21/09/2022
Relatório inédito revela participação direta de multinacionais no lobby ruralista; além de atuar em associações que financiam o Instituto Pensar Agro, empresas como Bayer, Basf, Syngenta, JBS, Cargill e Nestlé mantiveram 278 reuniões com o alto escalão do governo Bolsonaro
Por trás da boiada estão as multinacionais. Os projetos de lei que constituem o “Pacote da Destruição” — PL da Grilagem, PL do Veneno, PL do Licenciamento Ambiental, PL da Mineração em Terras Indígenas — não têm como origem a mente inspirada dos deputados e senadores da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a faceta mais organizada da bancada ruralista no Congresso. O financiamento é nacional e internacional.
Existe um cérebro pensante por trás da FPA. E um mecanismo. Um conjunto de lobistas e executivos de entidades de classe e empresas, organizados através do Instituto Pensar Agro (IPA), que formula as pautas legislativas e define o posicionamento político da frente.
Em 2019, De Olho nos Ruralistas revelou a ponta desse iceberg, mostrando algumas das multinacionais que integravam associações mantenedoras do IPA: gigantes como as produtoras de agrotóxicos e sementes transgênicas Bayer, Basf e Syngenta, as processadoras de soja Cargill, Bunge, ADM e Louis Dreyfus; os frigoríficos JBS e Marfrig e indústrias do setor alimentício como Nestlé e Danone.
Essas corporações não são atores passivos no lobby ruralista em Brasília. É o que mostra o novo dossiê do observatório sobre o tema, publicado hoje (18): “Os Financiadores da Boiada: como as multinacionais do agronegócio sustentam a bancada ruralista e patrocinam o desmonte socioambiental“.
Ele mostra que, durante o governo de Jair Bolsonaro, empresas do setor se reuniram pelo menos 278 vezes com membros do alto escalão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Em pauta, temas como a flexibilização de regras para agrotóxicos, a autorização de testes de novas substâncias químicas direto em campo (ao invés de laboratórios) e a autofiscalização sanitária.
Com capa ilustrada pelo premiado cartunista Renato Aroeira, o dossiê aponta a Syngenta como campeã na interlocução com o governo, com 81 reuniões; seguida por JBS, com 75; Bayer, 60; Basf, 26; Nestlé, 23; e Cargill, 13.
O relatório também pode ser acessado em inglês aqui.
O levantamento de reuniões levou em consideração os encontros registrados na agenda oficial de autoridades do Ministério da Agricultura entre janeiro de 2019 e junho de 2022. No entanto, os registros de entrada no Mapa, obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), contam outra história.
Durante esse período, a ex-chefe de Assuntos Públicos da Bayer, Silvia Menicucci, esteve presencialmente 25 vezes na sede do ministério. Destas, 16 não foram registradas em agenda oficial. Na Câmara a executiva esteve 14 vezes, entre 2018 e 2019.
O caso da empresa alemã é um dos destaques do dossiê, uma vez que demonstra a facilidade com que os conglomerados do agronegócio conseguem acesso ao alto escalão do governo. Em outubro de 2019, o então CEO global da companhia, Werner Baumann, se reuniu pessoalmente com Bolsonaro, em evento promovido pela agência de fomento às exportações Apex-Brasil, onde Menicucci havia atuado como servidora.
Em 2022, foi a vez da ex-ministra Tereza Cristina prestigiar a empresa ao participar de um vídeo produzido pela Bayer, postado em um dos canais oficiais da companhia, para falar sobre seguro rural. Também participou do vídeo o diretor do Departamento de Política Agrícola e Seguro Rural do Mapa, Pedro Loyola.
Em resposta aos dados do relatório, a empresa afirmou que as reuniões com agentes de órgãos públicos são “normatizadas pela legislação federal e por políticas internas da própria companhia” e que estas foram “formalmente solicitadas aos órgãos com quem a empresa mantém interações”. Procurado, o Mapa classificou a participação da então ministra no vídeo institucional como uma “entrevista”, tendo como objetivo “prestar informações sobre as políticas públicas realizadas por este Ministério, especialmente sobre o Programa de Seguro Rural”. O órgão não se pronunciou sobre as reuniões fora da agenda.
Confira a íntegra das respostas aqui.
Desde a publicação da primeira série de reportagens sobre a cadeia de financiamento do Instituto Pensar Agro, em 2019, o think tank ruralista cresceu e prosperou. Hoje, o IPA conta com 48 associações participantes. Com o aumento de verbas, o instituto multiplicou sua equipe, avançando não só na atuação legislativa como na elaboração de campanhas pró-agronegócio.
A atuação publicitária do IPA não se limita a promover o setor. Por meio dos canais da Frente Parlamentar da Agropecuária, a organização ruralista iniciou em 2021 uma campanha contra este observatório, insinuando que matérias críticas aos seus interesses são “fake news“.
Esse fortalecimento é fruto também do poder que IPA e FPA passaram a ter no governo federal desde a posse de Bolsonaro. Além das reuniões com empresas, o dossiê “Os Financiadores da Boiada” mostra que lobistas e líderes ruralistas se reuniram 160 vezes com servidores do Mapa. Destas, 20 contaram com a presença da então ministra Tereza Cristina, ex-presidente da FPA.
Além da pasta de Agricultura, eles foram recebidos nos ministérios da Economia (33), do Meio Ambiente (4), da Justiça e Segurança Pública (1) e da Educação (1), esta última para falar sobre a versão rural do “Escola Sem Partido”: “Lobby do agronegócio se organiza para “fiscalizar” material escolar“.
A aliança com o Mapa fica explícita até mesmo nas respostas aos dados levantados do relatório. Poucas horas após enviar pedido de informações ao Ministério, a equipe do De Olho nos Ruralistas foi contatada pela assessora de imprensa do IPA, que informou ter “ficado sabendo” sobre as perguntas direcionadas ao governo sobre a relação com o instituto e exigindo ter acesso aos dados.
Procurados oficialmente para se posicionar sobre as informações do dossiê, nem IPA nem FPA enviaram resposta.
A publicação do dossiê “Os Financiadores da Boiada: como as multinacionais do agronegócio sustentam a bancada ruralista e patrocinam o desmonte socioambiental” abre a cobertura eleitoral do observatório sobre a atuação da FPA e do IPA junto ao governo Bolsonaro. Até outubro, serão publicados novos relatórios e reportagens explorando o papel de empresas, associações e lobistas no ecossistema do lobby ruralista em Brasília.
Parte dos dados foi apresentada de forma inédita na última quinta-feira (14), em reunião com eurodeputados em São Paulo: “De Olho nos Ruralistas apresenta dossiê sobre lobby a membros do Parlamento Europeu“. Os resultados preliminares do levantamento de reuniões de multinacionais dos agrotóxicos já haviam baseado um dos capítulos do estudo “Comércio Tóxico, a ofensiva do lobby dos agrotóxicos“, lançado em abril pela rede ambientalista Friends of the Earth Europe, sob coordenação das pesquisadoras Audrey Changoe e Larissa Bombardi.
De Olho nos Ruralistas iniciou em junho uma cobertura especial e inédita, com o objetivo de esmiuçar as políticas agrárias e ambientais dos últimos anos, as candidaturas do agronegócio e o funcionamento da FPA. Até outubro, lançaremos novos dossiês e multiplicaremos as reportagens e os vídeos, com uma equipe ampliada.
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Imagem principal (Aroeira/De Olho nos Ruralistas): relatório expõe as multinacionais que patrocinam a boiada
| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas. |
|| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do observatório. ||