Com 26 mortes de quilombolas, organizações reivindicam plano emergencial de enfrentamento à Covid-19

18/05/2020

Fonte:https://www.terradedireitos.org.br/noticias/noticias/com-26-mortes-de-quilombolas-organizacoes-reivindicam-plano-emergencial-de-enfrentamento-a-covid19/23326

Projeto de lei com medidas voltadas para povos e comunidades tradicionais pode ser votado pela Câmara nesta terça-feira (19).

Organizações, povos e comunidades tradicionais reivindicam que as casas legislativas aprovem, com urgência, um plano emergencial sobre a Covid-19. Foto: Agência Brasil
Organizações, povos e comunidades tradicionais reivindicam que as casas legislativas aprovem, com urgência, um plano emergencial sobre a Covid-19. Foto: Agência Brasil

 

A Câmara dos Deputados pode votar nesta terça-feira (19) um projeto de lei com ações específicas de combate à Covid-19 nas comunidades quilombolas, povos indígenas e demais povos e comunidades tradicionais. O Projeto de Lei 1142/2020, de autoria da deputada Professora Rosa Neide (PT-MT), sob a relatoria da deputada Joenia Wapichana (Rede – RR), prevê um plano emergencial de combate ao coronavírus em territórios indígenas e recebeu o apensamento de mais 5 projetos que tratam de temas semelhantes. Dentre eles, o PL 2160/2020, de autoria do deputado e presidente da Frente Parlamentar Quilombola, Bira do Pindaré (PSB-MA), que traz ações específicas para enfrentamento ao coronavírus em territórios quilombolas.

Mesmo com o anúncio pelo governo federal, no 13 de abril, de um plano de contingência da pandemia nas comunidades tradicionais no valor de R$ 4,7 bilhões, pouco ou nada tem chegado nas comunidades e povos tradicionais que vivenciam uma vulnerabilidade agravada pela crise epidemiológica. Além da baixa execução orçamentária deste valor, questionada pela Procuradoria Geral da República (PGR), os diferentes segmentos sociais têm denunciado a dificuldade de acesso à internet – condição necessária para cadastro no auxílio emergencial, ausência de orientações e assistência pelos órgãos públicos responsáveis por estes segmentos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), pastas sob comando de ruralistas e opositores à titulação de terras quilombolas.

“O governo federal destinou uma quantidade de recursos para povos e comunidades tradicionais nesta pandemia e passado mais de um mês nenhuma das ações foram tomadas de concreto, ainda estão na fase de elaboração. O governo assinou um decreto de calamidade pública, o que significa que a ajuda que chega aos territórios precisa ser emergencial, pra ontem, e as comunidades estão esperando há mais de um mês por esse apoio”, destaca o membro da coordenação da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Biko Rodrigues.

Como ainda mantém-se uma forte subnotificação dos casos registrados e óbitos pelo Ministério da Saúde, a Conaq tem monitorado os casos nos territórios quilombolas e contabiliza, até a manhã desta segunda-feira (18/05), cerca de 26 óbitos e 150 casos confirmados.

A situação nas comunidades quilombolas adquire contornos de uma tragédia considerando os problemas estruturais que lhes afetam, como a não titulação da maioria dos territórios e a falta de acesso regular a serviços essenciais como luz, água e saneamento. Além disso,  soma-se a grave manifestação do racismo institucional no atendimento à saúde da população quilombola, localizada em sua maioria em áreas rurais.

Além da significativa distância entre as comunidades e as unidades de saúde pública, Biko relata, por exemplo, que tem ocorrido um tratamento de priorização no atendimento à população branca e denúncias de resistência pelos profissionais da saúde na realização de testes do coronavírus com familiares de pessoas que vieram a óbito. O preenchimento do campo raça e etnia no registro dos casos tornou-se obrigatória apenas no início de maio após determinação da Justiça Federal do Rio de Janeiro, em atendimento à um pedido da Defensoria Pública da União (DPU). A decisão tem efeito para todo o território nacional.

“O Projeto de Lei 1142/2020 vem neste sentido de agilizar o procedimento do desenvolvimento de ações nas comunidades para contenção da pandemia. Não temos até o momento um plano emergencial para atender esses segmentos, o que temos são ações pontuais. Precisamos que o Estado reconheça as especificidades dos povos e comunidades tradicionais e desenvolva ações para atender à estas especificidades”, destaca o membro da coordenação da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Biko Rodrigues.

Enquanto essa proposta, que atenderá necessidades urgentes de povos e comunidades tradicionais, está com a urgência para a votação aprovada desde 29 de abril, a Câmara insiste dar prioridade a propostas como o PL 2633/2020 – conhecido como PL da grilagem – que irá facilitar a titulação de terras públicas griladas. Atendendo a pressão de setores do agronegócio, o PL 2633  foi apresentado na última quinta-feira (14) e deve ser votado já nesta semana.

“É muito importante que a gente paute a aprovação desse projeto porque, ao mesmo tempo que ele vai auxiliar os povos quilombolas nesse momento difícil, o PL também visibiliza a situação dos quilombolas nesse momento de abandono e invisibilidade pelo sistema de saúde. Inclusive do próprio Ministério da Saúde que não visibiliza os quilombolas. É um processo muito difícil o que estamos vivendo”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos e da Conaq, Vercilene Dias.

Ações previstas no Projeto de Lei 
O Projeto de Lei prevê um conjunto de ações e medidas para garantir proteção e salvaguardar os povos indígenas neste contexto de crise epidemiológica. O texto prevê que as ações devem ser estendidas para comunidades quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais. Ações como não realização de reintegrações de posse neste período e disponibilização de cestas básicas e produtos de higiene e limpeza estão inscritos na proposta legislativa.

“O projeto de lei supre uma lacuna hoje existente. Não temos hoje um trabalho coordenado do Poder Público de apoio às comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais, sendo ainda medida fundamental a suspensão das reintegrações em um contexto em que há casos Brasil afora de descumprimento do direito de consulta, livre, prévia e informada e a continuidade de obras e empreendimentos que afetam negativamente as comunidades. O projeto é resultado de um processo de mobilização dessas comunidades pela garantia de direitos em um contexto de fragilidade diante da pandemia”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Maira Moreira. A Terra de Direitos, conjuntamente com a Conaq, contribuiu na formulação da proposta, em especial no PL de autoria do deputado Bira do Pindaré (PSB-MA).

Outra importante ação prevista na proposta legislativa é a não avanço de empreendimentos em territórios tradicionais sem a devida consulta prévia, livre e informada à população afetada pela obra. Em evidente violação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, os empreendimentos seguem a ritmo intenso neste contexto. A ação das empresas ainda intensificam riscos de contágio entre trabalhadores e as populações tradicionais. “A maioria dos empreendimentos nos territórios quilombolas estão a pleno vapor, as pessoas que estão trabalhando na obra e contaminadas pelo vírus estão indo para territórios e aumentam pessoas contaminadas”, relata Biko.

Ofício ao Congresso
Em março deste ano, a Conaq encaminhou aos presidentes da Câmara e do Senado um ofício pedido que não sejam pautados e nem aprovados projetos e alterações em legislações que afetem direta e indiretamente os direitos e interesses das comunidades quilombolas até o final da pandemia da Covid 19.

Por outro lado, o documento defende que, neste momento intensa vulnerabilidade para as comunidades quilombolas, devem ser priorizados os projetos de lei de urgência para o enfrentamento específico às situações nas comunidades derivadas da pandemia, sem em nenhum momento abdicar do direito que essas comunidades possuem de serem consultadas, como prevê a convenção 169 da OIT.

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