Conheça alguns principais marcos da história indígena em Minas Gerais

18/04/2023

Frederico Duboc - Jornal O Tempo

Fonte:https://www.otempo.com.br/especiais/indigenas-de-minas-vozes-e-faces/conheca-alguns-principais-marcos-da-historia-indigena-em-minas-gerais-1.2848648

Luta e resistência a massacres, guerras, doenças, invasões de suas terras e torturas marcaram a trajetória dos povos sobreviventes no estado

 

Desde a chegada dos conquistadores, a história dos indígenas que habitam Minas foi marcada por luta e resistência a massacres, guerras, doenças, invasões de suas terras e torturas. Conheça alguns desses principais marcos dos povos indígenas no estado.

 

“Guerras Justas” aos Botocudos (Séculos XVIII e XIX)

Na Carta Régia de 13 de maio de 1808, o príncipe regente de Portugal, Dom João VI, declara as chamadas “Guerras Justas” aos Botocudos e aos Puris, residentes nas regiões Central e Zona da Mata mineiras para “defender os colonos e proteger as propriedades das incursões indígenas”. A medida foi o ponto culminante de uma longa disputa por territórios férteis ocupados pelos povos originários que ganharam importância com a decadência da atividade minerária e a busca de canais de escoamento de produtos para o Espírito Santo, desde meados de 1760. A guerra provocou a diáspora dos povos indígenas, que fugiram para o Vale do Rio Doce, Mucuri e divisa com o Espírito Santo. Os que permaneceram, foram mortos ou aculturados.

 

Guarda Rural Indígena (1969)

Empossado no comando do então Serviço de Proteção aos Índios (SPI) em 1966, o capitão Manoel Pinheiro criou dentro da área dos povos Maxakali a chamada Guarda Rural Indígena (Grin) em setembro de 1969 para apaziguar conflitos. Pinheiro usou sua experiência como ex-membro do Serviço Nacional de Informações e do serviço reservado da Polícia Militar de Minas para formar a milícia, originalmente formada por 84 recrutados de aldeias da região. Eles aprendiam táticas de contraguerrilha, investigação e tortura, e tinham a missão de manter a ordem em territórios indígenas impedir o deslocamento para áreas do Estado ou de fazendeiros. No período, houve desarticulação das lideranças, divisões nos grupos locais, denúncias de tortura e favorecimento a posseiros. O Grin foi desmantelado em 1972.

 

Reformatório Agrícola Indígena (1968)

Sob a inspiração do Ato Institucional Nº5 (AI5), entre o fim dos anos 60 e até o fim dos anos 70, a Funai administrou dois centros para detenção de “infratores”. O primeiro deles, o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, em Resplendor, em 1968, e o segundo, a Fazenda Guarani, em Carmésia, em 1972. Ambos foram chamados de Campos de Concentração no relatório da Comissão da Verdade, os indígenas eram obrigados a uma rotina de oito horas diárias de trabalho forçado, vivendo em celas isoladas, sob espancamentos e torturas.  O reformatório Krenak recebeu mais de 150 pessoas de quase duas dezenas de povos, com o objetivo também de dividir os indígenas e facilitar a ocupação de territórios por posseiros. Em 1973 foram transferidos para a Fazenda Guarani, em condições igualmente precárias.

 

Massacre dos Xakriabá (1987)

Em 12 de fevereiro de 1987, três lideranças Xakriabá foram assassinadas por grileiros. As invasões de terras pertencentes aos indígenas, patrocinadas por políticos, empresários e fazendeiros da região, se estendia e se tornava cada vez mais violenta. Durante a madrugada, enquanto as vítimas dormiam, um grupo de 15 homens fortemente armados invadiu a casa do líder xacriabá Rosalino Gomes de Oliveira, que foi morto ao lado de José Pereira Santana e Manoel Fiúza da Silva. A mulher de Rosalino, Anizia Nunes de Oliveira, foi gravemente ferida. Os assassinos obrigaram uma criança de 11 anos a arrastar o corpo do pai, Rosalino, para servir de “troféu”. O grileiro Francisco de Assis Amaro foi condenado a 27 anos de prisão, em setembro de 1988, com outros quatro pistoleiros.

 

Espancamento e abandono (2017)

Em 15 de janeiro José Januário da Silva, 57, dormia no chão da rua 21 de Abril, no centro de Belo Horizonte, quando foi espancado até a morte, com chutes e pisões em sua cabeça, e se tornou um símbolo de abandono e burocracia com os povos indígenas. Integrante da etnia Fulni-ô, em Pernambuco, ele vivia em situação de rua na capital. A prisão do culpado ocorreu em 11 de fevereiro. A, provação, não acabara. O corpo foi mantido no Instituto Médico Legal por 67 dias e liberado apenas após Ministério Público Federal intervir para a liberação do atestado de óbito em 16 de março. Só então ele pode ser sepultado com chocalho, colar e penas, com ritos de seu povo, no cemitério da Paz, em Belo Horizonte.

 

Retomadas (2017)

Em janeiro de 2017, Kamakã-Mongoió, Pataxó Hã-hã-hãe e membros de outras etnias, com apoio da Associação dos Povos Indígenas de Belo Horizonte e Região Metropolitana, ocuparam a Fazenda Santa Teresa, em Esmeraldas, dentro do processo chamado de “retomada” ou reapropriação de propriedades dos povos originários. Segundo relatório da ALMG, a fazenda, pertencente à Fundação Educacional Caio Martins (Fucam), estava com instalações abandonadas ou subutilizadas pela entidade e pelo Estado de Minas. Em novembro, outra fazenda, identificada como de um projeto minerário de Eike Batista, em São Joaquim de Bicas, foi objeto de retomada por membros dos Puri e, depois, por Pataxó, Karajá e Pataxó Hã-hã-hãe. Em 2021, grupos Kamakã fizeram uma terceira ação, em Brumadinho.

 

Surto de diarreia (2018)

Em pouco mais de 15 dias de novembro de 2018, quase 200 maxacalis de Pradinho e Água Boa, no Vale do Mucuri, contraíram diarreia, e pelo menos duas crianças haviam morrido com suspeita da virose, segundo dados da Superintendência Regional de Saúde de Teófilo Otoni. O problema é historicamente ligado às condições precárias de saneamento que propiciam o espalhamento da doença. Em 2010, um relatório do Ministério Público Federal apontava “situação precária” na região após outro surto de diarreia ter matado quatro crianças indígenas nas duas comunidades. Os procuradores constataram que não havia banheiro, água encanada ou rede de esgoto em nenhuma das habitações das duas reservas.

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