28/02/2020
O Pronera, criado em 1998, foi responsável pela formação de cerca de 9 mil alunos do ensino médio; 5.347 foram graduados no ensino superior público
O decreto nº 20.252 publicado no Diário Oficial de 20 de fevereiro de 2020 reorganiza a estrutura do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), enfraquecendo programas importantes para o desenvolvimento dos Movimentos Sem Terra e Quilombolas.
Na reestruturação, o governo extingue a Coordenação responsável pela Educação do Campo. Assim, fica inviabilizada a continuidade do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, o Pronera, voltado para a formação de estudantes do campo. A medida é mais um ataque do Governo Bolsonaro aos movimentos populares e aos trabalhadores do campo.
Para Isabela da Cruz, formada no curso de Direito do Pronera na Universidade Federal do Paraná (UFPR), não é de hoje que a política pública voltada para melhorias de vida no campo vem sendo sucateada.
“É um projeto político de extinção da população rural, vindo de um governo que menospreza a educação, a leitura e o conhecimento”, diz. Além de advogada recém-formada, Cruz é historiadora e ativista da Comunidade quilombola Paiol de Telha e considera que o momento é de agir. “Não é hora de choro. É hora de fortalecer ainda mais os espaços de fortalecimento da educação”, ressalta.
Pronera / Divulgação
Formatura da primeira turma de Direito
O Pronera, criado em 1998, foi responsável pela formação de cerca de 9 mil alunos que concluíram seu ensino médio; 5.347 foram graduados no ensino superior em convênio com universidades públicas; 1.765 deles tornaram-se especialistas e 1.527 são alunos na Residência Agrária Nacional.
Em 2014, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), em parceria com o Pronera, criou uma turma especial do curso de Direito para assentados. Em 2019, 47 alunos desta primeira turma foram formados.
Segundo informações da Universidade, a turma do Pronera no Direito da UFPR foi composta por estudantes vindos de 15 estados, além do Paraná, mas todos têm em comum o fato de possuírem vínculos com as comunidades tradicionais do campo — elas são o foco do programa, voltado a reduzir o déficit educacional dessas populações.
Para Izabel Cortez da Silva Ferreira, recém formada do curso de Direito, a extinção do programa pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) é um grande ataque à educação dos povos do campo. “Este governo mostra a que veio, que é questionar a ciência, a educação. E traz muito sofrimento para as pessoas”, diz.
Sobre a formação recebida no Pronera, Ferreira destaca a riqueza de trazer jovens do campo para dentro das Universidades. “Os jovens têm a oportunidade de estudar, aprofundar e voltar para contribuir nas suas comunidades e produzir conhecimento também”, afirma. Ela é militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e atualmente cursa mestrado em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Sobre o sonho de chegar a uma Universidade, que o Pronera possibilitou para milhares de pessoas do campo, Ana dos Santos, também recém-formada no curso de Direito, diz que a graduação representa uma conquista muito grande para sua família. “Sou da primeira geração a ter oportunidade de terminar o segundo grau e uma das únicas a cursar ensino superior. Ouvi a vida inteira minha mãe falando que a única coisa que poderia nos dar era estudo. Mas, no campo, se resumia ao ensino médio”, conta.
Para ela, o programa foi também abertura de horizontes. “Abriu horizontes para todos, mostrou ser possível que nós, filhas e filhos de camponeses, pudéssemos estudar e realizar um sonho que já era de nossos pais”.
Ana lamenta o fim do programa que, para ela, representou resistência e sensibilidade. “Ao mesmo tempo, em que se mostrou como política de resistência, de embate, porque antes Universidade era luxo para poucos, também se colocou de forma muito sensível para a efetivação de um direito humano”, pontua.
Preocupados com a situação do Pronera, os integrantes do Fórum Nacional de Educação no Campo divulgaram nota em defesa do direito da população camponesa a educação no seu local de trabalho. “O decreto extinguiu uma parte fundamental da política, porém, não extinguirá a dívida que o Estado brasileiro tem em relação ao direito de acesso dos camponeses à educação. Tampouco extinguirá nossa disposição de seguir lutando por esse direito, componente de um projeto de Reforma Agrária no País como condição basilar de uma sociedade democrática que busque superar as aterradoras desigualdades sociais que hoje o caracterizam”, diz o texto.
Leia na íntegra a nota do Fórum Nacional de Educação do Campo em defesa do Pronera:
O governo Bolsonaro publicou no dia 21 de fevereiro de 2020 o Decreto 10.252/2020, que altera a estrutura regimental do Incra. Mais do que alterar a estrutura regimental e de cargos, o Decreto altera profundamente as competências do órgão. A autarquia deixa de ter competências de formulação. Toda a política agrária fica subordinada à formulação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, em especial a destinação das terras públicas, a seleção de famílias para assentamentos de Reforma Agrária e a normatização e formação de grupos para elaboração de estudos de identificação e demarcação de terras remanescentes de quilombos. Entre tantas extinções de políticas então coordenadas pelo Incra, o referido Decreto extingue a Coordenação-Geral de Educação do Campo e Cidadania, responsável pela gestão do programa Nacional de Educação na reforma Agrária-PRONERA.
Depois de 20 anos, extingue o lugar político da elaboração e gestão de uma das maiores políticas públicas de educação, no Brasil. Já no Golpe de 2016, o Incra deixou de convocar a Comissão Pedagógica Nacional, uma importante instância deliberativa do Programa. No início do governo Bolsonaro, o Decreto que extinguiu todos os Conselhos, Comissões e outros mecanismos de participação social no governo, extinguiu também a Comissão Pedagógica Nacional do PRONERA. O PRONERA é uma política pública forjada pelo protagonismo dos sujeitos coletivos do campo. Até sua criação, não havia registro, na história deste país, dos camponeses protagonizando uma política pública de educação cuja característica fundamental é a articulação entre três sujeitos de territórios diferenciados, mas que materializam uma nova ação do Estado: os movimentos sociais, sindicais de trabalhadores e trabalhadoras do campo, o corpo dos servidores do INCRA e as Universidades.
O Decreto desconsidera que o Pronera, para além do instrumento legal de sua criação, inscreveu-se no ordenamento jurídico do Estado brasileiro, autorizado pela Lei 11.947, de 16 de junho de 2009 e pelo Decreto 7.352/2010 que a regulamentou. De acordo com a Pesquisa Nacional sobre Educação na Reforma Agrária – PNERA, publicada em 2015 pelo IPEA, o Programa foi responsável pela alfabetização, escolarização fundamental, médio e superior de 192 mil camponeses e camponesas nos 27 estados da Federação.
A partir da vigência do Decreto, nenhum órgão governamental estará responsável pela execução do Programa. O Decreto simplesmente extinguiu a instância até aqui responsável. Diante deste quadro é relevante que o Governo responda à sociedade e aos assentados pelo Incra, aos assentados pelo crédito fundiário e às populações remanescentes de quilombos, como se fará, a partir da vigência do Decreto, a gestão dessa política:
1. Com quais instâncias se dialogará em relação aos desafios administrativos dos convênios e projetos em andamento?
2. Que instância será responsável, na Autarquia, pela resolução, destinação e execução orçamentária dos convênios e projetos em andamento?
3. Que órgão do Governo se responsabilizará pelas centenas de Projetos de educação que jazem nos arquivos do Incra à espera de alguma resolução?
Afirmamos que o Pronera é uma política pública construída em torno do princípio da universalização da educação pública, cuja gestão é compartilhada no tripé Estado-Universidades-
Brasília, DF, 25 de fevereiro de 202
Fonte: BdF Paraná
Edição: Lia Bianchini