“Duraleques ce de lequis” – Arqueologia das mensagens de operários que não podem mais se calar

29/10/2017

Alenice Baeta

Fonte:https://racismoambiental.net.br/2017/10/29/duraleques-ce-de-lequis-arqueologia-das-mensagens-de-operarios-que-nao-podem-mais-se-calar/

Foram encontradas no local denominado pelos engenheiros do prédio do Congresso Nacional, em Brasília, como “caixão perdido”, inúmeras frases escritas a lápis em suas paredes internas, feitas há aproximadamente sessenta anos. Este vão fechado situado entre as duas lajes de concreto que sustentam a cúpula da Câmara, em forma de um prato virado para cima, foi o espaço escuro escolhido por eles para deixar claras mensagens de esperança. A identificação dessas importantes inscrições ocorreu somente anos atrás, em 2011, pelos trabalhadores que ali faziam uma reforma buscando sanar um problema de infiltração de água.   

Destacam-se as mensagens do operário José Silva Guerra, já falecido: “Que os homens de amanhã que aqui vierem, tenham compaixão dos nossos filhos e que a lei se cumpra“. Ele acrescentou outra frase enigmática:”Duraleques ce de Lequis” (dura lex sed lex, no original em latim) para dizer que “a lei é dura, mas é a lei”. No piso havia ainda instrumentos de trabalho e poucos objetos pessoais.

José Silva Guerra foi um dos inúmeros operários que trabalhou, segundo documentado nos arquivos da Câmara, na obra e construção desse prédio na Esplanada, tendo sido contratado pela Empresa Brasileira de Engenharia S.A. em 1959. Guerra, por exemplo, chegou a trabalhar 208 horas normais e fez 98 horas extras no mês.

O artista plástico Bruno Giordi em 1957 esculpiu grandiosa peça de bronze erguida na Praça dos Três Poderes, que foi inicialmente e equivocadamente denominada “Os Guerreiros”. Em entrevista, o autor reafirma que o monumento de oito metros de altura, composto por dois corpos frontais em pé, foi uma homenagem direta aos candangos – designação dada aos operários e homens simples que chegaram a Brasília para a sua construção, em busca de oportunidades de trabalho e melhores condições de vida. O nome da obra seria: “Candangos”. (VIDESOTTI, 2008).

Importante valorizar a memória dos operários e trabalhadores em geral, seja ela muito visível, como a grande escultura de Giorgi que os homenageia, ou “escondida”, como as inscrições e artefatos encontrados no “caixão perdido” do Congresso Nacional, por exemplo.

Em tempos de desânimo total e crise absoluta dos “poderes”, uma rica cultural material e imaterial pode revelar histórias e inúmeros discursos de trabalhadores que não deveriam ser jamais desprezados.

Citação:

VIDESOTTI, L. Os Candangos In: RISCO Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo.  1EESC-USP, São, Paulo, 2008.

 Consulta:

https://arquivohistorico.camara.leg.br/

http://www.olaserragaucha.com.br/noticias/geral/13442/Descobertas-frases-deixadas-por-trabalhadores-que-construiram-o-Congresso-Nacional.html

Inscrição deixada por operário na parede interna do “caixão perdido” no prédio do Congresso Nacional. Foto: José Cruz /Agência Brasil

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