinga, alcançando aproxima-damente 39 mil pessoas nesses dois biomas.

Considerando ainda esse contexto, com base no resultado da Chamada de Apoio a Elaboração e Implementação de PGTAs do Fundo Amazônia, a Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável (SEDR/MMA) constatou a necessidade de elaborar um edital específico para o Estado do Maranhão. Em 2016, com recurso do BRA 08/012 do MMA, a SEDR lançou o edital Chamada Pública de Apoio a PGTAs no Estado do Maranhão. Para essa chamada, foram selecionados cinco projetos nas Terras Indígenas Caru, Governador, Canela, Porquinhos e Turiaçu.

Os instrumentos de gestão resultantes desses projetos sistematizaram um conjunto importante de informações sobre os contextos socioambientais vividos por esses povos e identificaram potencialidades, ameaças, indicando ações relacionadas aos temas abaixo:

1. Arranjos de implementação (Financiamento e governança)

• Garantir a criação de um fundo para implementação da PNGATI a fim de viabilizar a execução dos PGTAs já elaborados e apoiar a elaboração de novos PGTAs, priorizando o Cerrado e a Caatinga e incluindo a Mata Atlântica, Pantanal e os Pampas.
• Diversificar os financiamentos para outros ecossistemas e paisagens além da Amazônia.
• Criar modalidades de fomentos e apoios que possibilitem o acesso direto das associações indígenas e promover formações em gestão de projetos.
• Incidir politicamente para acessar recursos que já estão disponíveis, como o ICMS Ecológico e outros, para promoção da gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas nos respectivos biomas.
• Garantir que orçamentos anuais já existentes (LOAs, PPAs, PII, etc.) contemplem a execução de projetos.

2. Proteção e vigilância territorial

• Criar e fortalecer a formação dos indígenas agentes ambientais, valorizando as práticas tradicionais de gestão, e garantir a aquisição de equipamentos (drones, imagens de satélite, sistema de comunicação, etc.) e estrutura física de apoio e insumos para ações de vigilância.
• Buscar mecanismos de proteção para impedir ou dificultar o acesso de facções criminosas dentro das Terras Indígenas.
• Fortalecer e tornar permanente as brigadas indígenas.

3. Recuperação e proteção das nascentes (Recursos hídricos e acesso à água)

• Promover formação técnica e política em gestão das águas a fim de aumentar a inserção indígena nos comitês de bacias hidrográficas e incidência nas mobilizações indígenas.
• Fortalecer e implementar a disseminação de tecnologias sociais para captação e usos da água em quintais produtivos.
• Revitalizar nascentes, matas ciliares e bacias hidrográfica, além de valorização e registro das formas tradicionais de manejo de nascentes.
• Promover redes de sementes e mudas de espécies nativas e agroflorestais para recuperação ambiental.
• Usos de práticas agrícolas tradicionais e outras práticas que favoreçam a permanência de água nos territórios.
• Repensar o manejo integrado de fogo dialogando com práticas tradicionais.

4. Produção sustentável e segurança alimentar

• Valorizar produtos da sociobiodiversidade.
• Fortalecer o produto indígena por meio de selos identificadores.
• Promover autonomia e segurança alimentar através de sementes crioulas, tradicionais, apropriadas.
• Promover redes e bancos de sementes crioulas para a produção agroecológica das Terras Indígenas.
• Promover intercâmbios sobre técnicas produtivas adaptadas às mudanças do clima e áreas degradadas associados a planos de mitigação e convivência com o Semiárido e Cerrado.
• Fortalecer os sistemas produtivos tradicionais para garantir a autonomia alimentar.
• Incentivar a implantação de sistemas agroecológicos e quintais produtivos.
• Assistência técnica contextualizada (ATER, VIGISUS, Carteira Indígena etc).

5. Educação – formação para gestão territorial e ambiental

• Incluir e intensificar a temática da gestão territorial e ambiental nos Plano Politico Pedagógico das escolas indígenas.
• Fortalecer e ampliar parcerias com institutos e universidades federais para a formação técnica em gestão territorial e ambiental.
• Dar continuidade e implementar os PGTAs nas escolas e nas aldeias por meio de oficinas que contribuam para elaboração de instrumentos de gestão.

6. Cultura – valorização do patrimônio cultural material e imaterial

• Promover a capacitação para manutenção e conservação dos sítios arqueológicos e locais sagrados, instrumentalizando o conhecimento sobre esses lugares para a luta pela terra.
• Promover a proteção das referências simbólicas e ambientais do território e o enriquecimento de espécies nativas importantes para os rituais.
• Valorizar as línguas indígenas como patrimônio imaterial, reconhecendo os nomes dos lugares sagrados nas línguas.
• Obter o reconhecimento de espécies nativas da fauna e da flora como patrimônio cultural do Cerrado e da Caatinga.
• Realizar intercâmbios entre povos indígenas para fortalecimento da cultura.
• Ampliar e qualificar a discussão de propriedade intelectual dos povos indígenas a partir do Eixo da PNGATI.

7. Regularização fundiária

• Reconhecer o PGTA como forma de assegurar as demarcações.
• Cobrar agilidade nos processos de regularização fundiária, ampliação, demarcação no âmbito do Cerrado e da Caatinga.
• Apoiar a elaboração e execução de PGTAs em territórios não regularizados.
• Fortalecimento da Funai e das alianças e parcerias com o Ministério Público Federal (MPF) e governos estaduais.

8. Impactos dos grandes empreendimentos

• Criar instrumentos independes de formação política e jurídica para os povos indígenas sobre licenciamento ambiental.
• Dar mais visibilidade aos impactos culturais no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e e no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).
• Fortalecer as consultas públicas respeitando o artigo 6º da Convenção 169.
• Apoiar a elaboração de protocolos de consulta de acordo com cada povo indígena.
• Legitimar consultas que sejam feitas respeitando o tempo e de acordo com a forma de organização de cada povo, e que garantam plena participação das populações impactadas.
• Trabalhar a dimensão da qualidade de vida e do bem viver nos processos de licenciamento.

 

9. Saúde e meio ambiente

• Fortalecer a medicina tradicional.
• Conscientizar sobre o uso de agrotóxico e estimular a produção agroecológica.
• Fortalecer e reconhecer o trabalho das parteiras tradicionais e seus conhecimentos e uso de ervas medicinais.
• Garantir que os estabelecimentos de saúde de média e alta complexidade prestem atendimento aos indígenas respeitando o modo de ser de cada povo indígena.
• Usar o PGTA como instrumento de diálogo para fortalecer a parceria com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai/Ministério da Saúde) e assegurar a autonomia dos povos indígenas no controle social, na gestão participativa e no bem viver das comunidades.

Nós, povos indígenas da Caatinga e do Cerrado, reunidos no Seminário Desafios Gestão Ambiental e Territorial no Cerrado e Caatinga em Brasília entre os dias 25 a 27 de setembro de 2018, julgamos ser fundamental o atendimento das demandas acima elencadas, assim como o apoio das instituições governamentais e não governamentais à continuidade da elaboração de instrumentos de gestão e à implementação desses instrumentos. O apoio e execução dessas iniciativas são de extrema importância tanto para a PNGATI, uma vez que a execução significa seu fortalecimento, quanto para as comunidades e Terras Indígenas.

Organizações indígenas e indigenistas

Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME
Associação para Desenvolvimento Local Co-Produzido – ADELCO
Conselho Indígena Tremembé do Córrego das Telhas – CITCT
Instituto Etnoambiental e Multicultural Aldeia Verde – IEMAV
Organização Indígena Tronco Velho Pankararu
Associação Nacional de Ação Indigenista – ANAÍ
Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – CEDEFES
Centro Maranhense de Estudos Sócio-Ambiental e Assessoria Rural – CEMEAAR
Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia da PUC/Goiás
Instituto Yukamaniru de apoio às mulheres indígenas Kurâ Bakairi
Operação Amazônia Nativa – OPAN
Organização Indígena Aldeia Ktepo Xerente – OIAKX
Associação Indígena Xavante Norotsu’rã – ASIXNOR
Associação Comunitária Indígena da Aldeia Nova – ACIAN-MA
Associação Wyty Cate das Comunidades Timbira do Maranhão e Tocantins
Associação Comunitária Indígena Wirazu
Conselho dos Índios Tremembé de Queimadas – CITQ
Sociedade Indígena Tremembé Córrego João Pereira – SITCOJOP
Associação Comunitária da Aldeia Malhador Kapinawa
Associação do Pequenos Agricultores Indígenas Kapinawá – APAIK
ETHNOS Socioambiental
Instituto Terena de Educação Intercultural – ITEDI
Conselho do Povo Terena
Centro de Trabalho Indigenista – CTI
Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN

Instituições Governamentais

Fundação Nacional do Indio – FUNAI
Ministério do Meio Ambiente – MMA

por Assessoria de Comunicação Social/Funai

 

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