23/11/2022
Moradores do Tejuco protestaram na segunda (21) pela recuperação das nascentes e contra a gestão da água pela Copasa
A população da comunidade Tejuco, de Brumadinho (MG), manteve três estradas paralisadas na segunda-feira (21) durante 12 horas. Foram bloqueadas as principais vias utilizadas pelas mineradoras nos arredores da comunidade, para denunciar a escassez e a contaminação da água, ao que tudo indica, por responsabilidade da Vale.
Desde o rompimento da barragem no Córrego do Feijão, em 2019, os moradores do Tejuco vivem com falta de água. As nascentes secaram e o local passou a ser abastecido por caminhões-pipa, assumidos pela prefeitura e pela Copasa que, segundo moradores, nunca foram suficientes.
Quase dois anos depois, em dezembro de 2020, outro grave episódio aconteceu. Para tentar manter a lama tóxica longe das nascentes da comunidade, a mineradora Vale construiu uma caixa de contenção. Ao realizar a limpeza da caixa, funcionários da Vale teriam despejado a lama diretamente no reservatório de água do Tejuco.
O resultado foi desastroso para a comunidade. “Eles contaminaram toda a nossa rede de tubulação com lama, pedaços de pedra e minério”, descreve o morador Evandro França de Paula, membro da Comissão pela Água do Tejuco. “A caixa de distribuição que sustenta a comunidade ficou toda enlameada. As caixas d’água de 700 famílias. A lama entupiu as torneiras, o chuveiro, o aquecedor solar”, conta.
Hoje, a comunidade tem sido abastecida por caminhões-pipa da Vale, contudo, por meio da rede de distribuição que não passou por descontaminação após o incidente. Um estudo encomendado pela Associação e Comissão da Água do Tejuco, constatou um volume nocivo de alumínio, ferro e manganês, bem acima do que dos valores máximos indicados pelo Ministério da Saúde.
A falta de água também continua sendo uma realidade. “Tem dia que às 17h já não tem mais água e não temos retorno do porquê a água acabou”, lamenta Evandro.
Pela volta da gestão comunitária
Para tentar uma solução para o problema, foi assinado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre Vale, Copasa, Ministério Público (MP), Defensoria Pública e a empresa de consultoria Aecom Brasil Ltda, no qual planejam a perfuração de dois poços artesianos, feitos pela Vale, que os entregaria à Copasa para gestão e abastecimento do Tejuco.
Os protestos da segunda (21) reivindicam a revisão desse TAC. O advogado Marco Antônio Cardoso, membro da Comissão pela Água do Tejuco, afirma que a comunidade não participou das tratativas do termo e a solução não é bem-vinda.
:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::
“Queremos que a mineradora recupere o que ela danificou [nascentes e a rede de distribuição], que nós possamos ter novamente a gestão comunitária das nascentes, que o TAC seja revisto e reaberto, pois as reivindicações comunitárias não foram atendidas. Infelizmente, o MP e a Prefeitura de Brumadinho estão sendo complacentes com a violação de direitos das mineradoras na região”, relata o advogado, que também é membro jurídico da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser).
Dentro dessas reivindicações, está também o fechamento de uma estrada dentro da comunidade que foi reaberta após o rompimento, com o objetivo de agilizar as ações de reparação – buscas pelas vítimas e a retirada da lama, por exemplo. No entanto, a estrada continua sendo usada pelos caminhões das mineradoras, causando transtornos.
Questionado pela reportagem, o Ministério Público de Minas Gerais argumentou que já realizou diversas reuniões com os moradores do Tejuco e está à disposição. Informou ainda que “os argumentos levantados pela comunidade serão analisados”.
Na mesma linha, respondeu a Defensoria Pública de Minas Gerais, que também garante já ter promovido reuniões com a comunidade. “A princípio, atuamos por uma solução consensual capaz de agilizar o atendimento à demanda”, defendeu em nota. Tanto o Ministério Público quanto a Defensoria foram perguntados se irão pedir a revisão do TAC, mas não responderam diretamente sobre esse assunto.
:: Leia mais notícias do Brasil de Fato MG. Clique aqui ::
Em nota, a Copasa informa que as obras de implantação de um novo sistema de abastecimento para atender a comunidade do Tejuco consta no quarto aditivo do Termo de Compromisso assinado pela Vale e pelo Ministério Público, homologado judicialmente.
A companhia diz ainda que, nesse documento, a Vale assumiu a responsabilidade de implantar as obras, que estão sendo acompanhadas pela Copasa e auditadas por uma assessoria técnica independente a serviço do MPMG.
A Vale e a Prefeitura de Brumadinho também foram questionadas, mas não responderam até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.
Contaminação por metais pesados
Marco Antônio lembra ainda que o Tejuco, assim como outras comunidades de Brumadinho, vive as consequências do contato com a lama tóxica. Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou que a população de Brumadinho sofre com os níveis de metais pesados no organismo acima do tolerável.
Foram observadas amostras de sangue e urina de 3.297 pessoas, que apresentaram concentração elevada de metais, acima dos limites de referência em todas as faixas etárias, nas quatro regiões estudadas: Parque da Cachoeira, Córrego do Feijão, Tejuco e Aranha. Constatou, ainda, excesso de doenças respiratórias e mentais.
Mais de 50% das crianças de 0 a 6 anos apresentaram amostras urinárias com pelo menos um metal acima do valor de referência. Arsênio foi encontrado acima do limite em 41,9% das amostras analisadas e o chumbo em 13% delas.
Edição: Larissa Costa