07/09/2020
O repórter Yago Sales reuniu durante quatro meses histórias de vítimas nas aldeias e nas cidades, a partir de centenas de fontes; no momento em que as mortes atingem 787 pessoas de 158 etnias, De Olho nos Ruralistas pede para que esses rostos não sejam esquecidos
Segunda-feira, dia 07 de setembro. No Dia dos Excluídos, o Brasil não tem mais 787 de seus indígenas. Numa batalha invisível, foram combatidos e mortos pela Covid-19 — e pela política genocida de Jair Bolsonaro — pajés, caciques, anciãos, sábios, professores, guerreiros, parteiras, benzedeiros, agentes de saúde, técnicos de enfermagem, um vereador e um médico. Quais são as faces dessas vítimas? Quem foram elas, onde viviam? Em trabalho realizado nos últimos quatro meses, levantamos os rostos e as histórias de cem desses indígenas, aldeados ou não.
Entre eles estão líderes reconhecidos internacionalmente, como os caciques Aritana Yawalapiti e Paulinho Paiakan. O pajé Guarani Gregório Venega. Os anciões Warini Surui, Acelino Dace, Artemínio Antônio Kaingáng, Elizer Tolentino Puruborá, Puraké Assuniri e João Sõzê Xerente. Octogenários, nonagenários e até centenários. Mas também jovens, como Alvanei Xirixana, um Yanomami de 15 anos que morreu com o diagnóstico do novo coronavírus no dia 09 de abril. Mais de 30 mil indígenas de 158 etnias — 30.218 , segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil — já tiveram a doença.
Nesta reportagem, o De Olho Nos Ruralistas publica um recorte da tragédia brasileira na perspectiva indígena. São Cem Faces Indígenas que dimensionam o horror por que passam 158 povos enlutados que, desde 1500, tentam escapar da expulsão de seus territórios, da escassez, de doenças levadas pelos não indígenas. Eles testemunharam, choraram seus mortos e sobreviveram aos tiros a mando de latifundiários, garimpeiros e militares. Por isso a importância de reunir seus rostos, afirmar a identidade de cada vítima:
Diante da quantidade de brasileiros retratada na imagem acima, o observatório criou uma página específica para quem quiser saber exatamente quem é quem. Nessa página as imagens estão numeradas de 1 a 100. Com informações mínimas sobre cada vítima: etnia, data do assassinato — este veículo jornalístico encara esse conjunto de mortes como um genocídio — e município onde cada um desses indígenas vivia. Esse levantamento mais detalhado, dividido em regiões e Unidades da Federação, pode ser acessado aqui: “Cem Faces Indígenas“.
Os mortos, claro, não são apenas números. A passagem — como chamam os indígenas — de cada um compõe uma das peças necessárias ao entendimento da importância histórica de um extermínio silencioso. Muitas dessas vítimas não conseguiram mais respirar porque a Covid-19 comprimiu o pulmão tão logo elas tiveram contato com o vírus. Cada história contesta a negação da importância das etnias que se despedem de seus parentes enterrados em covas coletivas, caixões lacrados, longe do ritual de despedida de sua cultura.
Domingos Mahoro, cacique Xavante. (Foto: Reprodução)
É o caso do primeiro médico Tikuna, Cleubi Cícero Torres Florentino, de 36 anos, que trabalhava além do horário do plantão em Manaus durante a pandemia. Ele morreu no dia 05 de maio com o diagnóstico positivo. Dois meses depois, diante do trabalho como clínico geral e do combate ao novo coronavírus, foi homenageado. Teve o nome inscrito na fachada de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de Tabatinga (AM). No outro extremo do país, a agente de saúde Semira Coito, de 44 anos, da etnia Kaingang, vivia na Terra Indígena Xapecó, em Ipuaçu (RS). Contaminada pela Covid-19, morreu no dia 12 de junho deixando um vácuo nos cuidados ao seu povo. Foi a segunda vítima da contaminação no Rio Grande do Sul.
O cacique Xavante Domingos Mahoro, de 60 anos, da Terra Indígena Sangradouro, representava a conciliação. É lembrado como um diplomata em meio aos conflitos que intermediava, sempre pedindo calma. Ele ficou três dias à espera de uma UTI, em Primavera do Leste (MT). A agente indígena de saúde Daniela Teodozio, da etnia Tabajara, retratada na edição deste domingo do Fantástico, na Globo, sentia falta de ar e estava sendo transferida para um hospital em Sobral, no Ceará, quando a ambulância que a levava caiu de um barranco. Ninguém se feriu, mas a demora para encontrar um respirador provocou sua morte no dia 10 de maio, com apenas 30 anos. Dias antes, ela tinha alertado no Facebook: “Fique em casa”.
O cacique Domingos Venite — ou Karaí Tataendy, em guarani — , da aldeia Sapukai, no Rio de Janeiro, orientava os indígenas mais jovens a tirarem o título de eleitor e a se alistarem no Exército para poderem conseguir emprego. Para a revista Exame, em 2012, o Guarani lamentou que seu povo não podia se manter apenas com artesanato. “Hoje está muito difícil para os povos indígenas. Não temos terra para trabalhar. É pouca terra e é pouco produtiva. Não dá para viver apenas do artesanato”. Venite morreu aos 68 anos, no dia 21 de julho.
Nos últimos quatro meses, o De Olho Nos Ruralistas cruzou informações divulgadas por instituições de defesa aos direitos indígenas, notícias publicadas em veículos de imprensa, do Amazônia Real ao G1, e um site especializado nas mortes de indígenas durante a pandemia, o Memorial Vagalumes. A reportagem consultou lideranças, hospitais, antropólogos, técnicos do Ministério Público Federal (MPF), notas de falecimento, trabalhos acadêmicos e (com a ajuda de outros jornalistas da equipe) centenas de perfis em redes sociais. Em alguns casos as informações estavam incompletas, a faltar a própria identificação correta da vítima ou sua etnia. Era preciso pesquisar mais.
CIR faz homenagens às vítimas. (Imagem: Conselho Indígena de Roraima)
O resultado é um mosaico com cem imagens, um recorte do genocídio aos povos indígenas com informações inéditas, seja em relação aos relatórios da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), seja em relação aos dados mais amplos compilados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Qual o nome e a idade de cada vítima? O que fazia cada indígena? Para cada uma dessas informações, a reportagem teve de fazer pesquisas específicas — diante de dificuldades como o luto vivido pelas famílias.
Em alguns casos, as próprias organizações indígenas fizeram questão de dar publicidade às mortes. O Conselho Indígena de Roraima (CIR), por exemplo, divulga em suas redes Notas de Pesar a cada vítima no estado. Em outros casos, os indígenas entram numa espécie de limbo da informação. Nos jornais, não estarão nos obituários. E e os sites especializados criados para esse fim — como o Vagalumes e o Inumeráveis —ainda não tiveram tempo de retratar cada história. Muitas faces ficarão esquecidas.
Esse esforço de reportagem começou no dia 30 de abril com a série Memórias da Pandemia, um perfil do escritor Aldevan Baniwa, escrito pela repórter Maria Fernanda Ribeiro. Com a escalada crescente de mortes, veio a necessidade de um levantamento mais amplo, com um repórter destacado para a tarefa.
A opção editorial do observatório por dar os nomes exatos à matança em curso resultou também, no dia 03 de junho, na criação de uma editoria chamada De Olho no Genocídio. Específica para o período de pandemia. A história política por trás da morte de cada brasileiro, por sua vez, motivou a criação da série Esplanada da Morte, iniciada no dia 28 de julho, sobre o papel de cada ministro (entre outros executivos do governo Bolsonaro) na matança de brasileiros, no momento em que o país passava das 100 mil mortes por Covid-19.
Essa série de reportagens traz um texto específico sobre a Fundação Nacional do Índio (Funai). Outro sobre a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Mas a face indígena do genocídio está presente em quase todos os textos, como aqueles relativos às seguintes pastas: o Ministério da Saúde, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o Ministério da Cidadania, o Ministério da Educação e até o Ministério da Economia.
Pelo menos um dos chefes dessa necropolítica já reagiu: o presidente da Funai, o delegado Marcelo Xavier, disse que vai processar o observatório.
O dia 19 de março se tornou um marco. Naquela data, há quase seis meses, Lusia dos Santos Lobato, da etnia Borari, de 87 anos, se tornava a primeira indígena a morrer em consequência da Covid-19 no Brasil. Ela teve o perfil descrito por Fábio Zuker, no site Amazônia Real. É um entre aqueles perfis que precisam ficar registrados na história da pandemia: “Entre festa e luta, a vida da indígena Borari vítima da Covid-19“.
Lusia Borari com a bisneta, Maria Elisa. (Foto: AIBAC/Amazônia Real)
Com memória enciclopédica, Lusia tinha o talento para cantorias seja para evocar os deuses da floresta ou para alegrar seu povo quando nascia algum novo Borari em Alter do Chão, no município de Santarém, no oeste do Pará. Ela deixou sete filhos, dezessete netos, catorze bisnetos e um tataraneto. Como a indígena não vivia em uma aldeia mapeada pela Funai, sua morte não consta nos dados do Ministério da Saúde e, por isso, só foi divulgada quase um mês depois, no dia 15 de abril.
Sem confiar nos dados oficiais da Sesai, vinculada ao Ministério da Saúde, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) decidiu fazer um levantamento próprio. É a partir dele que se compreende a omissão do governo de Jair Bolsonaro para evitar o contágio, atender aos infectados e dar transparência aos números.
Para se ter uma ideia, o número de mortes entre indígenas divulgado pela Sesai representa menos da metade dos óbitos registrados pela Apib, com o auxílio de diversas organizações indígenas. Até a última sexta-feira (04), eram apenas 399, quase a metade das 787 mortes identificadas pelas próprias etnias. (O número de casos de Covid-19 registrados pelo governo, 24.326, também é menor que os 30.218 registrados pela Apib.)
Cada morte é consequência da desassistência, quando faltam ambulâncias, respiradores, leitos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ou quando foram contaminados ao saírem de suas aldeias em busca de alimento na cidade porque, cercados por invasores, têm a caça e a pesca limitadas.
Desde a morte da matriarca Borari, os dados da Apib foram mostrando a escalada da pandemia até atingir as 158 etnias em 25 estados brasileiros — apenas Goiás e Distrito Federal não têm casos ainda. Diante do extermínio causado pela gestão genocida do presidente Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, determinou a adoção de medidas protetivas aos povos indígenas pelo governo federal.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 foi apresentada pela Apib frente às dificuldades que os povos indígenas enfrentam desde o início da pandemia.
Tarde demais? Ou é possível acreditar que as mortes serão evitadas após o contágio ter alcançado tantos povos? No mesmo dia da votação do STF, o cacique Aritana Yawalapiti, perdia a batalha para a Covid-19, aos 71 anos, em um hospital de Goiânia, no dia 05 de agosto. Da etnia Yawalapiti, Aritana se tornou cacique em 1980, aos 19 anos. Ele contribuiu, junto com os irmãos Villas-Bôas, com a criação do Parque do Xingu, a maior reserva indígena do mundo.
Não é por acaso que, com uma foto ao lado da então rainha da Espanha, Sofia Margarida Vitória Frederica, em 2000, Aritana foi descrito pelo jornal francês Le Figaro, no dia de sua morte como “um dos principais líderes indígenas do Brasil”. Em defesa do território e por ser um dos últimos indígenas a caçar e pescar com arco e flecha nas florestas e rios do Xingu, o cacique virou personagem de novela. “Aritana” foi ao ar em 1978 na extinta TV Tupi.
Em entrevista ao De Olho Nos Ruralistas em março do ano passado, o cacique Aritana respondeu a declarações de Bolsonaro sobre “integrar” os indígenas com o capitalismo, utilizando TIs para lucrarem com o agronegócio.
— O governo tem uma dívida histórica com os indígenas. Tomaram tudo o que tínhamos, principalmente dos parentes de outras etnias: terra, madeira, riquezas minerais. Então, tem mais é que dar melhorias. E sem contrapartida. Queremos internet, televisão, dentista? Sim, precisamos! Mas que respeitem a nossa forma de vida.
Antes de ser contaminado pelo novo coronavírus, o cacique encabeçou uma campanha para arrecadação de fundos para facilitar o acesso dos Yawalapiti ao tratamento digno. Preocupado com as mortes e motivado pelo pedido de socorro de Aritana, o fotógrafo Luiz Filipe Barcelos decidiu, uma semana antes do falecimento do cacique, vender fotografias que fez do Kuarup, ritual de funeral da etnia, da passagem de Pirakumã Yawalapiti, irmão de Aritana, em 2016. É mais uma tentativa de dar fôlego à luta dos povos indígenas.
Nenhuma outra morte foi tão repercutida quanto a do cacique Bep’kororoti Payakan, o Paulinho Payakan, de 67 anos, no dia 16 de junho, depois de lutar sete dias contra a Covid-19. Sepultado na aldeia Ulkre, em Ourilândia do Norte (PA), ele se destacou em 1989 no Encontro de Povos Indígenas do Xingu.
Reconhecido no mundo todo pela luta pelos direitos indígenas, articulou junto a outra lideranças, como Raoni (que contraiu o vírus e sobreviveu), Ailton Krenak e Juruna pela demarcação de territórios e a expulsão de madeireiros e garimpeiros de terras indígenas. Foi uma voz importante contra a construção de hidrelétricas no Rio Xingu. Em 1991, uma das grandes vitórias dos povos indígenas, Payakan comemorou a homologação da Terra Indígena Kayapó. Em 2008, conseguiu a homologação da Terra Indígena Baú.
A jovem Ducicleia Pinheiro, de 17 anos, da etnia Apurinã, estava grávida de uma menina quando sentiu fortes dores nas costelas e foi levada ao hospital pelo marido no dia 05 de maio, em Rio Branco. Com falta de ar, demorou dez dias para ser diagnosticada com a Covid-19 no mesmo dia em que deu à luz às pressas. Com consequências do parto cesário e do efeito do novo coronavírus, foi levada à UTI. O marido foi obrigado a ficar isolado enquanto o resultado da Covid-19 não saia sem poder ter contato com a esposa nem a filha, que nasceu sem o vírus. Ducicleia morreu no dia 1° de junho sem ter conhecido Maria Clara, nome que ela pediu ao marido. Sem o leite materno e necessitando de ajuda para leite, o pai desempregado conta com a ajuda de doações para comprar o leite em pó.
Entre as cem faces de vítimas do novo genocídio existem guerreiros que lutaram por cada centímetro do território historicamente negado e invadido, em nome de cada árvore (wiwe, na língua do povo Waimiri Atroari), de cada manancial que desaparecia com construções de hidrelétricas ou cercas instaladas por grileiros armados. De cada peixe que boiava contaminado com agrotóxico ou resíduos minerais.
O pajé Gregório Venega era um desses que não se silenciava diante de cada devastação. Ele morreu aos 105 anos, em 11 de julho, após quatro dias de internação. O Guarani foi o primeiro indígena no estado do Paraná a ter a morte confirmada por complicações da Covid-19. Em 2006, o ancião conversou com o antropólogo Rubem Thomaz de Almeida. O pajé lembrou o percurso de seu povo para conseguir chegar, a pé, ao território em que hoje fica a Aldeia Ocoy, em São Miguel do Iguaçu (PR), onde a pandemia chegou pelas mãos do agronegócio: “Guarani que trabalha em frigorífico contrai Covid-19 e é 1º caso na região de Foz do Iguaçu“.
Sempre nos arredores do que os brancos convencionaram chamar oeste do Paraná, Gregório viajou pelo Paraguai, Argentina e, em 2000, se estabeleceu na Aldeia Ocoy. Passou décadas benzendo flechas, cocares de penas de arara azuis e amarelas de todos que fossem à batalha pelo direito à terra. Isto acontecia quando não indígenas eram vistos nas imediações da TI ou quando eles se juntavam a outros povos para viajar a Brasília, em busca de auxílio contra os invasores.
Enedina Karitiana, uma das vítimas em Rondônia. (Foto: Divulgação/Condisi)
Dez dias separam a morte de mãe e filho do povo Karitiana, em Roraima. Quando o coração de Gumercindo da Silva Karitiana, de 66 anos, parou de bater em um leito de UTI em Porto Velho no dia 25 de maio, a mãe dele, Eredina Karitiana, de 86 anos, ainda não sentia os sintomas da Covid-19. Líder de seu povo, Gumercindo passou os últimos anos de sua vida como servidor da Funai. No dia 04 de junho, Eredina morreu e teve o corpo sepultado ao lado do filho na Aldeia Central Karitiana. O site Amazônia Real também contou essa história.
Ponakatu Assurini, de 73 anos, esperou dias por uma vaga de UTI. Com dificuldades para respirar, foi a primeira de seu povo a morrer em decorrência da Covid-19 na Terra Indigena Trocará (PA). Três dias depois, os Assurini perderam outros três indígenas: o marido de Ponakatu, o cacique Puraké Assurini, 83 anos, a irmã dele, Iranoa Assurini, de 64 e o ancião Sakamirame Assurini, de 90 anos.
O cacique Puraké Assurini morreu sem ver a compensação financeira da Eletronorte com a instalação da usina hidrelétrica de Tucuruí, em 1970, que levou com as águas as castanhas, mandiocas, milhos, as batatas e parte do seringal que ficava na beira do rio. O cacique repetiu em audiências e reuniões as consequências da usina. Entre elas, a ocupação do entorno, que facilitou entrada de não indígenas no território, que gerou conflitos com fazendeiros.
Outra luta dos Assurini, dita em qualquer oportunidade que o cacique Puraké encontrava, era pedir a volta da parteira tradicional. Foi o que disse às pesquisadoras Benedita Celeste de Moraes Pinto, Maria de Fátima Rodrigues Nunes e Barbara de Nazaré Pantoja Ribeiro, que escreveram artigo sobre as formas de nascer entre os Assuriní do Trocará, em Tucuruí (PA). “As crianças nascem através da cirurgia, mas é a onde a cultura se perde. Por exemplo, eu quero ser padrinho do teu filho. Sendo teu irmão, eu que corto o umbigo do teu filho, se for homem. Se for mulher é outra pessoa que corta. Aí eu corto e fico sendo padrinho do teu filho”.
Em um comunicado, Waremoa Assurini, o professor Peppe, escreveu sobre a morte do pai, Puraké, da mãe, Ponakatu e da tia, Iranoa: “Enciclopédias vivas de conhecimentos tradicionais históricas e milenares do povo Assurini que se fecham e vai para a biblioteca divina”.
A exploração está ligada à biografia da maioria dos rostos publicados nesta reportagem. Francisco Luiz Yawanawá, de 69 anos, da etnia Yawanawá, professor e líder do povo Matrinxã, no município de Tarauacá (AC) lembra no livro “Plano de Vida Yawanawá”, editado pela Associação Sociocultural Yawanawa, que antes da demarcação eles trabalhavam para os patrões: “Cortava seringa e fazia farinha para vender. A seringa não tínhamos liberdade para vender, porque os patrões não deixavam. Naquela época tinha muito regatão que comprava borracha, e a gente fazia isso escondido para o patrão não saber”.
Francisco morreu de Covid-19 no dia 08 de julho. Ele fazia para seu povo orientações onde os não indígenas não enxergam um significado:
— A gente tinha muito cuidado com a terra. Era para não derrubar assim as palheiras para fazer casas. Às vezes, quando estava na mata, o certo não era derrubar, era trepar e tirar as frutas, porque se derrubasse ia fazer falta. Porque se num ano tinha, se derrubasse no outro não ia ter. Não podia fazer roçado muito grande. Antigamente era assim, bem controlado, de não jogar muito tingui no rio e nos lagos, e estamos levando esse controle até hoje.
Antigamente os rios não eram poluídos. Os indígenas foram dizimados também por tosses e espirros, ao longo dos 500 anos de história do Brasil. Tinha violência e tinha política genocida. Só não tinha Covid-19.
Nos próximos dias contaremos mais histórias.
Enquanto esta reportagem era editada, a arte finalizada, os dados mais uma vez checados, outros indígenas morriam pelo Brasil por causa da pandemia e da política do governo Bolsonaro.
Foi o caso de Nelson Mutzie, conhecido também por Nelsinho, de 48 anos, do povo Rikbaktsá, no dia 22 de julho, em Mato Grosso; de Renato Cinta Larga, de 92 anos, na mesma data, em Roraima; do sábio Terena Benedito Reginaldo Filho, de 94 anos, no dia 03 de agosto, no Mato Grosso do Sul; de Domingas Damásio, anciã Tupinambá, no dia 05 de agosto, em Pernambuco; do cacique Nikaiti Mekranotire, de 76 anos, líder do povo Kayapó, em Guarantã do Norte, no Mato Grosso, no dia 26 de agosto…