“É agrossuicídio”, adverte o engenheiro florestal Argemiro Teixeira Leite Filho, professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sobre o que vem ocorrendo no Cerrado. Ele é um dos autores de um estudo publicado nesta sexta (06) pela revista científica Nature Sustainability, que mostra que, se os níveis de desmatamento seguirem elevados na região, o agronegócio ali se tornará inviável economicamente.

A pesquisa, realizada numa parceira da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) com o centro de pesquisas americano Woodwell Climate Research, mostra que nenhuma outra savana do mundo tem sido tão destruída quanto o Cerrado brasileiro, que nos últimos 20 anos teve sua cobertura vegetal nativa reduzida de 127 milhões de hectares para 95 milhões de hectares, ao mesmo tempo em que a região viu as áreas agrícolas dobrarem — de 38 milhões de hectares para 77 milhões de hectares.

Com a tabulação de dados históricos e imagens de satélites, os cientistas contaram com a ajuda da IA (inteligência artificial) para excluir da métrica todas as causas que não fossem a destruição da vegetação — ou seja, o impacto de fenômenos como El Niño e La Niña foi desconsiderado. A conclusão é que o desmatamento está intensificando as mudanças climáticas na região.

Segundo um artigo publicado em fevereiro na revista Nature Communications, o Cerrado sofre de forma extremamente agressiva com o aquecimento global, acima da média global, e enfrenta sua maior seca em 700 anos. O impacto na agricultura, lembra Leite Filho, já é sentido, já que a região responde por 63% da produção do país.

Utilizando dados disponibilizados pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), o engenheiro florestal ressalta que chuvas 50% abaixo da média resultaram em uma perda de 7,3 milhões de toneladas de grãos, principalmente de soja e milho, na safra de 2020/21. Na safra 2023/24, os resultados foram ainda piores: perda recorde de 11,9 milhões de toneladas de soja e uma redução de 10% na produção de milho — no total, um prejuízo estimado em cerca de R$ 35 bilhões.

Seca e prejuízos

O estudo publicado nesta sexta indica que, com a redução da cobertura vegetal nativa do Cerrado, quebras de safra estão se tornando constantes, acompanhando o fato de que as chuvas diminuem.

A relação causa-consequência é praticamente direta. Enquanto as mudanças climáticas globais são fruto de um efeito cumulativo de emissão de gases de efeito estufa ao longo dos anos, o clima regional e local é alterado instantaneamente quando se tira a vegetação. Passou o trator, retirou a vegetação, imediatamente estão sendo alteradas características físicas e [no caso do Cerrado] retirando essa bomba de umidade para a atmosfera. Argemiro Teixeira Leite Filho, um dos autores do estudo

Para demonstrar isso, os pesquisadores compararam a diminuição das chuvas em áreas com cobertura nativa e em áreas desmatadas do Cerrado. No primeiro caso, de 1999 a 2019 houve redução de 29,1 milímetros de chuva na época da primeira safra e 9,2 milímetros na segunda. Já nas áreas desmatadas — com mais de 80% da vegetação nativa já destruída — as quedas pluviométricas foram muito maiores: 90,5 milímetros e 109,1 milímetros, respectivamente.

Print Friendly, PDF & Email