Comunidades atingidas estão desarticuladas e em guerra
Queimadas ilegais de vegetações nativas e raras da Mata Atlântica, como a Copaíba e o Jacarandá, são realizadas na área da aldeia | Foto: Cris Mattos
Queimadas ilegais de vegetações nativas e raras da Mata Atlântica, como a Copaíba e o Jacarandá, são realizadas na área da aldeia | Foto: Cris Mattos
O rejeito que vazou da barragem B1, da mina Córrego do Feijão, contaminou o leito do rio Paraopeba e acabou com a subsistência de comunidades. O resultado é ainda mais vulnerabilidade para populações historicamente esquecidas. Comunidades que acumulavam memórias e relações afetivas se transformaram em vilas-fantasmas.
Passados mais de dois anos e meio do rompimento da barragem, em Brumadinho, na região metropolitana da capital, as consequências causam conflitos pela terra e pela água, em 11 áreas do Estado.
É o que mostrou o levantamento da Comissão Pastoral da Terra de 2020. Das 156 disputas registradas em Minas, 8% estão diretamente ligadas ao desastre. Ao todo, são quase 1.600 famílias impactadas por conflitos – como na comunidade de Pontinha, em Paraopeba, na região Central, ou no assentamento Queima-Fogo, em Pompéu, na mesma região. Para o agente da Comissão Pastoral da Terra, Alexandre Gonçalves, tanto o rompimento quanto o processo de reparação conduzido pela mineradora, desestruturaram comunidades inteiras, levando ao conflito.
“Um exemplo é o Parque da Cachoeira, em Brumadinho, parte da área estava no caminho da lama, e também Córrego do Feijão. Há um processo de compra de casas por parte da Vale, que chega, inclusive, a destruir as estruturas com retroescavadeiras. A estratégia é essa, acabar com a localidade e apagar a memória do lugar”, acredita.
O especialista lembrou ainda que muitas comunidades quilombolas que viviam do rio Paraopeba nem sequer foram reconhecidas no processo da reparação da mineradora. “Eram pessoas que não moraram na beira do rio, mas viviam da pesca e da venda de produtos como o minhocuçu”, acrescenta Gonçalves.
Desarticulação
Divididos entre a aldeia atingida pelo desastre, a capital mineira e o novo local – que é palco de conflitos fundiários –, os índios Pataxó Hã Hã Hãe são um retrato da destruição. “A todo instante tentamos ser resistentes aos impactos causados ao nosso povo. Fomos atingidos pela Vale, a empresa implantou o conflito, colocou divisão. Ocorreram brigas internas, e para não continuarmos assim, saímos de dentro da aldeia, devido também ao impacto que o rio estava causando às crianças”, afirma o cacique Hayó.
A pesquisadora do Programa Polos de Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maria Fernanda Salcedo Repolês, corrobora que a atuação da Vale desarticulou os indígenas e vem causando diversos problemas para esse povo.
“Uma questão bastante importante é perceber a origem do conflito (fundiário atual), que se dá com o rompimento da barragem, com a condução que a Vale fez na aldeia, provocando uma desorganização e uma desarticulação das famílias Pataxó, que lutam por uma compensação justa”, diz.
Maria Fernanda considera que, embora a mineradora tenha pressa em dar um “recibo de quitação”, é preciso analisar até que ponto os acordos de compensação oferecidos violam as leis que protegem os povos e os territórios indígenas.
“Um exemplo disso é que qualquer acordo proposto pela empresa que não escute os indígenas diretamente, é nulo, de acordo com a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), incorporada ao direito brasileiro”, finaliza.
O que diz a Vale sobre a aldeia Naô Xohã
– A mineradora garantiu que permanece em diálogo com os indígenas da aldeia Naô Xohã, afetada pelo rompimento às margens do Paraopeba, e demais entidades para “desenvolver plano de reparação visando restabelecer de forma sustentável as condições de vida anteriores dos membros”.
– Em relação ao auxílio emergencial, a empresa informou que manteve os depósitos entre junho e agosto e vai implementar, de forma definitiva, um programa de suporte econômico complementar, em substituição aos pagamentos.
– Questionada sobre o conflito fundiário, a mineradora se limitou a dizer que “os indígenas que compõem esta aldeia são abrangidos pelo suporte econômico complementar”. A Funai informou que acompanha a situação e tem realizado tratativas junto às instituições de justiça e segurança pública. A PM declarou que mantém diariamente operações na Mata do Japonês para evitar qualquer conflito, mas que “a resolução do problema transcende, claramente, a segurança pública”.
– IEF declarou que vai realizar uma fiscalização na Mata do Japonês.
Número de conflitos tende a aumentar
Desde 2007, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) faz um mapeamento de conflitos ambientais pelo país. Para o pesquisador e coordenador executivo do Mapa de Conflitos, Diogo Rocha, a tendência é a de que essas disputas aumentem, já que os órgãos de fiscalização estão cada vez mais enfraquecidos.
Rocha ressalta que o caso da barragem da Vale, em Brumadinho, foi dramático e provocou uma transformação ríspida em comunidades como a dos índios Pataxó Hã Hã Hãe. “O primeiro impacto sobre a saúde é justamente sobre a insegurança alimentar desses povos, sobre como eles vão ter acesso a alimento, água de qualidade, o que fica muito prejudicado nessas situações”, diz.
Ele acrescenta que, quanto mais marginalizadas as populações, piores serão os impactos. “Percebemos que grupos com maior renda ou capacidade de transitar pelos espaços de poder – seja Judiciário, Legislativo ou Executivo – conseguem impedir que projetos que promovam degradação, enquanto pessoas que vivem às margens têm mais dificuldade disso”, finaliza.