13/06/2021
Vídeo divulgado nas redes sociais mostra uma caminhonete deixando a área com troncos de árvores retirados da mata
Cacique Hayó recebe termo de posse da de terreno na Mata do Japonês, que agora deu origem à aldeia Katurãma
Um vídeo divulgado nas redes sociais mostra a invasão e o roubo de madeira na aldeia indígena de Katurãma Pataxó Hã-hã-hãe, localizada no município de São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo Horizonte. As imagens foram gravadas pela fotógrafa Isis Medeiros e publicadas no último sábado (12) e gerou uma série de outras publicações sob a hashtag #SOSKaturama. Também estão sendo denunciadas pelo Comitê Mineiro de Apoio às Causas Indígenas.
Segundo o cacique Hayó Pataxó Hã-hã-hãe, a comunidade se mudou para a região na semana passada, após negociar a posse do terreno (parte comprada e parte doada) junto ao antigo proprietário, a Associação Mineira de Cultura Nipo-brasileira (AMCBN). No entanto, a área já vinha sendo ocupada por homens que estariam destruindo parte da floresta conhecida como Mata do Japonês.
“Essa aldeia existe porque nós compramos 30% na mão do japonês e 70% nós ganhamos e, desde o dia 9, nós tomamos a posse”, explica o cacique. Como o problema com os invasores no terreno já era anterior, segundo Hayó, tanto a Polícia Federal quanto a Fundação Nacional do Índio (Funai) foram sido acionados para garantir a segurança das famílias. Mas, ele afirma que não foi tomada nenhuma providência, com exceção a visitas diárias da Polícia Militar.
A situação tem deixado as famílias com medo já que, segundo Hayó, os invasores andam armados e ocupam parte das terras que, agora, são de propriedade do povo indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe. “A nossa situação aqui é que nós estamos órfãos, sem apoio do município, do Estado, da Polícia Federal, da União”, afirma o cacique. E completa: “Homens passam armados dentro do nosso território, homens que representam ameaça em palavras, inclusive de incêndio. E à noite nós não dormimos”, relata.
Na Mata do Japonês, os Pataxó Hã-hã-hãe pretendem retomar os costumes e o modo de vida indígena que foram suspensos desde que foram transferidos para a capital mineira, devido ao rompimento da barragem da Vale em Brumadinho em 2019 (leia mais abaixo). “Aqui temos duas nascentes dentro da área, que estamos com intuito de fazer o batizado cultural das nossas crianças e também manter a conservação da área”, disse.
Também querem transformar a aldeia Katurãma em um local de ecoturismo, além de continuar produzindo e vendendo artesanato como fazem atualmente. “Estamos com intuito de fazer dessa área uma movimentação de ecoturismo para poder divulgando a reserva, atraindo os alunos das escolas, para vender nossos artesanatos e, de acordo com o que a gente fizer de dinheiro, ir pagando território com o nosso trabalho”, disse.
A reportagem tentou contato com a Polícia Militar e, segundo a sala de imprensa, não há registro de nenhuma ocorrência na região. Já a unidade da PM em São Joaquim de Bicas não atendeu às tentativas de contato para confirmar a informação sobre a assistência prestada aos indígenas. A reportagem também demandou por e-mail a Fundação Nacional do Índio (Funai).
‘Crime da Vale’
Ao todo, 30 famílias do povo indígena Pataxó estão vivendo em barracas na Mata do Japonês. Até a semana passada, eles estavam vivendo de aluguel no bairro Jardim Vitória,região Nordeste de Belo Horizonte, mas duas famílias já estavam com ordem de despejo porque não tinham condições de pagar pela moradia.
Segundo Hayó, essa crise teve início após serem expulsos da aldeia Naô Xohã onde moravam em Brumadinho, também na região metropolitana. Eles tiveram que deixar o local após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, que destruiu o rio Paraopeba, de onde tiravam sua subsistência. “Nós saímos de lá por causa do crime da Vale”, disse. Questionado se a lama passou sobre a aldeia ele respondeu: Não, “(a lama) afetou o rio que acabou matando todas as plantas, adoecendo nossos bichos que morreram todos devido ao impacto do rio que morreu”.
O cacique afirma que a Vale pagou um auxílio emergencial aos indígenas após a tragédia, mas que hoje não presta mais assistência ao povo – o que contribuiu para que eles buscassem retomar os antigos modos de vida. “A Vale não estava pagando nosso aluguel, e lá estávamos sendo chamados de ‘índios da Vale’ e decidimos tirar nosso povo de um habitat que não era nosso, que é a selva de pedra”, disse.
Procurada, a Vale ainda não respondeu.
Posição da AMCNB
Em nota divulgada em seu site, a AMCNB, antiga proprietária do terreno onde hoje está a aldeia Katurãma, explica que diante do interesse de ocupação legal da reserva por parte dos índios pataxó foi feita a doação de parte do terreno e a venda do restante ao grupo. “Houve interesse de ocupação legal por parte do Grupo Katurama Pataxó Hã-hã-hãe. Esse grupo procurou a AMCNB, foram feitas reuniões internas e com o grupo e ficou resolvido a venda pela AMCNB de 30% da área e a doação de 70% dela”.
Ainda segundo a Associação, a invasão das terras é constante e antiga. “A Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) está sofrendo invasões e constantemente, na forma da lei, essas invasões vêm sendo enfrentadas”.
A instituição ainda se manifestou na nota desejando que os indígenas consigam amparo na lei para viver em segurança na área. “A AMCNB espera que, com o amparo da lei, os indígenas possam viver em seu território de posse e propriedade legal da “Mata do Japonês” sem que invasores possam promover qualquer tipo de violência contra eles. E ainda que vivam sua cultura, seja em sua arquitetura peculiar, danças, língua, artesanato, costumes, organização social e preservem o meio ambiente natural que faz parte da vida de todos nós”.