06/06/2019
Fonte:http://blog.leia.org.br/comissao-de-meio-ambiente-vai-decidir-se-mananciais-de-fechos-devem-servir-a-populacao-de-bh-ou-a-mineracao/Após sete anos parado, projeto que amplia Estação que fornece toda a água da região Centro Sul de BH será enfim apreciado pelos deputados
Cercadas por condomínios e mineração, nascentes de Fechos estão secando; entenda o que está em jogo e quem são os deputados que vão analisar o projeto
Poucos territórios em Minas Gerais dramatizam, de forma tão cristalina, o abismo que separa o interesse público e o proveito privado como a Estação Ecológica de Fechos, em Nova Lima.
Assentada no torrão sul da Serra do Espinhaço, a estação ecológica foi criada em 1994 para preservar e proteger a bacia do ribeirão dos Fechos e remanescentes de mata atlântica. Ainda antes, em 1982, a região tornou-se área de proteção especial devido à riqueza de seus mananciais.
Trinta e sete anos depois, a importância dos mananciais de Fechos para a segurança hídrica de Belo Horizonte, que já era considerável, tornou-se decisiva. O sistema Paraopeba, segunda maior fonte de abastecimento de água de BH, foi inundado pela lama do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.
Mesmo nessa conjuntura, o que deveria ser uma escolha óbvia, ou seja, recuperar e expandir a proteção aos mananciais de Fechos, tem sido seguidamente postergada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
O projeto da expansão de limites da Estação Ecológica de Fechos, que permitirá a incorporação de lençóis cruciais para a segurança hídrica de Belo Horizonte, como o córrego do Tamanduá, tramitava desde 2012 na Casa, sem sair do lugar.
Em 2019, contudo, o projeto de lei andou. Há dois responsáveis evidentes pela boa nova sobre Fechos. A começar por duas deputadas, em primeiro mandato, trabalharam juntas para que o projeto de lei sobre a expansão da área de Fechos avançasse.
Somado a isso, o movimento criado após a tragédia provocada pela Samarco em Mariana, “Mar de Lama Nunca Mais”, fez com que o meio ambiente entrasse de vez na pauta de prioridades dos deputados mineiros. A pressão efetiva e sem vínculo a partidos políticos, vista na mobilização pela nova lei das barragens, renovou a motivação daqueles voluntários que, desde 2012, dedicam tempo e atenção à defesa da Estação Ecológica de Fechos. Organizados e proativos, os defensores de Fechos intensificaram a batalha do convencimento pelos corredores da Assembleia e conseguiram com que mais pessoas e instituições passassem a monitorar o caso.
Agora, o projeto de lei está em tramitação nas comissões e pode chegar ao plenário para votação final ainda neste ano.
O que está em jogo, quais os interesses e quem são os deputados que irão protagonizar o futuro da Estação Ecológica de Fechos é o que esta reportagem do Lei.A irá mostrar.
Em 602 hectares, a Estação Ecológica de Fechos guarda 14 nascentes cuja vazão atende a 200 mil pessoas, em 38 bairros de Belo Horizonte e Nova Lima. O território abriga também espécies nativas endêmicas e em extinção.
Com os anos, a estação ecológica passou a sofrer a pressão de loteamentos imobiliários desordenados e da atividade minerária. Hoje, ela encontra-se cercada pelas minas de Mar Azul e de Tamanduá, ambas da Vale S/A, e degradada pelo esgoto sem tratamento de condomínios como o Jardim Canadá.
Nada menos que 60% de toda água tratada pela ETA (estação de tratamento de água) Morro Redondo – cuja qualidade é considerada excelente, segundo a Copasa – vêm de Fechos. E de lá abastecem todas as torneiras da região Centro Sul de Belo Horizonte.
Porém, sua vazão caiu 37,5 litros por segundo desde 2008, o equivalente a mil piscinas olímpicas por dia. E no período chuvoso é comum que a Copasa feche a captação no local, tal o volume de lixo e esgoto a poluir as águas.
O resultado é que o ribeirão dos Fechos está morrendo.
A única forma de preservar e recuperar as nascentes, fortalecendo a recarga dos mananciais na região, é manter áreas verdes que promovam a infiltração da água no solo, permitindo a recomposição dos aquíferos. Daí surgiu a proposta de ampliar a área de preservação.
Em formato de projeto de lei, ela tramita na Assembleia Legislativa e prevê que a área à sudeste de Fechos, a única adjacente ainda não ocupada por loteamentos ou mineração, seja preservada permanentemente. Se aprovado, o projeto de lei vai assegurar proteção integral de mais 222 hectares de áreas contendo rica biodiversidade, florestas, cangas, nascentes e porções de recarga de recursos hídricos.
Exemplo de área a ser resgatada é o córrego Tamanduá, hoje fora da área da unidade de conservação. O Tamanduá é responsável, junto de outros mananciais, por abastecer o ribeirão Macacos, importante afluente do rio das Velhas, principal responsável pelo abastecimento de água de Belo Horizonte. Hoje, o Tamanduá está assoreado em vários pontos.
O primeiro projeto de lei protocolado na Assembleia Legislativa sobre a expansão da área original de Fechos foi o PL 3512/2012, do ex-deputado Fred Costa (Patri). Na ocasião, teve dois relatores designados, mas não chegou a receber parecer na Comissão de Constituição e Justiça, sendo arquivado ao final da legislatura – conforme previa o regimento interno então vigente.
No novo mandato, iniciado em 2015, o deputado solicitou o desarquivamento do projeto de lei, agora sob a numeração 444/2015. Outra vez, o projeto não prosperou na mesma comissão. Mas dessa vez, ele recebeu rica informação produzida pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), estimulado por três pedidos de diligência feitos por deputados participantes da comissão, todos devidamente respondidos.
Ao final da legislatura, foi arquivado pela segunda vez. Desta vez, porque o novo regimento previa que apenas os projetos de lei de autoria dos deputados novamente eleitos para a Assembleia Legislativa poderia seguir tramitando do ponto onde pararam ao final da legislatura anterior. Fred Costa foi eleito deputado federal.
No raiar da atual legislatura, duas deputadas em primeiro mandato protocolaram projetos de lei sobre o assunto: Ana Paula Siqueira (Rede) e Leninha (PT), sendo o projeto desta anexado à proposição daquela por precedência (protocolado primeiro).
Ao invés de disputa, as assessorias das deputadas trabalharam juntas e generosamente em favor da expansão de Fechos.
Ao mesmo tempo, como que a seguir a trilha do “Mar de Lama Nunca Mais”, que mudou a lei de barragens em Minas, há um esforço consistente de convencimento e de articulação da sociedade civil dentro da Assembleia – por meio do movimento “Fechos, eu cuido” e também de outros cidadãos interessados no bem coletivo.
O projeto então foi pautado, relatado e finalmente aprovado na Comissão de Justiça, em maio desse ano. Agora, ele chega à Comissão de Meio Ambiente, a chamada comissão de “mérito”. Se aprovado, segue para a votação em dois turnos no plenário da Assembleia Legislativa, quando todos os 77 deputados terão de se posicionar.
Como se vê, o caminho ainda é longo.
#Monitore
Cinco deputados decidirão o futuro do projeto de lei 96/2019 (terceira numeração da proposição), que expande a área da Estação Ecológica de Fechos. Um deles será designado relator, ou seja, responsável por emitir um parecer (um julgamento) sobre o texto. Depois, ele será submetido às discussões e ao voto dos demais.
O projeto pode ser rejeitado, receber uma redação diferente da que tem agora, ser alterado por meio de emendas ou simplesmente ser arquivado.
Por isso, é preciso conhecer bem quem são os deputados estaduais que tomarão a decisão, de onde eles vêm, qual seu histórico político e sua produção legislativa pregressa.
O acompanhamento e a participação da sociedade civil têm se mostrado o melhor caminho para que as pautas de interesse público triunfem na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Um projeto como a expansão da Estação Ecológica de Fechos não ficaria sete anos engavetado se não houvesse influência obscura sobre a matéria. A região, como foi dito, é disputada por interesses econômicos irreconciliáveis com a proteção de mananciais em proveito da sociedade civil.
A luta pela expansão e proteção da Estação Ecológica de Fechos, apesar de longa, está apenas começando, e a sociedade civil organizada deve continuar mobilizada. É preciso acompanhar de perto os debates na Comissão de Meio Ambiente. As perspectivas são boas, e o trabalho de convencimento tem sido bem feito.
Somente com conhecimento, participação e articulação os temas de interesse público vão deixar de ser coadjuvantes numa agenda tão disputada como a da Assembleia Legislativa de Minas.