Na ocasião da abertura oficial do evento para os participantes, Ester foi representar o projeto proposto pelos Leonídios de nome “Projeto de Apoio a Guardas de Congado do Centro-Oeste mineiro” e falou um pouco dos resultados de sua pesquisa no trabalho de conclusão de curso em psicologia que realizou naquele ano de nome “A Festa do Rosário como possibilidade de transformação social”. Santoni Lobato ficou muito contente com o que ouviu e a procurou para parabenizar e estimular que ela continuasse com a pesquisa sobre o Reinado, tendo um valor muito grande por ser ela reinadeira também.
Alguns anos depois, topando a proposta de seguir pesquisando sendo membro integrante do campo de pesquisa, nesta semana Ester defenderá sua dissertação pelo PPGCOM-UFMG através de uma pesquisa matrilinear em que convida a todos a compreender a imagem para além do que se vê.
O presente trabalho propõe-se a realizar um duplo movimento de pesquisa e
memória. Por um lado, meu objetivo é registrar processos de transcriação da
oralidade/oralitura para o escrito, operados pela Capitã Pedrina de Lourdes Santos,
minha Mãe, mulher preta formada nos territórios e saberes tradicionais
filosófico-religiosos de matriz africana (Reinado, Umbanda e Kandomblé). Por outro
lado, o objetivo geral almejado insere-se num campo de múltiplas camadas de escrita
pois envolve a própria escrita da dissertação, evocando outra escrita que é a do
primeiro livro de minha Mãe que, por sua vez, é materialização de outra escrita, a das
oralituras do Reinado _ legado de minha avó (e de meu avô) para minha Mãe e para
mim. Para isto, utilizei como metodologia a genealogia feminina e feminista _
entendendo que em comunidades tradicionais não é possível separá-las _ como base
de compreensão desse ciclo familiar de afirmação de mulheres pretas, sobretudo
daquelas formadas nos espaços de conhecimentos afrodiaspóricos e ancestrais, e de
relações matrilineares que envolvem nossas vivências em face de uma sociedade na
qual as opressões raciais, de gênero e sexualidade, de classe e de território se
interseccionam. Por isso, entendo que a infiltração nos dispositivos de saber-poder
da dissertação e do livro, como também da apropriação da escrita por mulheres
pretas são modos de resistir às imagens de controle que tentam manter nossas
subjetividades em cativeiro e construir outras possibilidades de nos vermos e de
sermos vistas por meio de escrevivências que nos levam à autorrecuperação,
autoavaliação e auto-definição. Os gestos de escrita espelham-se um no outro. Eu
me espelho em minha Mãe e minha Avó, e elas em mim. Somos parte de um ciclo
vital espiralar de produção de vida, imagens, palavras e conhecimentos
contra-coloniais.